Petrobras (Germano Lüders/Exame)
Denyse Godoy
Publicado em 8 de julho de 2019 às 11h27.
Última atualização em 8 de julho de 2019 às 12h12.
São Paulo — Desde a explosão do escândalo da Lava Jato em 2014, a Petrobras luta para melhorar sua governança. Mas uma leva de episódios mostra que mudar a forma de fazer negócios na maior empresa do Brasil pode ser mais difícil do que criar cargos e manuais.
Após o fechamento do mercado na sexta-feira, 5, a estatal informou que Rafael Mendes Gomes, diretor executivo de Governança e Conformidade pediu renúncia do cargo por “razões pessoais”. A companhia informou que iniciará um processo seletivo para escolha do novo diretor, e que o atual diretor de Assuntos Corporativos, Eberaldo de Almeida Neto, acumulará o cargo interinamente.
A mudança reforça as dificuldades da empresa em um departamento fundamental para mostrar que deixou para trás as formas pouco ortodoxas de se fazer negócios que, no limite, levaram ao maior escândalo de corrupção da história do Brasil. A diretoria de governança e conformidade foi criada em 2015 e ganhou, em 2017, o reforço de um diretor adjunto para dar conta da alta demanda de trabalho. A área de compliance da companhia tinha, à época, 300 pessoas.
Rafael Mendes Gomes ficou pouco mais de um ano na diretoria de Governança e Conformidade. Integrava também um comitê especial criado em 2014 para atuar como interlocutor das investigações independentes relativas à Lava-Jato. Antes da Petrobras, Gomes foi vice-presidente de compliance no Walmart Brasil e era sócio do escritório Chediak Advogados, responsável pela área de Compliance e Investigação.
O departamento de conformidade esteve no centro de polêmicas antes. O antecessor de Gomes, João Adalberto Elek Junior, chegou a ser afastado temporariamente do cargo em 2017 após denúncia de conflito de interesse. Em 2015, Elek Junior contratou sem licitação por 25 milhões de reais a Deloitte para prestar serviços de consultoria e auditoria para a Petrobras. Naquele momento, sua filha disputava uma vaga de trabalho na mesma empresa. Elek Junior foi reconduzido após a Comissão de Ética Pública da Presidência da República julgar a suspeita improcedente, mas não teve o seu contrato renovado no vencimento, em abril do ano passado.
Segundo EXAME apurou, o departamento de conformidade da estatal está há meses em rota de colisão com a Ouvidoria, chefiada por Mario Spinelli, que está no cargo desde janeiro de 2016. De 2013 a 2015, Spinelli foi controlador-geral do município de São Paulo e, de 2015 a 2016, foi controlador-geral do estado de Minas Gerais. O ouvidor-geral vem defendendo regras de controle mais rígidas, mas, entre os funcionários do compliance, sobram dúvidas sobre como construir o código de normas. Fontes próximas à empresa dizem que as diretrizes do compliance não estão claras e que os colaboradores ficam com medo de tomar decisões.
A licitação de um serviço de canal de denúncias externo e independente, essencial no esforço de mudança da companhia, é simbólica das dificuldades da mudança de postura. A licitação está sendo questionada na Justiça, conforme revela a última edição de EXAME. O primeiro contrato para o serviço foi assinado em 2015 com a Contato Seguro, de Porto Alegre. Em 2018, a Petrobras abriu nova licitação, explicando que a plataforma contratada tinha limitações. A Contato Seguro não entrou no certame, e a licitação foi cancelada por falta de documentos dos participantes.
No começo de 2019, um novo edital foi aberto. A vencedora foi a ICTS Protiviti, filial brasileira de um grupo americano que atua em 25 países, com uma oferta de 1,6 milhão de reais por 24 meses, o menor preço entre os concorrentes. Porém, a petroleira a desclassificou, alegando o não cumprimento dos requisitos do serviço. A Contato Seguro, que havia dado um lance muito maior, de 3,6 milhões de reais dessa vez, acabou selecionada. Em junho, a Justiça determinou a suspensão da licitação por considerar o trâmite “estranho”. O caso está sob análise do Tribunal de Contas da União. A Contato Seguro diz que a petroleira achou três inconformidades na proposta da ICTS Protiviti. A Petrobras diz que adota medidas para se defender.
Debate realizado em junho pelo Guia EXAME de Compliance mostra como é difícil transformar as regras de conduta dentro de organizações, especialmente em empresas de grande porte. A mudança cultural pode levar de cinco a sete anos, segundo especialistas.
A percepção de que o esforço de compliance não é um gasto e sim um investimento da empresa – que, ao evitar o envolvimento em atividades ilícitas, preserva a sua integridade – ajuda a transformar os manuais em atitudes concretas, segundo Humberto Mota Filho, advogado do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e presidente do Conselho Empresarial de Governança e Compliance da ACRJ. “O compliance fortalece a empresa para que dure em um mundo que cada vez mais cobra posturas éticas”, disse Mota Filho.
Desde janeiro a Petrobras é comandada por Roberto Castello Branco, nomeado pelo presidente Jair Bolsonaro para o cargo. Entre suas missões no cargo estão a abertura do mercado de óleo e gás à competição, com o fim de subsídios e monopólios. A competição tende a ser um incentivo a mais para a estatal atuar dentro das melhores práticas internacionais em exploração, em distribuição, em remuneração e — espera-se — também em conformidade.