Sam Altman, CEO da OpenAI, e o vice-presidente de IA da Microsoft, Kevin Scott: investida e investidora selam colaboração no palco da conferência Build, em Seattle (Jason Redmond/AFP/Getty Images)
Publicado em 18 de junho de 2024 às 06h00.
Última atualização em 3 de julho de 2024 às 10h55.
O aperto de mão entre Sam Altman, o jovem CEO da OpenAI, e o vice-presidente de IA da Microsoft, Kevin Scott, no palco do Build, o evento anual para desenvolvedores da empresa do Windows, ocorrido no coração do moderno centro de Seattle em maio, confirmou publicamente a continuidade da cooperação entre o gigante e a promissora startup criadora da inteligência artificial (IA) generativa ChatGPT.
Há pouco mais de um ano, o CEO da Microsoft, Satya Nadella, anunciou um investimento de 14 bilhões de dólares na OpenAI, que, na época, estava lançando o poderoso modelo de linguagem GPT-4, que, em termos simples, é o algoritmo que capacita a IA a analisar pedidos em texto, áudio e imagens, e responder de forma escrita, gerando uma nova imagem e até interagindo por uma voz artificial que imita trejeitos humanos.
Era o primeiro grande investimento em uma corrida que visa trazer aos consumidores comuns e também às empresas a melhor, e mais capaz, inteligência artificial, com gigantes e estreantes lançando, em ritmo trimestral, produtos e reformulações das estratégias de negócios para um mercado que atualmente vale 300 bilhões de dólares, numa conta para lá de conservadora.
“A Microsoft ama o ChatGPT.” A frase de Nadella, em outro painel do Build, foi seguida de declarações que mostram uma estratégia ampla de integrar o modelo de linguagem em grande escala (LLM, na sigla em inglês) da OpenAI ao Copilot, serviço-chave da Microsoft que funciona como uma adaptação, ao seu estilo, do ChatGPT. Ele é tido como o catalisador da modernização de serviços tradicionais, como Office, com Word e Excel, e até mesmo o próprio Windows.
Em uma segunda linha, as declarações de “afeto” mostram o início de uma jornada para conquistar os programadores e engenheiros de TI. No Build, o convite foi global, e a empresa recebeu milhares de desenvolvedores vindos de empresas parceiras e clientes de nuvem, com o plano de, literalmente, angariar fãs para seu projeto, ao anunciar investimentos em novas localidades de nuvem para IA na Malásia, Indonésia e Suíça. Somados, os aportes batem a casa dos 10 bilhões de dólares.
Se a empresa for abraçada como preferida para projetos em inteligência artificial, estará à frente de concorrentes como Amazon Web Services, Salesforce e Google Cloud.
Apenas uma semana antes de a Microsoft apresentar seu ambicioso plano, o Google fez uma conferência de novidades de proporções similares. Diretamente da sede em Mountain View, região envolta por parques, rodovias e um intenso trânsito de bicicletas com o logo da companhia, a monumentalidade dos planos das outras empresas ali instaladas é percebida em cada casa e construção, que bebem do dinheiro movimentado pelo Google e seus funcionários.
Para o Google, o espaço foi projetado para as equipes se unirem num ambiente que permite o “trabalho com foco profundo”. E, com a chegada da inteligência artificial generativa, os “googlers” nunca estiveram tão focados: todos os produtos Google receberam ou estão no processo de receber uma ajuda da IA para ficar mais atraentes e funcionais.
Com o Gemini, a Busca — a principal IA da empresa —, o Maps, o Gmail, o Fotos, o Meet e o Docs ganham um chatbot para auxiliar na busca por informações ou na criação de algo novo. No caso da mais famosa barra de pesquisa do mundo, o que se propõe é que a forma tradicional de digitar e receber uma lista de links se torne obsoleta. A resposta vem formulada pela IA e, só então, a lista de links personalizada ao gosto do usuário é oferecida. Como disse Liz Reid, vice-presidente e head de Pesquisa: “O Google fará a ‘googlada’ por você”.
Apesar do grande acervo de aplicativos com IA, o Google adota um perfil menos agressivo do que os rivais. Sua IA está longe de se tornar sinônimo da nova tecnologia, como no passado fez com a busca na internet. Inclusive, a empresa já teve de retirar produtos do ar mesmo indo devagar: a ferramenta de geração de fotos artificiais do Gemini foi interrompida temporariamente depois de criar imagens que representavam nazistas como pessoas negras. Provavelmente na tentativa de ser mais inclusiva — uma regra na “ética da IA” é garantir a diversidade racial —, a IA acabou criando algo incompatível com a realidade histórica.
Mesmo gastando tempo para lançar o produto, o Google acabou com um problema em mãos e teve de pedir desculpas publicamente. Como a tecnologia é nova, erros eram esperados — mas também são um tiro no pé ao considerar que concorrentes muito menores em tamanho operacional, como a própria OpenAI, não passaram por situações assim.
“Queremos ser ousados, mas há momentos em que é preciso fazer uma troca. Acredito que avançamos rapidamente, mas também pensamos no futuro ao tocar projetos como o Astra e o Veo”, disse o CEO do Google, Sunder Pichai, à EXAME. O Astra é um assistente de IA que, através da câmera, vê o contexto em que a pessoa está inserida e responde às perguntas de forma natural. É possível perguntar onde a pessoa esqueceu os óculos ou como resolver aquela fórmula complexa na lousa, por exemplo, só mirando a câmera do celular. Já o Veo é um gerador de vídeos a partir de comandos de texto.
Na paralela dos gigantes, mais de 25 bilhões de dólares foram investidos no ano passado em IAs criadas por startups, como a francesa Mistral e as americanas Claude e Stability AI, que possuem os modelos mais poderosos (veja quadro). Por trás do capital de risco, além de fundos de investimento como SoftBank e Sequoia Capital, que proporcionaram a revolução dos aplicativos “pós-iPhone”, está boa parte dos gigantes que surfaram a última onda.
Caso os planos criados internamente não vinguem, a solução volta para uma prática comum no mundo dos negócios: a aquisição de empresas menores como impulsionadoras da inovação exigida pela corrida. Mas, dado o cenário de terraformação, definir quem é o verdadeiro líder dessa corrida ainda parece difícil para os analistas de mercado.
Ao medir pela valorização em Wall Street, nenhuma das big techs que possuem um chatbot indica estar na frente. Já a americana Nvidia, que desenha os chips e processadores que possibilitam a criação de IA, é a que tem aproveitado melhor a entrada de dinheiro no setor, ainda que distante da disputa por algoritmos. A empresa registrou crescimento de valor de mercado de mais de 300% nos últimos dois anos, e passou, no início de junho, o valor de 3 bilhões de dólares, ultrapassando Microsoft e Apple, justamente por hoje controlar o mercado de fornecimento de chips, com mais de 70% das vendas, podendo escolher com quais clientes colabora.
A última das grandes a aparecer com uma proposta de IA foi a Apple. A empresa de Cupertino apresentou no Worldwide Developers Conference (WWDC), em junho, sua nova linha -“Apple Intelligence”, de produtos e serviços impulsionados por IA.
O plano da Apple revela uma abordagem híbrida para integrar iPhone, iPad e MacBook usando hardware para executar serviços de IA e, em casos em que modelos mais poderosos sejam necessários, os dispositivos recorrerão a serviços na nuvem. Isso deve permitir à Apple manter a privacidade do consumidor para aplicações como texto preditivo, sugestões de digitação e consultas simples. Mas, quando se trata de recursos generativos mais robustos, a empresa trabalhará com o algoritmo do ChatGPT — uma perspectiva interessante que conecta os investimentos da Microsoft na OpenAI com o sucesso dos planos da Apple para a inteligência artificial.
Outro personagem interessado na pole position da melhor IA é Mark Zuckerberg. De imagem pública renovada, menos robótico em suas aparições, adotou um perfil de “CEO acessível” para emplacar seus planos publicamente. No Instagram, publicou fotos praticando jiu-jítsu brasileiro, e até testou produtos de empresas concorrentes, como quando fez uma análise dos óculos de realidade mista da Apple.
Para a inteligência artificial, sua estratégia é reforçar a forma como olhou para os serviços de mensageria e redes sociais na última década: o produto é quem está usando. Assim, apostou em colocar o Llama 3, a IA da Meta, no momento a mais poderosa do mercado, como uma tecnologia gratuita e aberta para qualquer um.
A decisão parte de uma percepção da Meta de controlar seu próprio negócio depois que a Apple decidiu, em 2021, cortar sua capacidade de coletar dados de usuários via aplicativos sem pedir permissão. A empresa experimentou uma queda de mais de 10 bilhões de dólares em receita em 2022 como resultado direto.
Para que a estratégia de distribuição gratuita de IA funcione, a Meta precisa que seus bilhões de usuários utilizem esses serviços gratuitos de IA da mesma forma que migraram para o Facebook, Instagram e WhatsApp. A empresa aposta que a publicidade pode vir mais tarde, como aconteceu no passado. A capacidade da Meta de converter atenção em dólares de publicidade é bem estabelecida, embora as respostas iniciais dos usuários a seus serviços de IA tenham sido mistas.
“Nossa visão não é apenas construir um único assistente de IA, mas também habilitar muitas IAs diferentes em nossos produtos e que possam atender a propósitos diferentes, inclusive para empresas”, disse Zuckerberg, no evento Conversations, que ocorreu em São Paulo.
Uma vantagem de liberar seus modelos Llama gratuitamente é que a Meta pode observar uma comunidade inteira de desenvolvedores de código aberto aprimorando a ferramenta — e, em seguida, integrar essas melhorias. Outra vantagem é que funciona como uma ferramenta de recrutamento para os melhores pesquisadores de IA, muitos dos quais vêm da academia e valorizam a capacidade de continuar publicando seus trabalhos.
Se a Meta tiver sucesso, será capaz de definir seu próprio destino de uma maneira que nunca conseguiu na revolução dos celulares. "Nos dispositivos móveis, a Meta depende de duas empresas — Apple e Google — que controlam os sistemas operacionais dos celulares", afirma Marcio Tabach, analista da consultoria TGT ISG. Há certa dependência entre todos os líderes. Sugerindo que a IA não é assunto de uma empresa só, mas uma criação que, por princípio, precisa de várias mãos.
Por André Lopes, de Seattle, Washington, e Laura Pancini, de Mountain View, Califórnia.