Revista Exame

A Classe C quer falar inglês

Os maiores grupos de ensino de idiomas do país investem para atender a nova clientela emergente. As táticas vão desde a criação de marcas até a oferta de módulos mais rápidos e baratos

Escola da Entry, em Diadema, na Grande São Paulo: metade do preço dos cursos oferecidos pela Cultura Inglesa (Lela Beltrão/EXAME)

Escola da Entry, em Diadema, na Grande São Paulo: metade do preço dos cursos oferecidos pela Cultura Inglesa (Lela Beltrão/EXAME)

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Da Redação

Publicado em 23 de abril de 2014 às 20h00.

São Paulo - Os moradores do bairro de Parada de Taipas, na zona norte de São Paulo, notaram um movimento novo em uma de suas principais avenidas desde janeiro. Num pequeno prédio cuja fachada destoa das construções simples da vizinhança, 300 alunos se revezam em turmas de segunda a sábado na mais nova franquia da escola de idiomas CNA.

A escola tem apenas quatro salas de aula, metade da média das demais unidades. Além da diferença no porte, há um contraste na mensalidade. Os estudantes pagam, em média, 150 reais por mês — 60% em relação ao restante da rede. Nos últimos dois anos, 311 escolas compactas como essa foram abertas. É mais que o triplo das 91 inauguradas nos moldes tradicionais no mesmo período.

Boa parte delas está em bairros da periferia de cidades como São Paulo e Rio de Janeiro. Ir mais longe e cobrar menos faz parte de um esforço para atender um público emergente. “A classe C é fundamental para a expansão da marca”, diz Décio Pecin, presidente da CNA, que faturou 775 milhões de reais em 2013, quase 30% mais em relação ao ano anterior. 

Assim como a CNA, todos os principais grupos de ensino de idiomas entraram numa corrida para atender um novo perfil de aluno. De acordo com um estudo da empresa de pesquisa Data Popular realizado em dezembro, 11% dos entrevistados — de uma amostra total de 2 500 brasileiros com mais de 16 anos — pretendem se matricular num curso de idiomas neste ano.

Metade deles pertence à classe C. A maioria esmagadora — 87% — afirma ter a intenção de se matricular num curso de inglês. A demanda se reflete de maneira bem concreta nos resultados das escolas. Segundo a Associação Brasileira de Franchising, o setor faturou 4,8 bilhões de reais em 2013, 47% mais do que no ano anterior. 

Uma série de fatores explica o crescimento. O primeiro deles é o enorme mercado potencial de um país em que quase ninguém fala uma segunda língua — realidade que o técnico de futebol Joel Santana personificou de maneira eloquente ao dirigir a seleção sul-africana. E há sinais claros de que, com o aumento do poder de consumo no país, a educação avança no bolso dos brasilei­ros.

Segundo a Data Popular,  a classe C já é responsável por 42% dos gastos totais com educação no Brasil. Além do aumento de renda, outro fator que contribui é a queda de natalidade entre as famílias de menor renda. Na década de 80, elas tinham, em média, 4,4 filhos.

Em 2010, dado mais recente, o índice caiu para 1,7 filho por família. “O sonho de pagar um colégio particular ainda está distante da maioria. Mas um curso de inglês para complementar a formação do filho pode caber no orçamento”, diz Mario Matos, diretor da consultoria Plano CDE, especializada na população de baixa renda.

Microfranquias

Hoje, mais da metade das escolas da CNA, dona de uma das estratégias mais agressivas para a classe C, já faz parte do modelo compacto. O dado chama a atenção quando se considera que esse formato surgiu há apenas dois anos, enquanto a primeira escola da rede foi aberta em 1973, pelo empresário Luiz Gama, em São Paulo.

A tendência é que a importância da classe C aumente nos próximos anos. Em 2014, a CNA pretende abrir 70 unidades menores, mais do que o dobro das inaugurações do formato tradicional. A rede também se prepara para lançar um novo modelo de escola com infraestrutura e preço ainda mais reduzido.


São as microfranquias, com apenas duas salas de aula e mensalidade abaixo de 100 reais. “Criamos sobretudo para crescer na Região Nordeste”, diz Pecin, da CNA. Outra empresa a seguir esse caminho é a Fisk, com faturamento de 900 milhões de reais em 2013 e 894 escolas espalhadas pelo país.

A rede também montou escolas pequenas na periferia de grandes cidades, nas quais oferece menos opções de horário e professores. Desse modo, pode repassar a economia para a mensalidade dos alunos. Estudar na Fisk no bairro paulistano do Morumbi custa, em média, 250 reais mensais. Na unidade do Jardim Ângela, periferia de São Paulo, inaugurada em agosto de 2013, sai por apenas 150 reais.

Para falar diretamente com a classe C, algumas redes decidiram fazer mudanças mais profundas. É o caso do Grupo Multi, controlado pelo britânico Pearson e dono de uma rede com cerca de 2 000 escolas com marcas como Wizard e Yázigi. Em 2007, a empresa comprou a rede paulista Skill, dedicada ao público da classe C.

Atual­mente com mais de 200 unidades, já é a terceira maior marca do grupo, atrás apenas da Wizard e da Yázigi. Manter a marca separada não foi uma decisão casual. Quase nada na Skill funciona como na Wizard. As diferenças vão além do preço e da localização. A mais notória é a duração do curso.

Na Skill, o aluno pode ir do nível básico ao avançado em três anos. Na Wizard, a mesma trajetória leva o dobro do tempo. Na Entry, segunda marca da Cultura Inglesa de São Paulo, um aluno iniciante chega ainda mais rapidamente ao nível avançado — em apenas dois anos.

Na Cultura Inglesa é necessário dedicar mais do que o dobro do tempo e pagar duas vezes mais. “Esse novo aluno precisa do inglês para ontem, até porque ele começa o curso entre 16 e 24 anos, quando em geral já está atrás do primeiro emprego”, diz Anamaria Pelegrini, principal executiva de operações da Entry.

A mágica de redução do tempo para formar alunos se explica pela diferença do conteúdo dos cursos. A maioria deles eliminou parte do ensino de gramática para focar a conversação. Foi o que fez a Abril Educação, do Grupo Abril, que publica EXAME. A empresa possui quatro marcas de ensino de línguas. Uma delas, a YouMove, criada em 2010 e já com 80 unidades, dedica-se à classe C.

As aulas giram em torno de situações práticas, como uma conversa telefônica. A Englishtown, maior escola virtual de inglês do mundo, criou no fim de 2013 o módulo Smart Start (algo como “começo inteligente”), que só existe no Brasil e tem a intenção de oferecer noções básicas de inglês.

Por 89 reais mensais, o curso promete levar o aluno até o nível intermediário em seis meses. Dos 100 000 alunos que estão no Brasil, quase 2 000 já se inscreveram no programa de ensino expresso. A projeção de crescimento é de 100% neste ano.

O modelo de marcas dedicadas permite especialização mais apurada. Por outro lado, exige esforço redobrado pa­ra torná-las conhecidas. Para redes como a CNA, que tem uma única marca, a tarefa é mais simples. Em janeiro, a em­presa pagou 7 milhões de reais ao Santos para estampá-la no uniforme dos jogadores. É a primeira vez que patrocina um time de expressão nacional.

Para tanto, concentrou o investimento realizado até então na compra de espaço publicitário em estádios. Até agora, a maior parte das empresas com marcas dedicadas à classe C concentra a atenção em promoções locais, como oferecer descontos a alunos de escolas de ensino básico ou médio da região.

Franqueados da rede Skill, do grupo Multi, são orientados a fazer acordos desse tipo com pelo menos três escolas próximas à nova unidade antes da inauguração. Outra tática é instalar as escolas nas principais avenidas dos bairros.

“A maioria dos alunos mora num raio de 3 quilômetros”, diz Anamaria, da Entry. O Brasil ainda será um país essencialmente monoglota por décadas — mas, felizmente, começamos a avançar.

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