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A freada dos veículos elétricos: é moda ou veio para ficar?

Até pouco tempo atrás, a indústria automobilística dos Estados Unidos previa um futuro 100% sem combustíveis fósseis. Os desafios dos motores movidos a energia limpa fizeram os planos derrapar

Model Y, da Tesla: clientes incomodados com o acesso escasso a estações de recarga (Patrick Pleul/Pool/AFP/Getty Images)

Model Y, da Tesla: clientes incomodados com o acesso escasso a estações de recarga (Patrick Pleul/Pool/AFP/Getty Images)

Bloomberg Businessweek
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Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

Quando o antigo Hyundai de Debbie mettenleiter precisou ser substituído depois de rodar 320.000 quilômetros, ela decidiu embarcar no movimento dos veículos elétricos (VEs). Afinal, os Teslas pareciam estar em todos os semáforos de San Diego, onde ela mora. Até a filha dela tem um. Então ela fez um depósito de reserva de 250 dólares para um Tesla Model Y.

Depois, ela começou a conversar com amigos sobre suas experiências com veículos elétricos e a dificuldade que tinham para acessar confiáveis estações de carregamento. Ela também não gostou do banco de trás do Model Y da filha para passear com o neto. “Eu batia a cabeça todas as vezes”, diz ­Debbie, de 67 anos, assistente executiva aposentada.

Foi quando ela desistiu da reserva do Tesla e, em vez disso, comprou um SUV Hyundai Kona 2022, com um motor tradicional de combustão interna.

“Eu queria um veículo em que pudesse simplesmente entrar e fazer uma viagem sem precisar me preocupar com abastecimento”, diz ela. “Simplesmente não estou pronta para encarar as dificuldades de recarga desses veículos.”

Há um ano, os VEs agitaram o mundo automobilístico, e parecia que um futuro totalmente elétrico estava próximo. Mas os compradores de automóveis de hoje estão repensando esses veículos, provocando um curto-circuito no crescimento das vendas e fazendo com que os modelos plug-in se acumulem nos pátios das concessionárias. Os fabricantes de automóveis, que nesta década estão investindo mais de 100 bilhões de dólares no desenvolvimento de veículos elétricos, agora estão reduzindo preços, produção e previsões de lucro para os novos veículos verdes. O estoque de modelos movidos a bateria nos pátios das concessionárias mais que dobrou no ano passado, atingindo um recorde de fornecimento de 114 dias no início de dezembro, em comparação com 71 dias da indústria automobilística em geral, de acordo com a empresa de pesquisas Cox Automotive.

A situação piorou tanto que um grupo nacional de quase 4.000 revendedoras de automóveis que se autodenomina “A Voz do Cliente VE” escreveu ao presidente Joe Biden em novembro, pedindo-lhe que “pisasse no freio nas irrealistas legislações governamentais” para veículos elétricos, que sua administração deseja que representem mais da metade de todas as vendas de automóveis nos Estados Unidos até 2030, ante cerca de 7% em 2023.

A hora de a vez dos híbridos

Em vez disso, compradores de automóveis estão migrando para os híbridos — veículos movidos a gasolina e eletricidade que existem há um quarto de século —, que as concessionárias têm dificuldade de manter em estoque. A Toyota Motor, a Ford Motor e outras estão aumentando a produção de híbridos para atender a demanda. Enquanto isso, os veículos tradicionais com motor a combustão continuam gerando grandes negócios, representando mais de oito de cada dez vendas de automóveis nos Estados Unidos.

Elon Musk: a política de baixar preços dos veículos da Tesla acirrou a concorrência (Jordan Vonderhaar/Bloomberg/Getty Images)

Os Estados Unidos ficaram atrás da Europa e da China na adoção de veículos elétricos, e executivos e políticos do setor automotivo estão ansiosos para recuperar o atraso para que o país não perca a corrida da tecnologia de transporte. Mas a maioria dos consumidores americanos não concorda. Os VEs continuam muito caros, com preço médio de 60.544 dólares — cerca de 13.000 dólares mais do que um carro movido a gasolina, de acordo com a empresa especializada em pesquisas automotivas Edmunds. Esse prêmio tornou-se ainda mais doloroso à medida que as taxas de juro dos empréstimos para a aquisição de automóveis dispararam. Além do custo, muitos consumidores consideram os VEs demasiadamente arriscados se ficarem sem bateria e sem nenhum carregador à vista — uma preocupação conhecida na indústria de VE como “ansiedade de autonomia”.

O crescimento anual das vendas de veículos elétricos nos Estados Unidos atingiu 60% em 2022, mas aumentou apenas 47% em 2023 e deverá subir apenas 11% neste ano, de acordo com uma previsão do UBS Group. A Ford cortou pela metade seus planos de produção em 2024 de sua picape plug-in F-150 Lightning, seu VE exclusivo. A General Motors também está atrasando a produção de veículos elétricos muito aguardados, como o SUV Chevy Equinox e a picape Silverado. Elon Musk repetidamente reduziu o preço dos modelos Tesla em 2023. Isso desencadeou o que o CEO da Ford, Jim Farley, chamou de “guerra de preços” de VE, o que levou sua empresa e outras a também reduzirem o que estavam cobrando. Os movimentos de Musk diminuíram, mas não impediram perdas de participação de mercado que exerceram um significativo impacto nas margens de lucro.

“Tudo mudou muito rapidamente”, diz ­Mickey Anderson, um revendedor de automóveis que viu longas listas de espera por veículos elétricos evaporarem enquanto modelos movidos a bateria se acumulavam em suas concessionárias em Oklahoma, Kansas e Colorado.

Outros tempos

O que mudou, dizem os executivos e analistas do setor, é que a corrida inicial de compradores consistia em motoristas ricos que adquiriam um carro extra para a família porque queriam a tecnologia mais recente. Agora que os primeiros adotantes estão saciados, os compradores convencionais que dependem de seus carros como veículo diário consideram os VEs “mais caros e menos úteis”, afirma Anderson.

“Precisamos de uma rede de carregamento mais confiável”, diz Anderson, observando que há apenas uma estação de carregamento no trajeto de 320 quilômetros que ele faz semanalmente entre seus escritórios em Omaha e Kansas City. “As pessoas precisam ter confiança de que podem levar seus filhos à consulta ­médica, que podem chegar ao trabalho na hora certa e que podem usar esse veículo nas férias.”

John Farley, CEO da Ford: combustão interna continua gerando grandes negócios, representando mais de oito de cada dez vendas de automóveis nos EUA (Peter Foley/Bloomberg/Getty Images)

Não é apenas a rede de carregamento que não é confiável. Os VEs tiveram 80% mais problemas do que os carros com tradicionais motores a combustão interna, de acordo com a última pesquisa da revista Consumer Reports. Os proprietários de veículos elétricos relataram mais problemas com a bateria e sua capacidade de recarregar.

“Isso não tem nada a ver com os carregadores em campo. Trata-se especificamente de um problema com o veículo que não aceitava o carregamento”, diz Jake Fisher, diretor sênior de testes automotivos da Consumer Reports. “É como se você não conseguisse colocar gasolina no carro. Isso é um problema, um grande problema.”

Isso ajuda a explicar por que mais da metade dos compradores de automóveis americanos dizem agora que não estão interessados ​​em veículos elétricos, ante apenas 42% que descartaram modelos movidos a bateria em 2022, de acordo com um estudo com 250.000 compradores de automóveis nos Estados Unidos feito pela empresa de pesquisa da indústria automotiva Strategic Vision.

“Nos últimos meses, tem havido uma forte resistência, com mais pessoas dizendo que não têm absolutamente nenhum interesse em comprar um VE”, diz Alexander Edwards, presidente da Strategic Vision. Ele afirma que, na verdade, não existe uma “demanda intrínseca” de VEs, devido ao seu alto preço e às limitações de carregamento. “Pouquíssimas pessoas querem gastar 55.000 dólares para ter motivos de preocupação.”

Para onde vão?

Certamente, o fundo do poço não é o abandono do mercado de VEs. As vendas de veículos movidos a bateria ainda crescerão a um ritmo mais rápido­ do que o mercado automobilístico global neste ano, preveem fabricantes de automóveis e analistas independentes. Mas o otimismo inebriante sobre um VE em cada garagem esbarrou no pragmatismo dos principais compradores. Até que vejam preços mais baixos e mais carregadores em seu trajeto diário — duas questões para as quais a indústria automotiva e o governo dos Estados Unidos estão dedicando bilhões de dólares para melhorar —, continuarão com os seus veí­culos tradicionais e os postos de abastecimento conhecidos.

“Sei que há um posto de gasolina a cada poucos quilômetros”, diz Debbie, proprietária do Hyundai Kona, “e, para mim, isso nunca será um problema”.

Os VEs também acabaram na mira das guerras culturais, outro obstáculo para quem busca um automóvel. Os carros plug-in são fundamentais para os planos de Biden para combater as alterações climáticas. Sua emblemática Lei de Redução da Inflação oferece uma série de créditos fiscais ao consumo e bilhões de dólares em incentivos à produção para estimular a procura pelos VEs. A Agência de Proteção Ambiental de Biden propôs restrições às emissões de gases de efeito estufa que exigiriam que dois terços dos novos veículos de passageiros fossem totalmente elétricos até 2032. Mas, enquanto Biden hesita em se manter na Casa Branca, o ex-presidente Donald Trump chama o plano de Biden de “uma ridícula farsa sobre carros totalmente elétricos” e ressalta que os VEs matarão empregos e tirarão as montadoras americanas do mercado.

“Os estados azuis [democráticos] dizem que os VEs são excelentes e que precisamos adotá-los o mais rapidamente possível, por motivos climáticos”, disse Bill Ford, presidente executivo da Ford e bisneto do fundador Henry Ford, numa entrevista em outubro ao New York Times. “Alguns dos estados vermelhos [republicanos] dizem que isso é igual à vacina e que está sendo enfiado goela abaixo pelo governo, e não queremos isso. Nunca pensei que veria o dia em que nossos produtos seriam tão fortemente politizados, mas são.”

Keith Naughton, da Bloomberg Businessweek

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