Revista Exame

A Unimed tem 112 000 sócios e um problemão

Gigante e caótica, a Unimed precisa ser administrada como uma empresa única para enfrentar a concorrência. Difícil é convencer 360 cooperativas e 112 000 médicos disso

Eudes Aquino, presidente da Unimed: ele quer transformar tudo numa coisa só (Germano Lüders/EXAME.com)

Eudes Aquino, presidente da Unimed: ele quer transformar tudo numa coisa só (Germano Lüders/EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 15 de abril de 2013 às 06h00.

São Paulo - O Grupo Unimed, maior operador de planos de saúde do país, tem duas faces bem distintas. A primeira é a de um conglomerado de sucesso, que faturou 33 bilhões de reais no ano passado e é líder no mercado privado: atende 40% de toda a clientela do setor. É dono de 111 hospitais e milhares de centros de atendimento, e sua marca é conhecida nacionalmente.

Mas esse gigantismo todo cobra seu preço, e essa é a outra face da Unimed. Sua estrutura de gestão é bizantina: são 360 cooperativas em todo o país, comparáveis a subsidiárias numa empresa comum. Só que as “subsidiárias” são geridas de maneira autônoma, controladas pelos 112 000 médicos cooperados da Unimed no país. Para complicar ainda mais, existem 34 cooperativas regionais, que fazem o meio de campo entre as subsidiárias e a Unimed nacional.

É um pesadelo gerencial com poucos paralelos na economia brasileira. Os dirigentes da Unimed são escolhidos em disputadas campanhas eleitorais para conquistar o voto dos médicos. Tanta burocracia, obviamente, tem um custo: a rentabilidade da Unimed é menor que a média do setor. No ano passado, a Unimed lucrou 660 milhões de reais, ou 2% da receita. É pouco mais que o lucro da Bradesco Saúde, que fatura um terço.

Tentar melhorar os resultados desfazendo esse emaranhado é a missão que se impôs o nefrologista Eudes Aquino, que está em seu segundo mandato à frente da Unimed Brasil. Há dois anos, Aquino contratou a consultoria Deloitte para desenhar uma reorganização. Embora não declare abertamente — temendo uma reação indignada dos médicos —, o objetivo de Aquino é transformar a Unimed em uma empresa única, com uma estrutura semelhante à de seus principais concorrentes.

Mais organizada, a empresa conseguiria aumentar sua margem de lucro e até abrir seu capital na bolsa. Mas, para isso, Aquino terá de enfrentar um desafio clássico de reformas em grande escala. Os ganhos de uma eventual reorganização da Unimed são difusos e difíceis de ser calculados.

É muito complexo estimar quanto a Unimed valeria na bolsa, pelas características únicas da companhia. Mas, considerando outras aquisições do setor, analistas estimam que a companhia poderia valer algo em torno de 20 bilhões de reais — na teoria, cada um dos médicos poderia se transformar em acionista de uma empresa aberta valiosa. Mais eficiente, a Unimed também poderia fazer mais investimentos, construir hospitais de primeira linha e dar melhores condições de trabalho a seus cooperados.

O problema é que, enquanto os benefícios potenciais são grandes, mas incertos, as perdas em uma reestruturação são evidentes. A Unimed surgiu em 1967 como uma nova frente de trabalho para milhares de médicos brasileiros. Até então, eles tinham basicamente duas opções de carreira: as clínicas particulares ou o serviço público. A Unimed oferecia remuneração e condições de trabalho melhores que os hospitais públicos, sem o risco de atuar por conta própria. Deu tão certo que virou uma das maiores cooperativas do mundo, com 112 000 médicos. Todos eles temem perder dinheiro ou poder em eventuais mudanças, o que justifica seu pé atrás.

Disputas de poder 

Mas o maior entrave é político. Em sua estrutura atual, a Unimed tem centenas, milhares de polos de poder: cada uma das 360 regionais tem presidentes e diretores. “As cooperativas têm autonomia absoluta. Para unir as operações, é necessário um trabalho de convencimento com seus dirigentes”, diz Aquino. O presidente da Federação Unimed do Rio de Janeiro, Euclides Carpi, já tentou negociar a redução do número de cooperativas no estado de 20 para sete, mas não conseguiu. “Muitos dirigentes do interior temem perder poder, influência, em sua região”, diz ele. Executivos de bancos que já participaram de projetos na Unimed acham “impossível” chegar a um consenso que inclua todas as cooperativas. 


Por tudo isso, o processo avança muito lentamente. Aquino começou a negociação pelos estados, tentando reduzir o número de cooperativas regionais. A intenção é que cada estado tenha só uma federação. Em Minas Gerais, há uma federação e cinco Unimed subordinadas a ela que representam regiões estaduais. Abaixo estão 61 cooperativas. Há poucas experiências bem-sucedidas de racionalização. A Unimed de Belo Horizonte incorporou outras quatro cooperativas da região metropolitana. Aparentemente, deu certo. Seus lucros são muito melhores que a média.

Com faturamento de 2,3 bilhões de reais, lucrou 120 milhões de reais no ano passado, ou 5% da receita. Isso depois de distribuir 45 milhões de reais aos mais de 5 000 cooperados como participação no resultado. É uma diferença gritante em relação à lucratividade média das regionais, que não ultrapassa 2%. “A cada incorporação, cortamos gastos com contabilidade, estrutura regulatória e sistemas”, diz o presidente da Unimed BH, Helton Freitas.

Como tem fôlego financeiro, a Unimed BH pôde praticamente dobrar o valor pago por consulta aos cooperados de cidades como Betim. A iniciativa mineira mostra que a única forma de diminuir a influência dos burocratas é mostrar que, no fim das contas, quem mais tem a ganhar com as mudanças são os médicos — que, por sua vez, elegem os burocratas. “Não faz sentido ter 360 departamentos jurídicos, contábeis e atuariais”, afirma Aquino.

No Paraná, a federação centraliza a compra de materiais de alto custo, como próteses ou medicamentos oncológicos, e é responsável pelo sistema de informática nas 22 cooperativas. Com economia de 50%, a central de compras começará a servir também os estados de Santa Catarina e Rio Grande do Sul.  

São raros os casos de reestruturações de cooperativas, como a que Aquino tenta fazer na Unimed. O caso mais conhecido é da Copersucar, maior exportadora de açúcar e álcool brasileira, que transformou em empresa uma estrutura cooperativa existente há 50 anos. As 42 usinas criaram, em 2008, uma sociedade anônima. Os usineiros tornaram-se acionistas da empresa, responsável apenas pela comercialização dos produtos. A cooperativa continua existindo. As participações acionárias foram calculadas de acordo com a produção de cada uma. A Copersucar pretende abrir o capital. 

A ofensiva para que a Unimed se pareça mais com uma empresa do que com uma confederação sindical tem como pano de fundo um momento de rápida mudança no mercado de saúde privada no país. A forte regulação contribuiu para extinguir, em 12 anos, 1 500 operadoras de saúde. Mais concentrado, o mercado agora terá um concorrente internacional de peso.

A United Health, maior empresa americana de benefícios de saúde, pagou, em outubro, 10 bilhões de reais pelo controle da Amil. Para a Unimed, com a estrutura atual, vai ser difícil enfrentar as crescentes exigências regulatórias e uma competição acirrada com concorrentes capitalizados. O plano está pronto. Só falta combinar com mais de 100 000 médicos.

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