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'Se nada fizerem, não haverá indústria automotiva', diz presidente da ABVE
Adalberto Maluf explica o que falta para o Brasil se alinhar às principais economias no mercado automotivo. Ele defende incentivo à demanda doméstica de carros elétricos e metas ambientais compatíveis ao resto do mundo
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Maluf, da presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico: Brasil tem reservas de minérios raros e poderia ser protagonista na fabricação de baterias para carros elétricos (BYD/Divulgação)
Publicado em 23 de maio de 2021 às, 10h40.
Última atualização em 23 de maio de 2021 às, 19h47.
É evidente o atraso do mercado brasileiro em relação a elétricos e híbridos: enquanto carros movidos só a bateria – o que exclui o Toyota Corolla Hybrid, por exemplo – representaram só 0,3% das vendas no ano passado aqui, na Europa, foram cerca de 20% dos emplacamentos. Só que o cenário é alarmante para o futuro.
“O Brasil poderia ser protagonista no contexto global dos carros elétricos. No Mercosul, há a maior reserva de lítio do mundo e, no Brasil, temos minérios raros para a construção de baterias e componentes eletrônicos”, diz Adalberto Maluf, presidente da Associação Brasileira do Veículo Elétrico (ABVE). "Quando as empresas construírem plataformas globais na cadeia automotiva de elétricos, não adianta o Brasil tentar se inserir, porque já será carta fora do baralho."
Leia abaixo a entrevista completa de Maluf, que também é diretor de marketing e sustentabilidade da BYD, fabricante chinesa de carros elétricos.
Como está o cenário de veículos elétricos no Brasil em comparação ao restante do mundo?
Nunca se vendeu tantos híbridos, mas, nos elétricos, o Brasil ainda está bem desconectado do mundo. No ano passado, tivemos recorde, com aumento de 66% na venda de eletrificados e chegamos a 1% da frota brasileira. Só que, se comparar com resto do mundo, vemos que a Noruega tem 80% da frota e a Alemanha tem 20%, assim como é a média do restante da Europa. No mundo, está 5%.
Eles consideram só elétricos e híbridos plug-in [que permitem o carregamento por tomada], que, aqui, ainda estão com 0,3% do total. Então, a gente compara o mundo com 4,6% da frota e percebe que realmente estamos muito desconectados. Perdemos para a Colômbia, que é um mercado dez vezes menor que o nosso e vendeu 50% mais carros elétricos, e para a Costa Rica, que é 100 vezes menor e vendeu quase o mesmo que a gente, com 622 veículos, contra 801 totalmente elétricos no Brasil.
Um relatório da International Energy Agency (IEA) prevê que 60% dos carros vendidos serão elétricos em 2030. Para 2035, a expectativa é que 50% dos caminhões sejam elétricos. Já a Empresa de Pesquisa Energética (EPE) – órgão vinculado ao Ministério de Minas e Energia – estima que 10% a 15% da frota brasileira será elétrica em 2050. Existe uma diferença muito grande entre o planejamento brasileiro e do mundo. E nós estamos na contramão.
E o que explica esse atraso?
Somos o único país entre as grandes economias que sobretaxa a eletrificação, porque um carro elétrico chega a pagar duas vezes mais Imposto sobre os Produtos Industrializados (IPI) que um veículo flex. Só que 70% das pessoas com carros bicombustíveis abastece com gasolina, então nem é um incentivo ao uso do biocombustível. Porque o etanol é limpo e deveria pagar o mesmo que o elétrico.
Ano passado foi muito emblemático para esse segmento, porque, segundo previsões da Bloomberg, o mercado de elétricos deveria ter caído 18%, para 1,7 milhão de vendas em todo mundo. Mas, o que vimos na prática, foi o crescimento de 43% em todo o mundo, com mais de 3 milhões de vendas. Então, existe um descompasso muito grande do planejamento da indústria do futuro que a gente vê por aqui e o que acontece com o restante do mundo.
No mercado europeu, os elétricos representavam 3% das vendas do mercado no primeiro trimestre de 2020 e já saltou para 17%, na média, no mesmo período de 2021. E, neste ano, as vendas devem superar os 25%. Isso mostra com muita clareza que o Brasil está ficando para trás.
No ano passado, quatro fábricas do setor automotivo fecharam no Brasil. Como o senhor analisa a situação do setor no país?
Na ABVE, estamos muito preocupados com a sobrevivência do parque industrial brasileiro. A Ford, por exemplo, saiu por falta de visão do futuro, como ficou subentendido no comunicado da empresa. No Brasil, a população compra carro flex, mas abastece com gasolina. Ou seja, nem aproveitamos as vantagens do etanol. Que chance a gente tem de brigar por escala e produtividade?
Costumo citar a Europa porque a maior parte dos fabricantes instalados aqui têm matrizes por lá. Como temos acordo de livre comércio, em oito anos, não haverá impostos entre Mercosul e Europa. Mas eles estão fazendo a transformação da indústria em alta velocidade. No caso da Alemanha, foram 20 bilhões de euros no setor automotivo, enquanto a França investiu 100 bilhões de euros para renovação do parque industrial. Em relação à proibição, a Noruega definiu para 2025, enquanto outros países já anunciaram o fim dos carros a combustão para 2030 a 2040.
A Europa saiu de 589 mil unidades vendidas em 2020 para 1,39 milhão este ano. Com isso, superou a China, que teve 1,33 milhões de carros elétricos vendidos no ano passado. É um mercado que está se revolucionando e caminhando muito rápido.
O senhor acha que a indústria automotiva brasileira pode desaparecer quando o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia começar a valer?
Se nada for feito para mudar na questão tributária e o acordo de livre comércio avançar como dizem, não haverá indústria automotiva. Seremos exportadores de produtos agrícolas e minério de ferro. Na pauta de exportação, o agronegócio domina. Já fomos um importante exportador de manufaturados, mas perdemos o posto. É possível reverter? Talvez. Mas, sem incentivos e sem planos, não vejo futuro.
Sem demanda, não há indústria. Então, primeiro temos que criar essa demanda e que, inicialmente, será importada. Caso haja demanda, dependerá do governo, porque aí temos que saber se aumentarão as barreiras para importação. Não adianta o governo dizer para investir e fazer fábricas para acabar com a distorção tributária, porque ninguém investe para fazer investimentos onde não há mercado.
De alguma forma, a crise econômica serviu de argumento para o retrocesso da indústria?
O que parte da indústria fez para convencer o ex-presidente Michel Temer, em 2018, a rasgar metade do programa Rota 2030 (de estímulo ao setor com redução de impostos e geração de créditos fiscais)? ‘Olha, já que estamos em crise, não vamos forçar muitas coisas e assim a gente mantém os empregos. Quem sabe as fábricas sobrevivem’.
Os fabricantes também vinham sofrendo pressão dos governos em outros países e sabiam que teriam que investir trilhões de dólares nas matrizes. Então, tentaram ao máximo postergar os investimentos em mercados secundários para aplicar em China, EUA e Europa.
Mas os carros elétricos são viáveis para a realidade brasileira?
Infelizmente, o Brasil ainda paga mais imposto no elétrico que combustão. Isso deve fazer com que o país fique atrasado em relação à paridade da compra dos elétricos, como a Bloomberg estima para 2027 na Europa. Pelo menos enquanto o governo federal não garantir isonomia ao elétrico, que não deve pagar menos, como até acho justo, mas o mesmo que os carros flex.
No caso dos carros híbridos, o Rota 2030 até melhorou a tributação para alguns modelos, mas outros tiveram IPI que passou de 11% para 13%. Se o Brasil quer fazer a transição para indústria do futuro, tem que criar mercado. Então, o primeiro passo é isonomia, porque não faz sentido cobrar mais pelo veículo elétrico que pelos carros a combustão.
Híbridos e elétricos fazem sentido no Brasil se existe etanol?
Bicombustível é muito importante no Brasil, principalmente para veículos leves. Metade dos veículos híbridos vendidos por aqui têm motor flex e achamos que existe um nicho importante para transformação da indústria. Mas, nos veículos pesados, não é possível e, no máximo, é viável o biodiesel. Então, não temos alternativas claras nesta categoria.
O que vejo é que o mundo está migrando muito rápido para a eletromobilidade. Nos EUA, o próprio presidente Joe Biden anunciou um plano de infraestrutura por 2,3 trilhões de dólares, sendo 621 bilhões em transporte elétrico; 561 bilhões para moradias sustentáveis e energia renovável; e 480 bilhões para pesquisa e desenvolvimento da nova indústria. Com esse anúncio, considerando também o 14º plano de desenvolvimento da China, que tem metas muito ambiciosas para carros elétricos e prevê 20% do mercado em 2025, enquanto hoje varia de 8% a 10%, corremos o risco de apostar em tecnologias do século passado.
Aliás, nosso regime é do século passado: cobramos impostos pelo tamanho do motor e nenhum outro lugar do mundo faz isso. Não faz sentido isso. O Brasil sobretaxa o elétrico movido a bateria, que recebe investimento no mundo inteiro, e subsidia o carro 1.0 flex, que, em 70% das vezes, circula abastecido com gasolina.
Mas qual deveria ser a estratégia de desenvolvimento aqui?
No Brasil, não há incentivo e achamos que a indústria fará por conta própria. É uma visão ignorante achar que a indústria vai crescer assim. O crescimento só vem quando o governo se envolve para fazer a transição. No caso de iPhone, iPod e iPad, por exemplo, temos a tela sensível ao toque, o GPS, microprocessador, memória RAM e internet, todos desenvolvidos por departamentos do governo norte-americano.
A estratégia dos norte-americanos é colocar dinheiro no setor privado e selecionar o que dá certo. Com a Tesla, o Departamento de Energia de lá fez um empréstimo de 465 milhões de dólares com taxas de juros baixas e pagamento em longo prazo. Aliás, se fala que a empresa recebeu 2 bilhões de dólares em subsídios no início das operações. Então, é inocência achar do governo achar que a indústria vai inovar baixando barreiras de importação.
E qual deveria ser o papel do governo nesse caso?
O governo tem papel importante como norteador e financiados de novas tecnologias. Mas olha só como o discurso por aqui é equivocado. O Carlos da Costa, que era para ser ministro da Indústria, mas até tirou indústria do cargo e é secretário especial de Produtividade, Emprego e Competitividade, fala que a indústria é subsidiada, vive de mamata e defende ‘jogar todo mundo na cova dos leões e que sobreviva quem é mais forte’. Como a indústria brasileira consegue competir se não existe uma coordenação nacional financiando essa transformação?
Atualmente, a agenda é de abertura comercial, mas isso não resolve os gargalos que já existem. Um exemplo: 95% dos recursos previstos no ano passado pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), que eram de aproximadamente 5,2 bilhões de reais, foi contingenciado.
Estamos no momento de maior desindustrialização da história, com indústria da transformação caindo de 35% do Produto Interno Bruto (PIB) para 9%. E só 0,2% dos empregos na indústria estão nas áreas altamente tecnológicas, como na Embraer, por exemplo. O Brasil vive o desenvolvimentismo inconsciente, porque, mesmo quando tivemos governos alinhados, não tivemos políticas e instrumentos corretos para cumprir a agenda proposta.
Quando os ex-presidentes Lula e Dilma Rousseff criaram barreiras para veículos importados e para a instalação de novas fábricas, bastou Michel Temer chegar ao poder para acabar com tudo em dois anos. No caso da Mercedes-Benz, por exemplo, a linha de produção durou pouco tempo e temos que levar em consideração que ninguém investe em uma fábrica para fechar logo depois.
Até que ponto o segmento de carros elétricos depende de incentivos para existir?
Os subsídios de todo mercado de elétricos no mundo caíram de 20% a 10% em 2020. Foram 120 bilhões de dólares de valor de vendas para 14 bilhões de subsídios. Só que a maior parte não é subsídio, realmente, e sim incentivo à compra de veículos, no qual o governo devolve uma parte dos impostos do elétrico.
Isso é muito mais política industrial e de incentivo à indústria de baixo carbono. No ano passado, os subsídios já caíram pela metade e, em poucos anos, provavelmente já nem precise desse incentivo, porque a tecnologia vem crescendo tanto que ganha dimensão. Mas, no início, o Brasil precisa dessa ferramenta porque todos os países fazem isso no início da indústria. Aqui, não é permitido por conta das questões fiscais. Por isso, queremos isonomia. Queremos pagar mesmo que outras categorias.
E o que explica o fenômeno de elétricos e híbridos serem mais vendidos aqui com modelos mais caros?
O programa Rota 2030 deu um pouco de incentivo aos híbridos, então, os veículos de luxo não têm a distorção tributária em relação a modelos a combustão. Enquanto um Porsche Cayenne híbrido paga 18% de IPI, modelos a combustão normalmente pagam 18% ou 25%, por exemplo. Já nos carros de entrada, os veículos elétricos puros param 14% de IPI, enquanto carros com motor 1.0 flex não pagam IPI no caso de táxis e têm taxação de 7% para o público comum.
O fato de não haver a distorção no luxo fez a tecnologia ficar mais competitiva, já que, nos elétricos mais baratos, há um desafio porque pagam mais impostos que opções a combustão. No caso de frotistas, não há cobrança de IPI para carros a combustão, mas, com elétricos, a taxa é de 14%, o que pode elevar o valor final em até 20%. Enquanto o mundo devolve impostos, a gente sobretaxa elétricos em boa parte dos nichos, com exceção do luxo, que já paga caro, então, acaba ficando igual.
Existe alguma dificuldade em relação à infraestrutura do nosso mercado para esse segmento?
Relatórios da IEA dizem que o Brasil está na média mundial de carros elétricos por carregadores públicos, com dez unidades por tomada, enquanto o índice global é 8 para 1. Temos 550 carregadores rápidos e semirrápidos nas estradas. Em um projeto da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), foram investidos 622 milhões de reais em infraestrutura de recarga.
O que vemos é que, na China, o governo não gosta de dar dinheiro à indústria, mas subsidia compra, infraestrutura e exportação porque o imposto retorna. É o que o presidente dos EUA, Joe Biden, e a Alemanha anunciaram, repetindo o que já era feito na Europa. É um incentivo indireto. Acho pouco provável que a gente possa competir em algum grau com indústrias do resto do mundo, porque, lá fora, eles ganham uma escala que a gente não tem.
Uma certeza é que, quando o mundo construir plataformas globais na cadeia automotiva de elétricos, não adianta o Brasil tentar se inserir, porque já será carta fora do baralho. No Mercosul, há a maior reserva de lítio do mundo e, no Brasil, temos minérios raros para a construção de baterias e componentes eletrônicos.
E poderíamos ser protagonistas no contexto global, mas não vejo isso acontecer porque, hoje, não temos nem regime aprovado. Para piorar, o regime atual é do século passado, como o planejamento que prevê apenas 10% de veículos elétricos até 2050, enquanto, lá fora, a estimativa é de 60% em menos tempo. Ou a EPE tem informações do futuro que ninguém mais tempo ou a IEA está completamente errada.
O que falta ser feito para os carros elétricos se popularizarem no Brasil?
O primeiro problem é a falta de isonomia fiscal. Minha sugestão é a tributação, que deveria cobrar por eficiência de emissões de CO², como acontece na Europa, por exemplo. Precisamos aprovar uma política industrial para o setor automotivo, porque o Rota 2030 foi desidratado e não tem incentivos para a indústria da transformação.
Também precisamos de metas ambientais e de eficiência alinhadas a outros países. Estamos com mais de dez anos de atraso no padrão que seguimos em relação à Europa. Antes, eram cinco anos de atraso. Com o lobby da indústria, foi postergada a adoção do padrão de emissões Euro 6, que deveria ter entrado em vigor no nosso mercado em 2018. Se não estivermos alinhas, vamos fadar nossa indústria a ficar obsoleta.
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