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"As pessoas atingiram seu limite": por que o mundo vive recorde de protestos

Entidades que acompanham protestos globalmente alertam para um período "sem precedentes"

França: protestos massivos contra a reforma da Previdência proposta pelo governo Macron (Laurent Coust/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

França: protestos massivos contra a reforma da Previdência proposta pelo governo Macron (Laurent Coust/SOPA Images/LightRocket/Getty Images)

Carolina Riveira
Carolina Riveira

Repórter de Economia e Mundo

Publicado em 20 de abril de 2023 às 06h00.

A mobilização contra uma reforma da Previdência do governo Emmanuel Macron, que tem varrido a França neste começo de 2023, é só um exemplo de uma lista crescente de manifestações pelo mundo. Os três primeiros meses de 2023 somam 50 grandes mobilizações, o mesmo número do ano de 2018 inteiro, segundo o acompanhamento do Fundo Carnegie para a Paz Internacional.

O ano de 2022 foi um marco, com 126 movimentos mapeados, e 2023 parece ir pelo mesmo caminho. O cenário de contínua insatisfação civil foi apontado como um dos maiores riscos para este ano em relatório da consultoria Eurasia. A consultoria Verisk Maplecroft classifica a mobilização global destes tempos como “sem precedentes” desde que seu Índice de Agitação Civil foi criado, em 2016.

O cenário acontece em tempos de inflação recorde. Temas como “energia” e “custo de vida” aparecem como motivação de muitos dos protestos mapeados.

Mesmo o caso francês pode ser descrito como tendo motivação econômica, dada a imposição de corte orçamentário, diz Thomas Carothers, codiretor do Programa de Democracia, Conflito e Governança do Carnegie.

“Os números de 2023 até agora confirmam que a quantidade de protestos continua a aumentar globalmente e que protestos de orientação econômica são parte grande disso”, diz.

De atos pelo direito ao aborto nos Estados Unidos a protestos pela transição verde na Alemanha e embates com o governo em países como Peru, Israel e Sri Lanka, as mobilizações costumam ter raízes mais profundas do que a economia em si, argumentam os pesquisadores Naomi Hossain e Jeffrey Hallock, da American University, em Washington D.C., Estados Unidos. Pesquisando mobilizações desde a crise de 2008, Hossain afirma que “preços e protestos estão relacionados, mas não de forma automática”.

A gota d’água pode ser uma reforma, um caso de corrupção, um corte de subsídios ou outro fator que faça as pessoas questionarem todo o resto do sistema, a desigualdade e a capacidade de resposta de seus governos.

“São sobretudo embates políticos”, diz a professora. “O desemprego está baixo nos países ricos, mas muitos veem sua situação como precária. Em muitos desses lugares, as pessoas parecem ter atingido seu limite.”

Hallock destaca que a insatisfação “vai se construindo quando os governos não mostram capacidade de responder. Não é algo do dia para a noite”.

E o Brasil?

Sondagem global do instituto de pesquisa Ipsos mostra que a “inflação” é a maior preocupação da população mundial, com 43%. No Brasil, “pobreza e desigualdade” lideram o ranking (43%, com inflação tendo menor fatia, de 27%).

Helio Gastaldi, da Ipsos no Brasil, explica que os brasileiros, embora preocupados com os efeitos práticos da economia, estão mais otimistas do que a média global.

Apesar disso, ele aponta que o país tem uma situação de perda que pode ser comparada à de países ricos, após a boa fase dos anos 2000.

“Há algo que tangencia todas essas questões no mundo, que é a percepção de que essa geração vai deixar para seus filhos uma herança pior do que recebeu”, diz. “E o Brasil teve um período de muitos ganhos em pouco tempo, seguido de uma retração. Nesse sentido, esse sentimento de perda, aqui, se assemelha ao de países desenvolvidos.”


Esta reportagem faz parte da seção Visão Global, disponível na edição 1.250 da EXAME. Leia também as outras notas da seção: 

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