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Pôquer, filosofia e Alibaba: a incrível trajetória do fundador da Ebanx

Alphonse Voigt é cofundador da empresa de pagamentos Ebanx, com clientes como Spotify e Uber. Leia um trecho de sua história, parte do livro Fora da Curva 3 - Unicórnicos e Startups de sucesso

Alphonse Voigt, cofundador da empresa de pagamentos Ebanx, com clientes como Spotify e Uber (Ebanx/Divulgação)

Alphonse Voigt, cofundador da empresa de pagamentos Ebanx, com clientes como Spotify e Uber (Ebanx/Divulgação)

DR

Da Redação

Publicado em 27 de fevereiro de 2021 às 09h57.

Última atualização em 23 de dezembro de 2021 às 11h00.

Nasci em um berço esplêndido, mas um tanto maluco. Meu pai estava em uma fase ótima dos negócios, com quase doze lojas abertas. Ganhava dinheiro, conseguiu montar uma casa confortável e bancar seus hobbies. Quando eu tinha três anos, ele me deu uma moto pequena, com a qual eu rodava pela casa e pela rua. Minha vida era a de um reizinho. Aos fins de semana, eu passava a maior parte do tempo na casa do meu avô, porque meus pais iam a campeonatos de kart, corridas de moto e passeios de barco.

A memória que tenho dessa fase é viver em dois ambientes muito diferentes. Em casa, com meus pais, a vida era desregrada. Minha mãe se dedicava muito a mim, mas nosso convívio sempre foi informal, e eu nunca desenvolvi uma relação de autoridade, nem com ela nem com meu pai. Os dois sempre me deixaram muito livre, solto para escolher e agir. Os amigos deles tinham um jeito mais “paz e amor”, e havia muita diversidade nesse núcleo. Ainda assim, considerava meu pai meu herói e minha mãe uma guerreira.

(...)

Durante a adolescência, eu não me destacava em nada na escola. Esforçado, mas sem uma inteligência acima da média. Nunca reprovei matérias e não tinha dificuldades de aprendizado, mas também não brilhava. Fisicamente, nunca chamei atenção. Sempre fui magro e franzino. O que eu tinha era a persistência e a facilidade de me relacionar socialmente. Acabei convivendo com amigos cujo padrão de vida era muito mais alto do que o meu. Seus pais tinham carros de luxo, casas enormes, e eu achava o máximo. Ficava imaginando como conquistar aquilo, essa vida boa e que me parecia harmônica. Lembro-me de, com uns quinze anos, começar a pensar sobre o que eu queria para mim no futuro.

Aos dezesseis, aprendi a surfar. Estávamos com uma condição financeira melhor, meu pai já era gerente da concessionária, e compramos uma casinha na praia, em Guaratuba, a 130 quilômetros de Curitiba. Eu, que já gostava de mar e sempre tive uma sensação boa de estar na água, me apaixonei pelo surfe. Era um esporte difícil, exigia persistência, paciência de esperar a onda, resistência para encarar o frio ou a chuva — e eu gostava do desafio.

Quando chegou o momento de fazer vestibular, por tudo que eu tinha refletido até então, fui buscar algo mais sólido. Escolhi direito, mesmo sem saber ao certo o que faria com isso.

(...)

Depois de sete anos (em vez dos cinco previstos), terminei a faculdade. Foi nessa época que comecei a sentir um pouco mais a pressão da vida adulta. Minha família falava sobre encontrar um foco na vida, e eu também sentia que estava na hora de fazer isso. Tinha um diploma de direito, passei no exame da oab e concluí que precisava fazer algo com aquilo.

Consegui emprego no escritório do pai de um amigo meu que surfava comigo. Como eu não sabia nada, comecei trabalhando sem remuneração. Entendia que, primeiro, eu deveria encontrar uma maneira de levar receita para o escritório e provar meu valor. E precisava fazer isso rápido.

Naquela época, os radares de trânsito estavam se espalhando por Curitiba. Muita gente começou a tomar multa. Enxerguei aí uma oportunidade. Minha sacada foi criar uma tese e entrar com recursos na Justiça contra as multas. O recurso era barato, cerca de quinze reais cada, mas, quando as pessoas descobriram o que eu estava fazendo, chegávamos a receber trinta pedidos por dia. Ganhei o respeito do escritório, assim como os primeiros pagamentos como advogado.

(...)

Então, chegou até nós um cliente que queria uma liminar para operar algumas máquinas de bingo. Peguei o caso. Apesar de os outros advogados terem ficado céticos em relação à possibilidade de vitória, consegui a liminar. Estudei o assunto e vi que havia jurisprudência de casos semelhantes. Me animei e comecei a pesquisar mais. Mergulhei nesse universo do jogo, que era completamente novo para mim, e percebi que havia uma oportunidade de construir um negócio e crescer com escala.

O mercado de jogo estava prestes a ser regulamentado no Brasil. O então presidente Lula havia anunciado sua intenção de fazer isso. Fiquei próximo desse cliente para o qual consegui a liminar e me envolvi em um projeto maior com ele. Minha facilidade para me relacionar com pessoas e minha fluência no inglês abriram algumas portas. Criamos uma empresa mirando esse setor, que tinha a perspectiva de crescer nos anos seguintes.

Em 2004, deixei o escritório de advocacia e assumi o cargo de ceo da Lotobras S.A. O plano de negócio era explorar a nova legislação instalando 20 mil máquinas de bingo no Brasil nos meses seguintes. Havia um grupo canadense investido conosco, um escritório alugado, dez funcionários e uma fábrica de máquinas pronta para entrar em operação. Só faltava faturar. Mas não foi bem isso o que aconteceu.

De uma hora para outra, o governo voltou atrás e proibiu o jogo. Todo aquele mercado potencial evaporou em uma canetada só, e o trabalho que eu estava fazendo se tornou irrelevante. O sócio estrangeiro desapareceu, e não tínhamos um centavo provisionado.

(...)

Nesse caminho, conheci três pessoas importantes. A primeira foi o Andres, um uruguaio que tinha a ideia de processar pagamentos para sites de jogo on-line, como pôquer. Eu contei a ele minha história na Lotobras, e ele se animou por eu ter essa experiência. Foi até Curitiba para me conhecer. Conversamos mais, e gostei dele. Talvez pudéssemos fazer algo juntos.

O segundo foi o Wagner. (...) Descobri que, além de boa companhia para filosofar, esse paulistano era também especialista em mercado financeiro e empreendedor veterano, já tendo quebrado algumas empresas.

O terceiro foi o Alexandre. Fui a um torneio de pôquer em Curitiba com alguns amigos e na mesa em que sentei, lá estava ele. Conversando, descobri que ele era advogado, formado na Inglaterra, e estava tentando mudar a carreira e se tornar jogador profissional de pôquer. Trocamos contatos.

A ideia de pagamento para jogos amadureceu, e concluímos que nosso melhor cliente potencial era o PokerStars, o maior site de pôquer on-line do mundo, que não conseguia processar pagamentos no Brasil. Enquanto as conversas avançavam, o Alexandre foi para Las Vegas competir em um torneio. Deu certo, e ele se tornou o primeiro latino-americano a ganhar um campeonato mundial de pôquer. Foi até no programa do Jô Soares dar entrevista, e o PokerStars o procurou para que ele se tornasse um atleta patrocinado. Ali estava nossa chance. Já tínhamos o modelo de negócio, e eu pedi a ele que fizesse a ponte e nos apresentasse à empresa. Fui até Londres para uma reunião e consegui vender o sonho. Tínhamos nosso primeiro cliente.

Assim, eu e esses três amigos fundamos a AstroPay. Começamos a operar em 2009. A empresa foi muito bem, com bons clientes no Brasil e na América do Sul e margens excelentes. Consegui me restabelecer financeiramente e comprar um apartamento. Mas depois de três anos me sentia desmotivado. Eu estava trabalhando por todos, exposto a um risco grande na operação, e cansado desse universo do jogo. Tinha adorado lidar com negócios internacionais e com a tecnologia de processar pagamento, mas entendi que poderia fazer isso para outros clientes, grandes sites estrangeiros que estavam vendendo no Brasil. Entrei em acordo com os sócios e vendi minha participação.

Nos primeiros meses de 2012, estruturei as ideias para essa nova empresa, que teria o objetivo de processar pagamentos. Queria que fosse a fornecedora das plataformas de e-commerce do mundo inteiro que vendessem produtos no Brasil. Queria oferecer boleto bancário para a Amazon. Sim, eu sonhava grande. Tinha para investir o dinheiro que havia recebido da venda da minha parte na AstroPay e tempo para me dedicar à construção desse negócio.

O nome Ebanx surgiu nesse momento. Eu conhecia uma empresa que chamava Netbanx e gostava do som, lembrava algo digital e relacionado a pagamentos. Inicialmente, coloquei o “i” do iPhone, mas funcionou melhor com o “e”. Então, ficou Ebanx.

Meu passo seguinte foi convencer as pessoas que eu as queria como sócias. Uma delas era o Wagner. O mesmo do curso de filosofia que havia me ajudado no início da AstroPay. Entendia de finanças e de modelo de negócios e podia me ajudar com isso. Porém, naquele momento ele estava criando uma rede de equipamentos para academia e não estava exatamente disponível. Havia também o Antônio e o João, da Polvo Tecnologia, empresa que eu havia conhecido alguns meses antes e prestava serviços para a Astropay. A primeira venda que tive que fazer foi para os três. “Wagner, pare o que você está fazendo e venha fazer o Ebanx comigo”, disse para um. “João e Antônio, vamos dominar o mundo juntos”, falei para os outros.

(...)

A primeira grande oportunidade de venda que surgiu foi para o AliExpress, do grupo chinês Alibaba. O João e o Antônio eram donos do domínio boletobancario.com, criado para um trabalho que tinham feito na faculdade. Desse site, remetíamos os clientes para o site do Ebanx. Os chineses, desesperados para entender essa jabuticaba brasileira, entraram no Google para achar um fornecedor de boleto. Nosso domínio ficava em primeiro lugar nas buscas e, por isso, a equipe do AliExpress entrou em contato conosco. Em novembro de 2012, eles visitaram o Brasil para conversar com diferentes fornecedores.

Fomos buscá-los no aeroporto assim que chegaram em Curitiba. Visitaram nosso escritório e depois os ajudamos a se localizar para visitar outras empresas de pagamento. Fomos muito transparentes, como sempre éramos. Explicamos as complexidades regulatórias do Brasil, o que era ou não possível fazer por aqui. Ficamos um pouco decepcionados quando nos contaram que não iam fechar negócio naquele momento, porque o Brasil ainda não era uma prioridade. Mas nos colocamos à disposição para negócios futuros.

Felizmente, o negócio chegou antes do que esperávamos. No início de 2013, eles voltaram a entrar em contato. Queriam ter a solução de boleto no site. À primeira vista, não éramos a opção mais óbvia para os chineses. Havia outras empresas de meios de pagamento muito maiores do que nós. Mas como escutei do Raphael Klein, das Casas Bahia, no Brasil não é o grande que engole o pequeno, mas sim o rápido que engole o lento. E esse foi nosso trunfo. Quando o AliExpress chegou disposto a fechar, estávamos prontos para fazer acontecer.

Lembro-me das discussões frenéticas sobre o contrato. Imagine a cena: o Ebanx era uma empresa de doze pessoas, lidando com um conglomerado de 100 mil pessoas. Foram meses trabalhando em fusos horários opostos. Vários detalhes da integração da tecnologia eram ajustados de madrugada. Eu sabia que para ter sucesso não bastava fazer bem o básico. Para nosso negócio ser relevante, precisávamos fazer o nosso trabalho e o do nosso cliente. Não bastava mandar a apostila de integração, o contrato, e esperar que eles se virassem. Precisávamos caminhar juntos. Conseguimos encontrar uma maneira, tanto com a tecnologia quanto com os bancos, de confirmar o boleto em um dia e pagá-los na China no dia seguinte pela manhã.

No meio desse trabalho, aprendi muito sobre a técnica de antecipar verdades. Se é algo que você sabe que vai acontecer, falar um pouco antes não é uma mentira. Em agosto de 2013, os chineses me ligaram para avisar que estava tudo pronto, mas o departamento de compliance tinha uma ressalva. Como éramos muito pequenos, a exigência era apresentar um depósito caução de 1 milhão de dólares. Claro que não tínhamos esse dinheiro, mas não podíamos perder a venda por uma reação amadora. Eu me imaginei tentando escapar de uma onda grande que se fechava no horizonte sem que eu pudesse me desesperar. “Sim, claro, faz sentido”, falei. “Só queria entender o racional desse valor.” Negociamos e chegamos a 200 mil dólares — uma cifra que tampouco existia na nossa conta. Mas nossos bancos parceiros em Curitiba emprestaram o dinheiro e conseguimos fazer o depósito. No dia seguinte, entramos em operação com eles.

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