Raphael Montes, autor do livro "Uma Família Feliz" e da série "Bom Dia, Verônica" (Divulgação/Divulgação)
Repórter
Publicado em 7 de setembro de 2024 às 12h00.
Última atualização em 24 de janeiro de 2025 às 13h14.
Com 12 anos de carreira na literatura, Raphael Montes provou seu domínio na arte de criar história perturbadoras e personagens cativantes. O escritor e roteirista desembarca em São Paulo neste fim de semana para participar da 27ª Bienal Internacional do Livro como uma das principais atrações desta feira.
O carioca de 33 anos é uma das figuras em ascensão na literatura contemporânea, conhecido por obras de suspense policial que conquistaram o público e incentivaram sua entrada no cinema e no streaming.
Raphael Montes começou a sacudir o universo da ficção em 2012, quando lançou seu primeiro livro "Suicidas", num período em que os suspenses policiais não eram tão populares no Brasil. Desde então, publicou mais sete romances e se consolidou entre os autores mais lidos do país, sempre explorando tramas criminais.
Na TV, Raphael trabalhou como roteirista em séries como "Romance Policial – Espinosa", do GNT, e "Bom Dia, Verônica", da Netflix. Ele também escreveu roteiros de filmes, como a trilogia "A Menina que Matou os Pais", que retrata os crimes de Suzane von Richthofen e os irmãos Cravinhos, exibida no Prime Video.
As criações de Raphael Montes ajudaram a dar um "gás" no gênero de suspense policial no Brasil, que se beneficia do crescente interesse por títulos locais.
Em abril, o escritor celebrou a estreia de "Uma Família Feliz" nos cinemas brasileiros, que marcou um novo capítulo em sua carreira. Além de escrever o livro que inspirou o filme — lançado cerca de um mês antes —, Montes também foi roteirista e diretor-assistente na produção cinematográfica.
Bienal do Livro de SP: saiba tudo sobre o evento para se divertir ao máximo - e evitar perrenguesEm entrevista à EXAME, Raphael Montes comenta sobre seus recentes trabalhos na literatura, inspirações e curiosidades de sua vida que não estão nas páginas dos livros. Confira a seguir:
Eu fui uma criança criada em uma casa com poucos livros. Meus pais nunca gostaram de ler. Minha tia-avó foi a responsável por me introduzir à leitura, quando me presenteou com o primeiro livro que li na vida, "Um Estudo em Vermelho", de Sir Arthur Conan Doyle, a primeira aventura de Sherlock Homes. A partir disso, eu comecei a mergulhar em vários livros desse autor, além de outros famosos do gênero policial como Agatha Christi e Sidney Sheldon. Também comecei a devorar muitos misterios da literatura juvenil brasileira, de autores como Pedro Bandeira.
Com certeza! Eu comecei a escrever minhas primeiras histórias aos 10 anos de idade, nos cadernos escolares. Também tinha o costume de contá-las para os meus amigos e colegas de turma. Na época eu já me sentia a própria Sherazade de "As Mil e Uma Noites", por instigar os leitores com surpresas e viradas ao longo da história. A paixão pela leitura e a vontade de escrever surgiram justamente no gênero policial. Comecei a escrever contos nesse universo. Às vezes eu penso que se eu tivesse começado a gostar de ler por meio do gênero fantasia ou ficção científica, talvez eu seria um escritor diferente hoje.
Eu lembro que quando comecei a escrever literatura policial, muitos editores me desmotivaram, porque insistiam: "A literatura brasileira contemporânea não vende e o gênero policial não é a melhor opção". Mas a verdade é que naquele momento eu estava ingressando em um nicho que nenhum escritor estava investindo. Também não havia espaço para esse tipo de literatura nas feiras e nas gôndolas das livrarias.
Existe um movimento forte de valorização da literatura brasileira contemporânea. Eu testemunho isso desde o início da minha carreira. A meu ver, essa onda foi puxada pelos booktubers, booktokers e pessoas que fazem resenhas de livros nas redes sociais. Claro que os livreiros e os eventos do setor tiveram grande relevância para essa virada. Mas, é necessário reconhecer que os influenciadores digitais contribuíram para que as pessoas enxergassem o valor da literatura brasileira contemporânea.
Meus livros cresceram muito também no boca-a-boca, bem no momento em que as pessoas estão reconhecendo que a literatura brasileira pode ser profunda, poética, provocadora e muito gostosa para consumir. As pessoas estão dando mais chance para os autores contemporâneos. Elas pararam para pensar que não faz sentido dedicar mais atenção às narrativas estrangeiras e não olhar para aquelas que falam da nossa cultura e do nosso país. Vários gêneros estão sendo beneficiados. Na lista de autores mais vendidos, destacam-se importantes nomes como Carla Madeira e Thalita Rebouças.
Basta olhar para a composição da Bienal do Livro deste ano, que está direcionando os autores brasileiros às arenas principais. Anos atrás, e até na minha infância, esses espaços de prestígio eram reservados apenas para autores estrangeiros, que atraíam os compradores de ingressos. Agora, testemunhamos o movimento inverso.
A literatura funciona com elementos muito específicos. O gênero policial trabalha com a violência, enquanto terror usa o medo. Já a ficção científica se agarra às distopias para criar uma realidade paralela. Em qualquer cenário, é possível fazer um debate sobre a realidade. Os aspectos sociais, críticos e políticos da literatura de gênero começaram a ficar mais evidentes para o público no cinema.
Se pensarmos, por exemplo, em "Corra" [filme do diretor Jordan Peele], há abordagem do racismo de uma maneira tão profunda que, talvez, um longa político e realista sobre esse tema não teria o mesmo alcance. Já a série "The Handmaid's Tale" [criada pela escritora Margaret Atwood], que começou como um livro, descreve uma realidade distópica a partir do machismo.
Quando eu começo a contar uma história de violência, suspense ou crime para os leitores, tenho que pensar: essa ação é crime em que sociedade? para os brasileiros, quem é a vítima e o criminoso? na vida real, quem é punido? como a justiça funciona? faz diferença ser rico ou pobre, branco ou preto, hétero ou gay, homem e mulher? Todos os esses fatores determinam as minhas narrativas.
Eu acho que na literatura, é possível criar um vínculo emocional com quem está lendo e criar discussão sobre assuntos que são muito pertinentes, provocativos e muito contemporâneos. É algo que eu busco de propósito. Em "Uma Família Feliz", meu livro mais recente, trago um debate sobre as pressões sociais da maternidade e o papel da mulher numa sociedade de aparências. Há críticas também a respeito da cultura do cancelamento e de uma classe média alta que se compara à elite. Nas três temporadas de "Bom Dia, Verônica", a discussão gira em torno da violência contra a mulher. "Jantar Secreto" é um livro absolutamente social e político, com uma história muito forte.
É algo bem curioso. Na verdade, eu escrevi primeiro o roteiro para o filme e após as filmagens foi feita uma adaptação. Quando o longa estava em produção, eu tive a ideia de escrever o livro abordando aspectos e possibilidades que normalmente o cinema não mostra. Foi a primeira vez em que eu fiz o contrário. Honestamente, o processo foi delicioso, porque após escrever tantas escalas para o audiovisual, respeitando as limitações sobre o que vai ou não para as telas, no livro foi possível encontrar mais liberdade. É um lugar onde a critividade é ilimitada e posso descrever as complexidades dos personagens, entrar na cabeça deles. Para mim, a parte engraçada de fazer uma adaptação da literatura para o cinema é que, mesmo que esses mundos sejam diferentes, eles podem ser complementares.
A série "Dias Perfeitos" já está pronta e será lançada no próximo ano. Mas, ainda não foi definida a data que a produção vai entrar no catálogo do Globoplay. "Beleza Fatal" também é outro projeto muito importante para mim. É a primeira novela do Max, que vai estrear em janeiro de 2025. Ela conta com todos os elementos de melodrama, com romance e conflitos. Além de segredos de família. Como a obra foi escrita por mim, também terá humor ácido, suspense, momentos de virada e muitos plot twists para deixar a história mais ágil. Gosto de considerá-la um híbrido, porque é uma novela com elementos de série.
A primeira dificuldade que um escritor enfrenta é conseguir ser publicado. Quando comecei foi muito difícil entrar no mercado literário, levei muitos "nãos". Depois que se entra nesse setor e começa a publicar, o problema é chegar no leitor. Foi uma barreira que eu levei alguns anos para superar.
Hoje, acredito que outro grande desafio para quem quer ser escritor é estar sempre atento ao que acontece no mundo, que está sempre em transformação, porque sempre chega uma nova tecnologia ou uma nova tendência cultural. Mas, diante de tudo isso, é necessário manter a sua integridade narrativa. É muito fácil se deixar levar por "ondas" ou pelo que você acha que vai dar certo. Acho que o maior teste é se manter fiel a quem você é.
Essa fórmula deu certo para mim. Costumo ouvir das pessoas que meus livros tiraram elas da ressaca literária ou devolveram o prazer pela leitura. Na verdade, aprendi a criar histórias que são muito engajantes, com muitas viradas. Quero sempre pegar o leitor pela mão e levá-lo comigo em minhas aventuras.