Revista Exame

A Apple na linha cruzada: empresa tenta flutuar acima do tumulto geopolítico

Por muito tempo, a empresa pareceu alheia à tensão entre os EUA e a China; ao que tudo indica, o período de paz acabou

Durante anos a Apple pareceu alheia à tensão entre a China e os Estados Unidos. Ao que tudo indica, o período de paz acabou (Christina Lee/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

Durante anos a Apple pareceu alheia à tensão entre a China e os Estados Unidos. Ao que tudo indica, o período de paz acabou (Christina Lee/BLOOMBERG BUSINESSWEEK)

Bloomberg Businessweek
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Publicado em 25 de janeiro de 2024 às 06h00.

Nenhuma empresa americana de tecnologia apostou tão fortemente como a Apple na interdependência econômica entre China e Estados Unidos. A Apple precisa de trabalhadores chineses para fabricar seus iPhones e de consumidores chineses para comprá-los. Isso parece tornar a deterioração da relação entre as duas superpotências globais particularmente perigosa para a empresa e para o seu CEO, Tim Cook, responsável pela decisão da Apple de terceirizar a produção para a China muito antes de assumir de Steve Jobs a posição de topo em 2011.

Mas, até recentemente, a guerra comercial entre EUA e China, que começou durante a presidência de Donald Trump e se intensificou durante a gestão de Joe Biden, pouco conseguiu desacelerar a empresa. Claro, Biden lançou uma campanha agressiva para impedir a China de desenvolver semicondutores avançados e chamou o presidente chinês Xi Jinping de “ditador”, e Xi prosseguiu com uma estratégia para limitar a dependência da China da tecnologia fabricada no Ocidente — mas nada disso parecia importar.

A Apple registrou cerca de 73 bilhões de dólares em receitas na região que chama de Grande China — que inclui suas operações em Taiwan e Hong Kong — em 2023, acima dos 32 bilhões de dólares em 2014. Os negócios desaceleraram na China em 2023, mas não tão rapidamente como em outros lugares. Cerca de 19% da receita da Apple veio do país no ano fiscal encerrado em setembro, um pouco acima de 2022.

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Embora a empresa tenha flutuado acima do tumulto geopolítico, a ­Apple entra em 2024 correndo o risco de ser arrastada para ele. Isso seria um mau presságio para outras empresas americanas que enfrentam uma crescente pressão de Pequim, sob a forma de  regulamentações e de concorrência revigorada de empresas nacionais que os decisores políticos chineses há muito procuram impulsionar.

Em setembro, agências governamentais chinesas em algumas cidades disseram aos funcionários que não podiam mais levar seus telefones Apple para o trabalho, como parte de um plano maior para manter o iPhone­ fora dos escritórios estatais. Em dezembro, várias empresas apoiadas pelo Estado e departamentos governamentais, em pelo menos oito províncias, tinham instruído seus funcionários a utilizarem aparelhos fabricados por marcas locais, um grande avanço na campanha, informou a Bloomberg News. As autoridades chinesas responderam ao relatório inicial sobre as novas restrições observando que o país não proibiu os telefones fabricados pela Apple ou outras empresas estrangeiras, mas também se referiram indiretamente a “incidentes de segurança relativos aos telefones da Apple”.

Tim Cook, CEO da Apple: liderança em meio a escrutínio crescente do governo chinês (Leandro Fonseca/Exame)

A Casa Branca descreveu as restrições de setembro como “retaliação agressiva e inadequada”. Cook pareceu minimizar o relatório em uma entrevista à CBS News, observando que não viu nenhuma mudança oficial na política.

Os usuários chineses de smartphones poderiam ter ignorado a proibição se não fosse por um segundo fator: os avanços tecnológicos das empresas chinesas. A China vem tentando expulsar a Apple do mercado doméstico de smartphones há mais de uma década, geralmente sem sucesso, diz James Lewis, ex-diplomata dos Estados Unidos que hoje é vice-presidente sênior do Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais. “O que mudou é que existem alguns telefones chineses muito bons”, diz ele.

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Em agosto, a Huawei Technologies anunciou um aparelho que é comparável a um iPhone 15 Pro Max topo de linha. O novo dispositivo, o Mate 60 Pro, representa um retorno para a Huawei, que ultrapassou brevemente a Apple nas vendas de smartphones em 2019, antes de ser excluída do mercado de telefones de última geração. Trump instituiu controles de exportação em 2020, proibindo a Huawei de adquirir chips avançados de fornecedores globais, incluindo a Taiwan Semiconductor Manufacturing (TSMC), líder do setor. Essas restrições fizeram com que a Huawei ficasse sem chips de última geração e sua participação no mercado despencasse em 2021 e 2022.

O Mate 60 Pro não usa chip TSMC. Ao contrário, funciona com um fabricado pela Semiconductor Manufacturing International Corp. (SMIC), empresa apoiada pelo Estado com sede em Xangai. Em 2020, os melhores chips da SMIC baseavam-se em um processo de 14 nanômetros — o que os tornava anos atrasados em relação aos mais modernos. (Em chips, uma medição mais baixa significa um processador mais rápido e eficiente; os telefones Apple mais poderosos usam chips de 3 nanômetros.) Agora a SMIC é capaz de fabricar chips usando um processo de 7 nanômetros, uma tecnologia quase de última geração que a coloca um pouco mais próxima da paridade com os processos usados ​​pela Apple.

A participação de mercado da Huawei no segmento de telefones topo de linha já disparou, de 11% em 2022 para 24% durante o terceiro trimestre de 2023, segundo a empresa de pesquisas IDC. O sucesso do novo telefone levou a IDC a reduzir sua previsão para as vendas da Apple na China em 2024, diz Nabila Popal, diretora de pesquisa da empresa. “O sucesso da Huawei tem um impacto mais significativo no crescimento da Apple na China”, diz ela.

Fábrica da Apple na China: concorrência acirrada de celulares locais (VCG/Getty Images)

A Apple ainda tem uma enorme base de fãs na China, e em dezembro havia longas filas na loja principal da empresa em Pequim, enquanto os compradores esperavam para adquirir seus novos iPhones. A Apple tem procurado reiterar seu compromisso com o país, salientando que sua cadeia de abastecimento emprega cerca de 5 milhões de pessoas na China. Durante uma visita a Pequim em março, Cook fez um discurso elogiando a relação “simbiótica” da Apple com a China.

Nos bastidores, porém, Cook parece estar tentando se proteger em meio à retórica cada vez mais hostil entre China e Estados Unidos e às preocupações acerca dos perigos de concentração da cadeia de abastecimento levantadas pelas restrições da covid-19, bem como pelos violentos protestos em uma fábrica de iPhone no final de 2022. A Apple intensificou seus esforços para transferir parte da produção para a Índia e o Sudeste Asiático. Fornecedores como o Grupo Foxconn Technology, de Taiwan, e o Grupo Tata, da Índia, estão expandindo ou planejando novas fábricas na Índia, onde a Apple também está ansiosa para vender mais aparelhos.

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A diversificação da cadeia de abastecimento parece, pelo menos em parte, uma sensata tentativa de reduzir a exposição da Apple a adversas reações geopolíticas. Mas pode provocar o efeito oposto. A Apple é um importante empregador na China, e a repressão do governo aos iPhones pode ser vista como um alerta sobre a transferência de empregos para fora do país. Em novembro, a principal executiva da Apple na China, Isabel Ge Mahe, ofereceu o que parecia ser uma resposta: uma rara entrevista à mídia estatal em que elogiou os fabricantes chineses por desempenharem um papel crítico na cadeia de abastecimento da empresa.

Se sua entrevista foi concebida para acalmar as tensões, pode não ter sido suficiente. Novas restrições às empresas apoiadas pelo Estado surgiram no mês seguinte, ameaçando isolar a Apple de cerca de 80 milhões de pessoas que trabalham em empresas pertencentes ao governo — no momento em que os concorrentes chineses oferecem alternativas cada vez mais confiáveis ao mesmo grupo. “Os telefones da Apple ainda são os melhores do mercado”, diz Lewis. “Mas todos os anos a margem aperta.”

Max Chafkin, da Bloomberg Businessweek Com Yuan Gao, Jane Lanhee Lee e Debby Wu.

Tradução de Anna Maria Dalle Luche

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