Por que o Brasil vive uma corrida pelos sem banco
Startups, fintechs e bancos digitais miram os 45 milhões de brasileiros que usam só dinheiro de papel
Da Redação
Publicado em 27 de setembro de 2019 às 10h37.
Última atualização em 27 de setembro de 2019 às 10h43.
Um mercado enorme e historicamente ignorado pelas instituições financeiras virou a bola da vez no mercado brasileiro: os sem banco.
No mundo todo, 1,7 bilhão de pessoas estão excluídas do sistema financeiro. Segundo a última versão do Global Findex Database, levantamento feito pelo Banco Mundial a cada três anos, 69% dos adultos do mundo tinham conta em instituições financeiras em 2017. Em 2014, eram pouco mais de 50%. O Brasil está na liderança na América Latina, mas atrás de seus parceiros nos Brics Índia, China e Rússia. De acordo com o relatório, 70% da população brasileira com mais de 15 anos tinha conta em 2017. Na pesquisa anterior, a parcela era de 68%.
No total, o Brasil tem 45 milhões de não incluídos no sistema bancário, segundo uma pesquisa do Instituto Locomotiva. Eles movimentam 820 bilhões de reais por ano fora dos bancos — é praticamente o produto interno bruto de Portugal (218 bilhões de dólares). Sete em cada dez sem-conta bancária no Brasil declaram ser negros ou pardos e apenas 6% cursaram o ensino superior. Eles estão habituados a receber os pagamentos em dinheiro, a negociar descontos, a comprar fiado e, quando necessário, a usar cartão de crédito de amigos e parentes. É uma enorme fatia da população brasileira que historicamente vê os bancos como lugares inacessíveis. Seis em cada dez deles não têm intenção de abrir conta, e metade não confia nas instituições.
A bancarização costuma acompanhar a renda média e o desenvolvimento dos países. Austrália, Reino Unido e Estados Unidos, por exemplo, têm quase toda a população bancarizada. Por lá, a grande oportunidade para as fintechs está na oferta de produtos e serviços mais simples e baratos para que as pessoas possam escolher reduzir sua relação com os bancos tradicionais. Esse é, no Brasil, o modelo de negócios de companhias como a XP Investimentos e o Nubank. Aqui e em boa parte dos países da África, da América Latina e da Ásia, fintechs também miram o topo da pirâmide — 93% dos clientes de fintechs de crédito brasileiras têm conta em banco. Mas há uma oportunidade enorme olhando para baixo.
A reduzida bancarização é um retrato da pobreza e do subdesenvolvimento. O Brasil tem mais de 37 milhões de trabalhadores informais, segundo estimativas oficiais. Em setores como agricultura, serviços domésticos e construção, mais da metade dos trabalhadores é informal. Juntos, os informais geram mensalmente uma renda de quase 51 bilhões de reais. Nos últimos anos, o peso do desemprego de 12 milhões de pessoas também jogou contra uma evolução mais rápida da bancarização.
A melhoria da infraestrutura, o avanço do emprego e da economia formal vão naturalmente reduzindo o contingente de brasileiros sem conta em banco. Mas é a evolução da tecnologia a grande responsável pela revolução que o país está vivendo. O brasileiro nunca esteve tão conectado.
À medida que as fintechs, os bancos e as carteiras digitais avançarem, o próprio termo “bancarizado” deixará de fazer sentido. Mesmo sem conta formal num banco, as pessoas poderão ter acesso a ferramentas para pagar contas e fazer transferências e investimentos. É essa a corrida em curso, segundo Roberte, do PicPay. “Eu me pergunto se algum dia os não bancarizados vão precisar se bancarizar. Não quero bancarizar, quero facilitar a vida das pessoas.”
É um jogo que abre caminho para varejistas e financeiras mais tradicionais, mas também para novatos. De acordo com a ABFintechs, pelo menos 18 das 697 fintechs brasileiras têm foco no público não bancarizado. Uma das mais agressivas na estratégia de bancarização é o Pic Pay.
Criado em 2012 no Espírito Santo pelo empreendedor Diogo Roberte, o PicPay é um aplicativo que permite pagar boletos, transferir dinheiro, fazer recarga de bilhete de transporte e utilizar saldo em mais de 1,4 milhão de estabelecimentos. A fintech, que recentemente mudou a sede para São Paulo, tem 12 milhões de usuários — cerca de 90% desse público, majoritariamente jovens de 18 a 34 anos, possui conta em banco. O próximo objetivo é mirar os sem-conta bancária. Para isso, o PicPay vem até patrocinando peneiras de futebol e marca presença em locais como a favela de Heliópolis, uma das maiores de São Paulo. Vimos muitos moradores esperando 1 hora na fila da lotérica, sob o sol. Eles precisam de soluções”, diz Gueitiro Genso, presidente do Pic Pay.