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Líderes das delegações na COP de Belém: mais de 190 países presentes, porém com equipes mais enxutas (Leandro Fonseca /Exame)
Editora ESG
Publicado em 18 de dezembro de 2025 às 06h00.
Última atualização em 18 de dezembro de 2025 às 18h08.
Uma conferência que manteve a cooperação viva, mas deixou aberta a ferida das ambições não atendidas: talvez possa ser resumido assim o legado da COP30.
A cúpula realizada em Belém, pela primeira vez no Brasil e em região amazônica, seguiu o script conhecido, com as dificuldades naturais de buscar consenso e os debates que se arrastam além do prazo oficial.
Prevista para encerrar na sexta-feira 21 de novembro, a COP30 estendeu-se para o sábado 22, também por contingências. Um incêndio na Blue Zone (área para credenciados e reuniões bilaterais), na quinta-feira 20, paralisou as negociações por horas, comprometendo decisivamente o cronograma.
A turbulência se fez presente durante a sessão plenária de encerramento, que começou com duas horas de atraso.
Liderada pelo embaixador André Corrêa do Lago, presidente da conferência, a reunião rapidamente escalou para confronto. Sua tentativa de aprovar em bloco um pacote de propostas — incluindo textos não divulgados — desencadeou uma reação em cadeia.
Fernando Haddad: Círculo de Ministros consolidou 1.200 contribuições para mobilizar 1,3 trilhão de dólares até 2035 (Leandro Fonseca /Exame)
Colômbia, Panamá, Uruguai, Chile, União Europeia e Suíça intervieram imediatamente, formalizando objeções que paralisaram a votação. Sem alternativa, Corrêa do Lago suspendeu os trabalhos por uma hora para consultas emergenciais.
O desfecho? Retomou a plenária e manteve as resoluções. Nada mudou nos documentos, mas tudo mudou na percepção: o Brasil entregou um acordo contestado por países-chave e com lacunas críticas.
O país conseguiu, contudo, algo notável. Manteve mais de 190 nações negociando, recebeu mais de 40.000 participantes e preservou o multilateralismo em meio a um contexto geopolítico que poderia tê-lo destroçado.
Ausências estratégicas e compromissos parciais
Belém recebeu a quarta maior cúpula da história em credenciados. Cerca de 42.600 pessoas passaram pela Blue Zone. O volume ficou aquém das três edições anteriores.
Mas ao incluir a Green Zone, espaço aberto ao público, a movimentação ultrapassou meio milhão de acessos nos 12 dias, sinal do crescente interesse global.
O engajamento dos governos, porém, seguiu uma trajetória oposta. A presença formal caiu ao menor patamar desde 2015. Apenas 190 dos 198 membros da convenção mandaram delegações. Estados Unidos e Argentina não enviaram representantes.
E quem compareceu reduziu drasticamente as equipes. A China diminuiu sua representação em um quarto, a União Europeia cortou quase um terço, assim como o grupo africano. Até a ONU enxugou 40% de seu pessoal.
André Corrêa do Lago e Ana Toni no comando da COP30: multilateralismo preservado em contexto geopolítico difícil (Ediago Quincó/Exame)
Cerca de 118 países entregaram suas NDCs atualizadas para 2035 — pouco mais da metade dos 198 signatários. A União Europeia, tradicionalmente na vanguarda ambiental, chegou à Pré-COP de Brasília em outubro com mera “carta de intenções”, depois que embates entre França, Alemanha, Polônia e Itália travaram as decisões.
Após meses de divergências, a meta europeia de 90% de redução até 2040 só saiu na madrugada de 5 de novembro, cinco dias antes do início. E veio com ressalvas.
O bloco poderá contabilizar até 5 pontos percentuais comprando créditos de carbono, em vez de cortar emissões domesticamente, reduzindo o esforço para 85%.
Inovação brasileira: governança preventiva
Guerras na Ucrânia e no Oriente Médio, ascensão de governos céticos ao multilateralismo, pressões sobre indústrias europeias: o cenário era de tempestade perfeita.
O Brasil apostou, então, em algo inédito ao costurar consenso previamente às duas semanas tradicionais. A estratégia teve como pilares quatro círculos de liderança anunciados em abril de 2025 e consultas antecipadas lançadas meses antes.
Foram desenhados para acelerar a implementação do Acordo de Paris: o Balanço Ético Global, liderado por Lula e António -Guterres, secretário-geral da ONU, promoveu diálogos em diferentes regiões, reunindo lideranças políticas, culturais, indígenas e empresariais.
O de Povos, comandado pela ministra Sônia Guajajara, ampliou a representação de povos indígenas, comunidades tradicionais e afrodescendentes. O de Presidentes, liderado por Laurent -Fabius, reuniu pela primeira vez os chefes das COPs desde Paris 2015.
Pavilhão chinês: filas para brindes com pandas, mas baixo protagonismo da delegação nas salas de negociação (Leandro Fonseca /Exame)
Mas foi o de Ministros de Finanças que se destacou como termômetro diplomático, identificando previamente os limites do politicamente viável. Liderado por Fernando Haddad, o grupo funcionou como mecanismo estratégico para diagnosticar tensões e construir bases para o acordo final.
Desde abril, mais de 25 consultas formais envolveram representantes de 35 ministérios da Fazenda, bancos multilaterais, sociedade civil e organismos internacionais.
Três grupos consultivos consolidaram mais de 1.200 contribuições que resultaram em um relatório com cinco prioridades para ampliar apoio financeiro a países em desenvolvimento, visando mobilizar 1,3 trilhão de dólares anuais até 2035.
Na reta final, Haddad liderou a agenda intensiva. Entre 3 e 5 de novembro, participou de eventos em São Paulo organizados pela Bloomberg, incluindo um encontro com Teresa Ribera, vice-presidente da União Europeia para Transição Limpa. Já em Belém, integrou a Cúpula de Líderes que antecedeu o evento oficial.
Paralelamente, a Presidência brasileira da COP30 lançou consultas especiais sobre as discussões tradicionalmente deixadas para as duas semanas seguintes, mapeando linhas vermelhas intransponíveis.
A iniciativa incluiu sessões online e dois encontros presenciais, um em Nova York, durante a Assembleia da ONU em setembro, e outro em Brasília em outubro.
Combustíveis fósseis ficaram de fora do acordo oficial: o Brasil criará roteiro voluntário para a transição em 2026 (Leandro Fonseca /Exame)
China: tiaras de panda e participação discreta
Entre os pavilhões, o espaço chinês chamava a atenção. Filas se formavam para pegar brindes com pandas e assistir a apresentações de executivos dos gigantes de energia limpa. A movimentação refletia uma aposta comum: com os Estados Unidos ausentes, a potência asiática preencheria o vácuo de liderança.
A realidade nas salas de negociação, contudo, contrariou as expectativas. Maior poluidor planetário e, paradoxalmente, principal fabricante global de tecnologias limpas, a China preferiu manter perfil discreto.
Observadores relataram que o país concentrou esforços na defesa de seus interesses comerciais, atacando com veemência o CBAM europeu, mecanismo que cobra taxa sobre carbono embutido em importações, que classificou como barreira protecionista disfarçada.
No financiamento, manteve-se inflexível na posição de nação em desenvolvimento, e portanto não doadora, como já havia feito na COP29, em Baku, no Azerbaijão.
A postura explica a recusa em participar do Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF), sob o argumento de que apenas nações desenvolvidas deveriam aportar recursos, decepcionando a diplomacia brasileira.
“Um dos princípios para a China é o de responsabilidades comuns, porém diferenciadas, de que os países desenvolvidos têm responsabilidade histórica com o aquecimento global muito maior”, explica Cláudia Trevisan, diretora-executiva do Conselho Empresarial Brasil-China.
Por fim, a NDC chinesa para 2035 propõe cortar entre 7% e 10% das emissões, um patamar bastante modesto para quem domina a cadeia da transição energética. E no tema mais polêmico, o de combustíveis fósseis, a delegação optou pelo silêncio.
Para analistas, não há contradição, mas um cálculo tático. O país aposta que sua influência virá mais da inundação de mercados com produtos verdes do que de compromissos firmados em plenárias da ONU.
O que ficou (e o que sumiu)
A COP30 aprovou por consenso 29 decisões reunidas no Pacote Belém, tendo como peça central a Decisão do Mutirão Global.
Entre os principais pontos estão o compromisso de triplicar o financiamento para adaptação na próxima década, estabelecendo meta de 120 bilhões de dólares anuais — valor considerado insuficiente por países mais vulneráveis; e a criação do Mecanismo de Transição Justa, para garantir que a economia verde não deixe trabalhadores, mulheres e povos indígenas para trás.
O Brasil ainda teve êxito com o TFFF, ao captar 6,5 bilhões de dólares, incluindo 1 bilhão de euros da Alemanha, com adesão de outros 69 países. As omissões, porém, falaram mais alto.
“A principal frustração foi a ausência de mapas claros para a transição dos combustíveis fósseis e o fim do desmatamento até 2030”, resumiram observadores.
Mais de 80 países defenderam incluir o tema, vetado por produtores de petróleo como Arábia Saudita e Rússia. O bloqueio deixa de fora os responsáveis por três quartos das emissões globais.
A solução encontrada por -Corrêa do Lago foi criar iniciativas paralelas, fora da agenda da ONU. O diplomata anunciou que liderará em 2026 dois planos voluntários: um roteiro para travar o desmatamento e outro para promover a transição energética.
CEO da COP30, Ana Toni defendeu a estratégia. “O progresso reside nas ações, não apenas nos marcos legais. Os países estão adotando energias renováveis, com investimentos superando os em fósseis. Desenvolveremos um roteiro e apresentaremos relatório até a COP31”, afirma.
O desfecho reflete um padrão consolidado de acordos celebrados por uns, contestados por outros e a sensação de que a urgência segue descompassada do ritmo multilateral. Formalmente, houve resultado. Ainda que na prática, objeções comprometam a legitimidade.
“A decisão do mutirão fica aquém da crise que vivemos”, alertou Natalie Unterstell, do Instituto Talanoa. “Não há resposta para o problema central: a falta de alinhamento com 1,5 °C”.
Cientistas como Carlos Nobre e Johan Rockström, que lideraram pela primeira vez um pavilhão científico em uma COP, foram ainda mais duros: “Não há como driblar o aumento da temperatura sem acabar com fósseis até 2040. Não cumprir isso empurrará o mundo para uma perigosa mudança em 5 a 10 anos”.
Resta saber se as promessas ao longo de 2026 compensarão o que ficou de fora. Na primeira semana de dezembro, já após o encerramento, o presidente Lula anunciou por decreto o mapa do caminho para combustíveis fósseis.
Na ocasião, Ana Toni celebrou: “Temos a oportunidade de transformar urgência em unidade e unidade em ação”. A expectativa se desloca para a Turquia, onde a COP31 terá a tarefa de enfrentar, de forma inadiável, o debate sobre fósseis - desta vez sem espaço para adiamentos.