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A Gradiente muda o rumo. De novo

Marcada por uma estratégia de idas e vindas, a empresa retorna a velhos mercados

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Da Redação

Publicado em 17 de maio de 2011 às 19h28.

Ninguém definiu com tanta propriedade a Gradiente quanto o próprio presidente da companhia, o administrador de empresas Eugênio Staub. E ele o fez em entrevista concedida em setembro do ano passado a uma publicação do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o clube de empresários nacionalistas do qual faz parte.

Staub falou o seguinte sobre seu negócio: "A rigor", disse ele, "a Gradiente nem poderia existir no mundo global". "É um besouro que não poderia voar, mas voa." O desafio às regras coleópteras dimensiona em parte o entusiasmo com que Eugênio Staub comanda uma das mais conhecidas companhias do setor eletroeletrônico.

Empreendedor inquieto, ele não pára de examinar o horizonte à procura de novidades que possam fortalecer sua empresa. E, ao decidir-se por uma delas, aposta pesado. Não hesita muito quando se trata de entrar ou sair de negócios, em fazer e desfazer parcerias tecnológicas, conforme ditam os interesses da Gradiente.

Foi assim com videogames, com aparelhos celulares, com a internet sem fio e com o Mediz, serviço de recados e notícias por reconhecimento de voz. Staub entra e sai de novos negócios com uma ousadia rara. Faz e desfaz parcerias tecnológicas sempre que julga oportuno. E não demora em mexer na estrutura da empresa quando chega à conclusão que as coisas não estão funcionando como deveriam. Esse jeito arrojado de administrar às vezes dá certo. Outras vezes, não.

Os últimos anos, por exemplo, foram de contratempos. Em 2003, a Gradiente registrou um dos maiores prejuízos de sua história. A empresa perdeu 180 milhões de reais para um faturamento de 524 milhões. "Lançamos uma série de novos produtos com margens de lucro mal calculadas", diz Staub.

No mesmo período, sua principal concorrente nacional, a Semp Toshiba, colheu um lucro de 150 milhões de reais. Para a Gradiente, foi o terceiro ano consecutivo no vermelho. Em 2001, a empresa perdeu 110 milhões, e outros 15 milhões em 2002. Os primeiros meses de 2004, porém, estão sendo de alívio.

O faturamento da Gradiente praticamente dobrou e, embora as contas ainda não fechem, o prejuízo no primeiro trimestre foi de 5 milhões de reais contra 37 milhões no mesmo período de 2003. "Acho que vai dar para sair do vermelho", diz ele. Dois fatores o estimulam, o primeiro conjuntural.


O aquecimento na economia, ainda que discreto, vem impulsionando as vendas de TVs, equipamentos de som e aparelhos de DVD. Segundo dados da Eletros, entidade que representa as empresas do setor, este é o melhor ano para essa indústria desde 2000. As vendas de televisores aumentaram 64% no primeiro trimestre e as de DVDs, 177%.

O segundo motivo está ligado a movimentos estratégicos da Gradiente. Em 2003, a empresa voltou a produzir aparelhos celulares, um mercado que Staub decidiu abandonar há quatro anos, quan do sua marca detinha 25% de participação. Na época, a Gradiente era sócia da finlandesa Nokia, líder do mercado mundial de celulares, numa fábrica instalada em Manaus.

Não é a primeira vez que a Gradiente desiste de um setor para voltar a ele tempos depois. Quatro anos atrás, a empresa desistiu de produzir TVs de tela pequena. Na época, seus executivos justificaram a decisão afirmando que o objetivo era se concentrar em produtos de maior valor agregado, como os televisores de 29 polegadas.

Em 2003 voltou a produzir modelos de 14 a 20 polegadas -- fatia que representa cerca de 90% desse mercado. "Saímos porque nossos custos não eram competitivos", diz Staub. "Mas refizemos os projetos e voltamos de forma mais agressiva."

A telefonia móvel foi responsável pelo melhor negócio feito pela Gradiente nos últimos tempos. De 1997 a 2000, período em que a empresa foi sócia da Nokia na produção de celulares, o lucro anual médio dessa operação era cerca de 240 milhões de reais em valores de hoje.

O investimento inicial de Staub na fábrica foi de 30 milhões de reais, em valores de hoje. Três anos depois, ele venderia sua participação para a Nokia pelo equivalente a 1,2 bilhão de reais em valores atuais. "Foi o melhor negócio da minha vida", diz Staub. Depois de vender sua parte na fábrica, a Gradiente ficou impedida, por contrato, de retornar ao mercado por três anos.

Agora está de volta, com um acordo de fornecimento de tecnologia com a Sagem, segundo maior grupo de telecomunicações da França. Segundo os planos da empresa, o negócio deve responder por 40% do faturamento em 2005. No primeiro trimestre deste ano, os celulares já participaram com 21% das vendas. 


Cada ramo industrial possui um critério próprio para definir a excelência. Na siderurgia, por exemplo, boa é aquela companhia que joga no mercado um produto exatamente igual ao dos anos anteriores. Não se fala em design, "conceito" e tecnologia -- não no sentido mais estrito das palavras.

A definição de excelência em eletroeletrônica é um pouco mais complexa. Persistir na fabricação de um produto pode ser um acerto. Ou um erro. Só o tempo e o comportamento do consumidor dirão. Nesse mercado nervoso, os fabricantes não podem errar, pelo menos não muito. "A Gradiente compete com companhias globalizadas", diz Fernando Fernandes, consultor da Booz Allen Hamilton.

O sucesso, basicamente, depende de dois fatores -- investimento em tecnologia e grandes escalas de produção, capazes de amortizar esses gastos. No ano passado, a Philips, por exemplo, colocou 3 bilhões de euros na criação de novos produtos. Ao mesmo tempo, bases de produção montadas em países com custos baixos, como a China, garantem volumes homéricos. Hoje, a Gradiente não possui nenhuma dessas duas coisas.

Para continuar competindo, Staub conta, em resumo, com um espírito empreendedor admirável. Vai abrir em julho um escritório na China para fazer contatos com fornecedores de tecnolo gia e componentes. "Será o início de uma plataforma de desenvolvimento de produtos", diz ele.

Para ter acesso a tecnologia de ponta, a empresa depende de parcerias com multinacionais. Foi assim com as japonesas JVC e Nintendo, para produtos de áudio, vídeo e videogames e com a Nokia, para celulares. Todas foram rompidas. Os especialistas acreditam que a falta de um parceiro constante explicaria em parte as idas e vindas da Gradiente.

Staub discorda. "Isso não é verdade", diz. "Não ter um parceiro fixo é um diferencial competitivo, pois buscamos as melhores tecnologias de cada fornecedor."


Outro obstáculo aos bons resultados da Gradiente é o enorme poder exercido pelos canais de distribuição. "Só sobrevive nesse setor quem consegue construir vínculos fortes com o varejo", diz Fernandes, da Booz Allen. Vínculos fortes é justamente o que a Gradiente está penando para construir nos últimos tempos, principalmente em razão das mudanças na linha de produtos.

Por três anos, as linhas de áudio e vídeo deixaram de receber a atenção devida por parte da cúpula da companhia. "Durante o auge dos celulares não fizemos tudo o que poderíamos em nossas linhas de áudio e vídeo", afirma Staub. "Mas assim que vendemos a fábrica voltamos a investir."

O fim da parceria com a Nokia levou Staub a tocar um processo de reformulação para reduzir custos, concluído no final de 2002. Ao final, ele contratou três executivos para tocar as diferentes áreas. Dante Iacovone, ex-presidente da BCP, é atualmente vice-presidente de telecomunicações.

Nelson Wortsman, que havia comandado a CCE e a Sharp, foi contratado para a área de multimídia. Sidnei Brandão passou a tocar o negócio de celulares. Os planos eram ambiciosos, e os executivos deram declarações confiantes à imprensa. Poucos meses depois, Staub mudou de idéia e decidiu fazer mais um corte de custos -- Wortsman e Brandão foram demitidos. 

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