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Sem chefes ou metas, Vagas é premiada por gurus de gestão

Modelo de gestão da empresa brasileira foi considerado exemplar por pensadores como Gary Hamel. Companhia cresce, em média, 25% ao ano


	Mário Kaphan, da Vagas: "não temos metas, queremos formas de fazer melhor”
 (Fabiano Accorsi)

Mário Kaphan, da Vagas: "não temos metas, queremos formas de fazer melhor” (Fabiano Accorsi)

Luísa Melo

Luísa Melo

Publicado em 23 de junho de 2014 às 14h44.

São Paulo - É sem cargos, chefes, metas e mesmo orçamento que a empresa de tecnologia Vagas administra uma cartela de 2.400 clientes e um crescimento médio anual de 25%.A companhia acredita que abrir mão da hierarquia é o melhor instrumento para conseguir compartilhar valores com a sua equipe, e não está sozinha.

No mês passado, a brasileira convenceu um time de especialistas internacionais – entre eles o guru Gary Hamel – de que sua estrutura horizontal é um exemplo a ser seguido. Ela foi uma das sete vencedoras do prêmio M-Prize, concedido pela The Management Innovation eXchange (MIX), um projeto que reúne pensadores para “reinventar a gestão no século 21”.

Na Vagas, os funcionários não têm cargos definidos, mas funções. Também não existe relação de mando e todas as decisões, desde as contratações até o valor dos salários e o plano estratégico da empresa, são tomadas em consenso entre a equipe.

“Mas não é uma democracia, não é por voto. Todos têm que concordar ou, no máximo, consentir. Isso significa que alguém, mesmo achando que tem uma solução melhor, pode acreditar que outra ideia tem potencial e se engajar nela”, explica Mário Kaphan, fundador da companhia.

Ele diz que, para que o modelo funcione, os empregados precisam constantemente se desapegar de suas propostas. “As pessoas estão lá para serem convencidas e não para vencer a discussão”.

Quando não se consegue chegar a um acordo, o debate é postergado e as ideias são amadurecidas e, depois, colocadas em cheque novamente. Dessa forma, a impressão que fica é de que todas as resoluções na empresa levam uma eternidade para acontecer. Mas, a realidade não é bem assim, segundo Kaphan.

“Uma pessoa pode chegar em consenso por si só. Ela pode tomar uma decisão sozinha, pressupondo que o restante da empresa irá concordar. Desde que ela saiba que aquele julgamento pode ser reversível e esteja aberta a uma controvérsia posteriormente, não há problema”, diz.

De acordo com ele, cabe a cada funcionário resolver se toma uma atitude sozinho ou se convoca o time para partilhar a questão, dependendo do quanto ele acredita que aquela ação irá expor a empresa. “Dentro dessa dinâmica, é muito raro que a gente tenha uma decisão postergada por falta de consenso”, garante.

Para Kaphan, apesar de mais complexo, esse processo de despacho acaba sendo mais rápido na Vagas do quem em organizações com estrutura tradicional.

 “É claro que um gestor pode acertar em dois minutos algo que, debatido em grupo, leva-se meia hora. Mas em uma hierarquia, essa decisão tem que entrar em uma fila até chegar à presidência para aprovação. Aqui não tem essa espera. Uma vez que há consenso, já está resolvido, porque todos estão engajados”.

A estrutura

Há cinco anos, a empresa, que foi fundada há 15, é organizada sob o ponto de vista do consenso. Atualmente, os 160 empregados são distribuídos entre 26 equipes funcionais (como recursos humanos, finanças e pesquisa e desenvolvimento) e oito comitês.

Os comitês são temporários e criados em acordo entre toda a empresa sempre que há a necessidade de que as equipes atuem de forma multifuncional (como no planejamento de segurança da informação, por exemplo).

O número de comitês que existirá em cada ano é definido em conjunto durante o planejamento estratégico que, por sua vez, também é estruturado de forma colaborativa.

Tudo começa com uma discussão entre a companhia inteira, numa reunião que acontece em novembro.  Na ocasião, cada um pode opinar sobre quais objetivos quer que a companhia siga no ano seguinte.

O debate continua na intranet até que, em janeiro, por meio de uma enquete, 16 pessoas com visão estratégica são escolhidas em uma enquete para escolher quais serão os direcionadore para aquele ano. É o grupo que assume o comitê de gestão para o período.

Em 2014, foram definidos oito direcionadores e por isso há oito comitês. Para decidir quais empregados assumem esses comitês, é realizada uma grande reunião à qual todos podem se candidatar. Este ano, houve cerca de 15 candidatos para um deles, que deve ter 6 cadeiras fixas. Entre si, por meio de consenso, os próprios interessados decidiram quem ocuparia as Vagas.


Como funciona

A cada 15 dias, integrantes das equipes e comitês se reúnem para, “com um olhar estratégico em empreendedor, analisar indicadores que medem a evolução de seus propósitos e inventar formas de fazer melhor”, segundo Kaphan.

“É um esquema de planejamento feito para se adaptar a mudanças de contexto naturalmente, porque evolui ou volta atrás a cada quinzena”, defende.

Há ainda encontros bimestrais entre os comitês para que cada um apresente seus resultados para o período. Essa reunião dura cerca de duas horas e tem a agenda aberta para toda a empresa.

Além disso, todas as equipes e comissões, além das cadeiras fixas, têm posições Vagas que podem ser ocupadas por qualquer funcionário que queira contribuir apenas com um determinado projeto ou decisão.

Sem metas e sem orçamento

O lema da Vagas é extrair os melhores resultados de cada área da empresa, sem estipular metas. Lá, não existe um ponto a ser atingido nem mesmo para o setor comercial.

Nesse caso, o indicador de sucesso é a evolução das vendas e ele é analisado a cada uma das reuniões quinzenais, para que os integrantes da equipe consigam enxergar oportunidades de melhoria. Após esse “raio x”, é decidido, em consenso, se há necessidade de repensar alguma prática ou fazer um novo investimento.

“Não saímos dizendo ‘vamos vender x’, mas sim ‘vamos vender mais porque essa parece ser a melhor forma de crescer’. E na próxima reunião comemora-se ou muda-se aquela resolução”, exemplifica Kaphan. Isso acontece para todas as equipes e comitês.  

Além disso, ao contrário do que acontece na maioria das empresas, a Vagas não trabalha com um orçamento anual pré-definido.  A quantia de dinheiro disponível para investimento para cada equipe e comitê é decidida no dia a dia, nas reuniões quinzenais.

Se, nesses encontros, é tomada alguma decisão que envolve recursos financeiros, um projeto é elaborado e um orçamento é aberto para ele.  A partir daí, a proposta segue para o comitê de gestão, que decide se ela será entra em prática ou não.

Por regra, funcionários do financeiro não precisam ser envolvidos nas deliberações de outras equipes e comitês. Mas eles podem ser convidados a ocupar cadeiras vazias quando os projetos são muito grandes.  “Isso envolve a responsabilidade das pessoas de entenderem o tamanho de suas decisões e se precisam ou não de ajuda”, diz Kaphan.

Decidindo salários

Apesar de não serem organizados em cargos, os funcionários da Vagas têm salários “absolutamente diferentes” e que variam em função da sua contribuição para a empresa.

Desde o começo deste ano, a companhia usa uma metodologia de remuneração colaborativa. Ela funciona de modo parecido com o feedback 360 graus. Para ter o salário definido, cada empregado se autoavalia e é analisado por toda a sua equipe e por qualquer outra pessoa que se interesse.

A avaliação passa por quatro pontos. O primeiro é o conhecimento do profissional quanto ao negócio da Vagas, dos projetos comuns de toda empresa. Em seguida, vem o foco nos resultados, ou seja, o quanto ele contribuiu para a melhoria dos indicadores da sua área.

Depois, é analisada a vivência da cultura da empresa (é observado o quanto ele participa das decisões em consenso e se toma iniciativa de abrir controvérsias nesses processos, seja por meio de conversas informais ou ocupando cadeiras vazias nas equipes e comitês. Também é avaliado o quanto ele consegue desapegar de uma ideia própria quando alguém a coloca em cheque). Por último, são avaliadas as competências técnicas do funcionário.

Essas “entrevistas” são comandadas pela equipe de recursos humanos, por meio de um software na intranet. Em seguida, as análises são encaminhadas para o comitê de remuneração, para que ele contribua.

“O objetivo é que a remuneração seja justa internamente e ao mesmo tempo seja adequada em relação ao mercado”, afirma Kaphan. Para isso, a empresa contratou uma consultoria externa para estimar o salário de cada trabalhador em paralelo com outras companhias. “Foi muito difícil. Como não há cargos, eles tiveram que perguntar para cada pessoa o que ela fazia ali”.

Todos os empregados da Vagas têm os salários definido nesse processo, exceto Mário Kaphan e seu sócio. Apesar de também serem avaliados, eles recebem de acordo com a distribuição de lucros, já que são os donos da companhia.  

Mesmo sendo o fundador da empresa e participando de grande parte das decisões, Kaphan não tem o título de presidente da organização.

 “Não sou CEO e não tenho voz de mando. Na prática, sou um abridor de controvérsia. Meu papel é ir às reuniões para discutir e não definir como as coisas devem ser feitas. Tenho o maior prazer em ser vencido em uma discussão”, afirma.

E daqui pra frente?

Kaphan não tem medo do que vem por aí. Se a média de crescimento da Vagas se mantiver, ela dobrará de tamanho em apenas quatro anos.  “Estamos muito confiantes de que, com os processos estruturados, nossa estrutura funcionará para até 500 funcionários. Mas não estamos preocupados com isso”, diz.

Ele diz que desapego é palavra de ordem em todas as decisões da empresa e que ela vale inclusive para a gestão.“Continuaremos em reinvenção. Mas, aqui, cada um é livre para tomar decisões ou para pedir ajuda para tomá-las.  Assim, os empregados podem viver os seus valores (e não os da empresa) no ambiente profissional. Na hora em que existir um nível de hierarquia que tem poder de delegar, essa vivência compartilhada é quebrada”, afirma.

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