Cena de "Sex And The City". (HBO/Reprodução)
Mariana Martucci
Publicado em 24 de janeiro de 2022 às 17h45.
Última atualização em 28 de janeiro de 2022 às 18h52.
Que a série Billions, protagonizada pelo polêmico investidor Bobby Axelrod, é um sucesso no mercado financeiro, ninguém tinha dúvidas. Mas que uma de suas cenas, ficcional, claro, conseguiria derrubar o valor de mercado de uma companhia era uma fato pouco esperado. Foi o que aconteceu com a Peloton, empresa americana fabricante de equipamentos para ginástica.
A Peloton fabrica bicicletas hiperconectadas e foi durante muito tempo uma estrela do mercado de ações. Os últimos 12 meses, porém, foram uma sucessão de problemas com notícias de que a demanda por seus produtos estava abaixo do previsto. A confirmação veio na quinta-feira passada, quando o site CNBC divulgou que a empresa ia parar de fabricar por pelo menos seis semanas alguns produtos — e muito mais para outros, como o Bike+, mais caro, que não será produzido antes de junho.
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Após a divulgação das informações, as ações da Peloton caíram mais de 28% apenas na tarde de quinta-feira, minando todos os ganhos da Peloton desde março de 2020. A queda representa uma virada dramática na trajetória de sorte do gigante de fitness interativo. As ações já caíram mais de 70% nos últimos três meses, e a avaliação mais baixa da empresa na quinta-feira, de US$ 23,98, ficou abaixo do preço da empresa na oferta pública inicial de US$ 29, feita em 2019.
As ações da companhia atingiram máximas de mercado durante a pandemia, quando muitas academias foram fechadas e as pessoas começaram a se exercitar em casa. O valor de mercado da Peloton atingiu um pico histórico de US$ 49,3 bilhões em dezembro de 2020, mas desde então teve uma queda expressiva, para cerca de US$ 8,5 bilhões em janeiro de 2022.
O rápido aumento na demanda pelos produtos da empresa em 2020 levou-a a aumentar sua velocidade de fornecimento e produção e passou a adquirir um novo espaço de produção no valor de US$ 400 milhões.
No entanto, a fadiga da pandemia e a reabertura trouxeram o problema oposto: oferta abundante, mas baixa demanda. Acrescente a isso a atual crise da cadeia de suprimentos e os prazos de entrega notoriamente lentos que estão afastando muitos compradores em potencial.
Em maio, a empresa retirou sua linha de esteiras do mercado após dezenas de reclamações de lesões e até a morte de uma criança. Em novembro, a empresa também teve de recolher os pedais de cerca de 27.000 bicicletas depois que surgiram ainda mais reclamações de lesões, cinco das quais exigiram pontos ou outros cuidados médicos.
Tudo piorou quando a empresa foi incluída no reboot de Sex And The City, [ALERTA SPOILER!] em uma cena em que o personagem Mr. Big, interpretado por Chris Noth, sofre um ataque cardíaco fatal enquanto usava sua bicicleta Peloton no primeiro episódio da série no mês passado. Após a estreia do piloto, as ações da empresa — que já acumulavam severas quedas — acumularam mais de 11% de desvalorização só naquela noite.
Na ocasião, a empresa se pronunciou a respeito. Em nota, Suzanne Steinbaum, conselheira da Peloton, disse que o personagem tinha “um estilo de vida extravagante”. “Essas escolhas de estilo de vida e talvez até mesmo sua história familiar, que muitas vezes é um fator significativo, foram a causa provável de sua morte. Andar em sua bicicleta Peloton pode até ter ajudado a retardar seu evento cardíaco”, afirmou.
A resposta da Peloton não parou aí. No domingo, três dias depois do episódio da série ir ao ar, a empresa lançou uma propaganda de Natal estrelada pelo ator Chris Noth, o mesmo que faz Mr. Big. "E desse jeito... ele está vivo", diz a legenda da campanha, postada no Instagram da companhia.
A trama se complicou na sexta-feira, quando um teaser da sexta temporada de Billions mostrou que um dos personagens principais sofria um ataque cardíaco em cima de uma Peloton. Wagner, interpretado pelo ator David Costabile, se recuperou após seu ataque cardíaco. Mas o golpe nas ações foi duro.
A Peloton chegou a afirmar em um comunicado no Twitter que não concordou com o uso de sua marca ou propriedade intelectual no programa e não forneceu nenhum equipamento para o episódio. A companhia já havia afirmado ao site Insider que, embora estivesse ciente de que sua bicicleta seria usada no reboot de Sex and the City, não estava ciente do que aconteceria na cena.
Já a série Emily em Paris, também da Netflix, abordou o tema de uma forma diferente — e satirizada. Com um ar irônico, a segunda temporada da série mostra a protagonista da série animada com um novo cliente em potencial, a Pelotech, que é desconsiderada e recusada — embora com amor — pela chefe francesa de Emily, Sylvie. Em uma cena, Sylvie sente repulsa pela bicicleta ergométrica e seu representante de vendas muito americano e ultra-fitness e se recusa a representar a marca, alegando que a Pelotech não é luxo suficiente para sua empresa.
Embora nem Sex In The City nem Emily em Paris mostrem a bicicleta de forma agradável, Emily em Paris evita a reação por um simples ajuste no nome da marca, mudando Peloton para Pelotech. Não há dúvida de qual marca americana de “luxo” está sendo mencionada na segunda temporada, mas Emily em Paris deixa espaço suficiente para a ironia ser feita.
A companhia divulgará seu primeiro relatório trimestral no dia 8 de fevereiro, com analistas de Wall Street apreensivos com o modelo de negócios digital da empresa — que pode, temem os mais alarmistas, não sobreviver após essa avalanche de acontecimentos.