Temer cede a Coca-Cola e outras 59 fabricantes e abre mão de R$ 700 mi
Decreto muda a cobrança de imposto sobre o xarope de refrigerante de 60 empresas e desfaz medida adotada após a greve dos caminhoneiros
Mariana Desidério
Publicado em 28 de setembro de 2018 às 11h04.
Última atualização em 28 de setembro de 2018 às 12h51.
São Paulo – A Coca-Cola e outras fabricantes de refrigerantes acabam de vencer uma batalha importante na guerra com o governo federal criada após a greve dos caminhoneiros. O presidente Michel Temer publicou hoje um decreto que muda a cobrança de imposto sobre o xarope de refrigerante e, na prática, diminui a carga tributária sobre essas empresas.
A disputa tem origem na greve dos caminhoneiros. Para ajudar a pagar o desconto no preço do diesel, o governo Temer mudou a cobrança de IPI sobre o xarope de refrigerante. A mudança na regra foi a seguinte: o xarope de refrigerante passou a pagar uma alíquota de 4% de IPI, ante os 20% que eram cobrados anteriormente. Aparentemente, portanto, é uma redução no imposto.
Porém, muitas companhias do setor, em especial as grandes, produzem esse xarope na Zona Franca de Manaus, com isenção de tributos. Então, os 20% de IPI que seriam cobrados dessas companhias na verdade tornavam-se créditos para elas.
O tema gerou pressão das grandes empresas sobre o governo, e chegou a circular a notícia de que a Coca-Cola ameaçava sair do país. Em entrevista a EXAME na época, a companhia negou.
Com o decreto de hoje, Temer cede às companhias, diminuindo a arrecadação com bebidas açucaradas. O produto tem sido o foco de grupos preocupados com o aumento da obesidade no mundo todo. Aumentar os impostos é justamente uma das medidas sugeridas pela Organização Mundial da Saúde para reduzir e prevenir a obesidade e doenças relacionadas.
Tubaínas vs. Coca-Cola
A decisão do presidente desagradou os pequenos fabricantes de bebidas, que se reuniram com Temer ainda essa semana para falar sobre o tema. Em nota, a Afrebras (Associação dos Fabricantes de Refrigerantes do Brasil) afirma que o crédito recebido pelas companhias instaladas na Zona Franca de Manaus “produz um diferencial de concorrência no setor capaz de penalizar os pequenos fabricantes”.
“Não é a primeira vez que assistimos as gigantes do setor de bebidas influenciarem diretamente políticas tributárias que penalizam todo o setor. Temer promoveu equilíbrio tributário e concorrencial que o nosso setor, extremamente concentrado, precisava. Mas voltou atrás para beneficiar apenas duas empresas, as gigantes Coca-Cola e Ambev”, diz o presidente da Afrebras, Fernando Rodrigues de Bairros, no comunicado.
A associação ressalta que, com as novas alíquotas, o impacto negativo na arrecadação será de R$ 708 milhões, valor que não está previsto na Lei Orçamentária em tramitação no Congresso.
As grandes fabricantes de refrigerantes defendem-se dizendo que criam postos de trabalho na Zona Franca de Manaus. A Abir (Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e Bebidas Não Alcoólicas), entidade que reúne 60 fabricantes, dentre elas Coca-Cola, Pepsi e Ambev, afirma que há hoje 31 fabricantes de concentrados na região, responsáveis por 14 mil postos de trabalho.
A entidade diz ainda que o “regime de compensações tributárias da Zona Franca de Manaus, reconhecidamente bem sucedido como modelo de desenvolvimento regional, está disponível para empresas de todos os portes”. Segundo a associação, 90% do concentrado utilizado pelas indústrias brasileiras de refrigerantes vem da região.
EXAME procurou a Abir e a Coca-Cola para comentarem o decreto publicado hoje.
Em nota, a Abir afirmou que "reconhece a medida como uma tentativa do Governo Federal de amenizar parcialmente o grande impacto suportado pelo setor desde a inesperada e abrupta mudança de alíquota, de 20% para 4%". A entidade ressalta que a carga tributária do setor no Brasil é a maior da América Latina e considera que as novas alíquotas "demonstram uma decisão de bom senso".