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A mágica acabou no Carrefour

Com a descoberta de um rombo de 420 milhões de reais na operação brasileira, o Carrefour se reorganiza

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Loja do Carrefour em São Paulo: boa parte das verbas contabilizadas indevidamente estava na área de eletroeletrônicos (Lailson Santos/EXAME.com)

Loja do Carrefour em São Paulo: boa parte das verbas contabilizadas indevidamente estava na área de eletroeletrônicos (Lailson Santos/EXAME.com)

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João Werner Grando

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às, 11h39.

O paulistano Luiz Fazzio, diretor-superintendente do Carrefour no Brasil, surpreendeu cerca de 600 diretores e gerentes na reunião anual da varejista realizada em setembro, num hotel na zona sul de São Paulo. Desde o início de agosto no comando da operação, Fazzio decidiu mostrar aos funcionários os dados financeiros da subsidiária brasileira - algo tradicionalmente restrito a pouquíssimos integrantes do primeiro escalão. Os números eram preocupantes.

Por causa da queda na rentabilidade dos hipermercados - área responsável por quase metade do faturamento de 25 bilhões de reais do Carrefour no Brasil em 2009 -, a companhia corria o risco de fechar este ano com prejuízo, o que não ocorre desde 2004. Além do tropeço na operação, a matriz acabara de reconhecer perdas de 160 milhões de reais de receitas contabilizadas indevidamente no caixa da operação brasileira. A situação era feia, mas ficaria ainda pior.

Cerca de um mês depois, num comunicado emitido na França, o Carrefour admitiu que o rombo era ainda maior e chegava a 420 milhões de reais - uma informação antecipada pelo site de EXAME. Com as perdas, a previsão do lucro mundial do grupo neste ano foi reduzida em 3% - o equivalente a 100 milhões de euros. As ações caíram 4% no dia seguinte ao anúncio, a maior queda no principal índice da bolsa de Paris. "Não vou aceitar 'mágica'", disse Fazzio aos executivos do Carrefour diversas vezes nas últimas semanas.

Boa parte da mágica a que Fazzio se refere, descoberta após uma auditoria realizada pela KPMG a partir de maio, consistia em registrar como receita verbas que teriam sido pagas por fornecedores (para inclusão de seus produtos em tabloides ou para garantir uma posição privilegiada na gôndola), mas que jamais entraram de fato em caixa. Outra parte se deve a perdas no estoque que jamais foram contabilizadas. A devassa nas contas da empresa motivou uma série de mudanças na subsidiária - a mais rumorosa delas foi a troca no primeiro escalão da empresa.


Dos dez executivos mais graduados do Carrefour no Brasil sobraram quatro. O primeiro a deixar a companhia foi o então presidente, o francês Jean-Marc Pueyo, substituído por Fazzio. Em seguida, dois franceses foram despachados pela matriz. Christophe Martin, vindo da operação belga, assumiu a diretoria financeira em substituição ao paulista Pedro Magalhães. Daniel Mora, ex-diretor da operação colombiana, chegou para acumular duas diretorias comerciais - a alimentar e a não alimentar, área responsável por compras de eletroeletrônicos e que concentrou boa parte da contabilização indevida de verbas da indústria. Além disso, o cargo de presidente para a América Latina, antes acumulado por Pueyo, passou a ser ocupado por Thierry Garnier, baseado na sede da empresa, em Paris.

Fim das verbas

Sob essa nova estrutura, Fazzio começou a passar um pente-fino na operação. Seu alvo principal até agora tem sido as ineficiências logísticas, que ficaram claras nas recorrentes perdas de estoque nos últimos meses. Enquanto os centros de distribuição ficavam abarrotados de produtos que chegavam a estragar, parte das gôndolas dos supermercados permanecia vazia. O desajuste se devia à má comunicação entre a sede e os gerentes das lojas, que até alguns anos atrás atuavam de maneira independente. "Os gerentes ainda mantêm algumas decisões sobre compras e não se entendem com os centros de distribuição", diz um consultor especializado em varejo.

"O resultado é um índice de falta de produtos nas prateleiras que chega a ser o dobro do dos concorrentes." Em setembro, o executivo Luis Ricardo Pedro, ex-Bertin e Pão de Açúcar, foi contratado como diretor de logística, no lugar de Túlio Bolzoni. Outro recém-contratado é Sérgio Nóia, ex-vice-presidente comercial do Walmart, para a recém-criada diretoria de compras regionais, cuja tarefa será coordenar as sete gerências regionais e eliminar os conflitos entre lojas e centros de distribuição.

O segundo alvo de Fazzio é acabar com a confusão no registro de verbas pagas por fornecedores. Para isso, o Carrefour pretende abandonar de vez a cobrança de verbas (ou bônus, no jargão do setor) a partir de janeiro - uma mudança histórica na política comercial da empresa. "Ao longo dos anos, a pressão no Carrefour para fechar contratos de verbas se tornou maior do que para negociar o preço dos produtos", diz o executivo de uma fabricante de eletrodomésticos.

É algo que outros varejistas começam a identificar como uma fonte de problemas. "Lidar com tantos contratos de verbas promocionais ficou complexo demais", diz Ricardo Pastore, especialista em varejo da ESPM. O Walmart, terceira maior rede de varejo do país, começou a mudar esse modelo em maio. No lugar dos bônus, passou a exigir um desconto maior nas compras. Após discussões iniciais, alguns fornecedores começaram a aderir a esse tipo de contrato nos últimos dois meses.


Além das questões internas, Fazzio terá de lidar com a crise de identidade pela qual passam os hipermercados no Brasil e em todo o mundo. O formato representa metade das vendas e um terço das 600 lojas da rede no Brasil. (No Pão de Açúcar, líder do setor no país, os hipermercados respondem por 39% das vendas e um décimo do total de suas 1 000 lojas.) Hoje, um time de executivos brasileiros está estudando o projeto Carrefour Planet, anunciado em setembro pelo presidente mundial, Lars Olofsson, que pretende investir 2 bilhões de dólares para adaptar metade dos 500 hipermercados da Europa em até dois anos. No Brasil, a reformulação dos hipermercados deve começar por São Paulo em 2011.

Segundo executivos próximos à empresa, a intenção é reduzir a venda de produtos como eletroeletrônicos e alugar os espaços vazios para escritórios comerciais, escolas e até cinemas. Para diminuir o peso dos hipermercados nos resultados, boa parte da abertura de lojas concentra-se no modelo do atacarejo Atacadão - de longe, o mais eficiente da rede.

Neste ano, 30 lojas do Atacadão foram inauguradas pelo país e apenas dois novos hipermercados abriram as portas. Mesmo com esse potencial, nas últimas semanas dois executivos deixaram a empresa - Ney Santos, diretor de tecnologia, e Belmiro Gomes, diretor comercial do Atacadão, foram para o rival Pão de Açúcar. Controlar o clima de instabilidade dentro do Carrefour e manter executivos importantes será vital para que Fazzio consiga, de fato, recuperar a companhia. Tudo isso sem usar nenhum truque de mágica.

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