Como os alimentos se tornaram um desafio para o e-commerce
Entregar produtos perecíveis é muito mais complicado que entregar camisetas, livros, ou basicamente qualquer outra coisa que as pessoas compram online
Da Redação
Publicado em 4 de julho de 2017 às 12h43.
Última atualização em 5 de julho de 2017 às 12h01.
De tempos em tempos, Sinclair Browne encara o trânsito da Times Square, em Nova York, espremendo seu furgão de entregas em uma vaga de estacionamento, subindo quatro lances de escada e entregando compras para um cara cujo pedido ele já decorou.
“Sou rápido. Entro e saio, entro e saio”, afirmou Browne.
Entregar comida exige uma precisão militar: as bananas não podem esfriar. Legumes e saladas não podem esquentar. Ovos obviamente não podem se quebrar. E as pessoas esperam que sua compra chegue em horas específicas.
Browne, de 40 anos, é motorista da quitanda virtual Peapod. Ele tem o papel mais importante na solução do maior problema do setor de mercados virtuais : transportar alimentos sem estragar, nem desperdiçar, do armazém à casa do cliente. O desafio é conhecido como “problema do último quilômetro”.
Entregar produtos perecíveis é muito mais complicado que entregar camisetas, livros, ou basicamente qualquer outra coisa que as pessoas possam comprar pela internet. O maior desafio é que os produtos da feira precisam ficar frios por horas. Mas há uma série de outras complicações.
As bananas e maçãs soltam gases que danificam as folhas da alface, de forma que não podem ser colocadas muito perto umas das outras. O leite precisa ser armazenado com a embalagem em pé.
Toda essa complexidade adiciona custos a um setor que tem margens de lucro baixíssimas. Poucas empresas se arriscaram nessas acrobacias gastronômicas em larga escala, e inúmeras startups falharam ao tentar, transformando a quitanda na última fronteira das compras on-line.
Até mesmo a Amazon, que construiu um império multibilionário ao aperfeiçoar a logística da entrega, ainda não conseguiu dominar a arte da entrega lucrativa de alimentos perecíveis em grandes áreas metropolitanas.
Porém, a empresa acaba de fazer uma grande aposta, comprando a Whole Foods em um acordo de US$13,4 bilhões que dará acesso a mais de 400 lojas concentradas em grandes centros populacionais.
A ação da Amazon deu início a uma disputa intensa com o Walmart, a maior rede de supermercados dos EUA. O Walmart também encara o desafio de se tornar uma força tão dominante no mundo virtual, quanto no físico.
Jennifer Carr-Smith, executiva-chefe da Peapod, afirmou que espera que a compra da Whole Foods pela Amazon encoraje mais pessoas a comprar produtos perecíveis pela internet, onde ocorre cerca de 10 por cento de todas as compras dos EUA atualmente. Quando o assunto são produtos de supermercado, os números são 50 por cento inferiores, de acordo com dados da FMI-Nielsen.
À medida que a concorrência aumenta, a Amazon e outras empresas passam a depender mais de motoristas como Browne, que ganham US$13 por hora, mais gorjetas, para lidar com os maiores desafios do supermercado virtual.
“Tudo bem, campeão?”, Browne acena para o porteiro do primeiro prédio da rota, que afirma que ele precisa levar o carrinho para a entrada de serviço. Ele desce um andar pelo elevador, mas vai pela entrada errada.
Tenta outro andar. Errado outra vez.
Quando ele pede ajuda, o homem trabalhando na entrada grita com ele: “Se você não sabe, deveria me dizer que não sabe!”
Mas a grosseria, segundo Browne, é só uma das coisas com as quais tem que lidar. Ele ainda precisava entrar e sair, entrar e sair. Faltavam dezenove paradas.
Cada segundo conta. Empresas de entrega de alimentos como a Peapod precisam calcular exatamente quanto tempo cada entrega vai demorar, além de monitorar o trânsito e os acidentes envolvendo carros na rota para antever os problemas.
Para fazer as 20 entregas do dia, Peapod tinha nove horas e 20 minutos. Browne acredita que consegue fazer tudo em oito.
“O primeiro cara me atrasou um pouco, porque me obrigou a ir pela entrada de serviço. Eu nunca tinha ido por lá antes”, afirmou Browne enquanto dirigia até a próxima parada. “Naquela prédio geralmente é só entrar e sair”.
O furgão foi carregado no armazém da Peapod em Jersey City, Nova Jersey, um espaço enorme. Cerca de 425 pessoas entram e saem do açougue, da sala de verduras e legumes e da rotisseria, repleta de frangos assados.
Com roupas apropriadas, os funcionários tiram alimentos congelados da sala fria, colocando tudo em sacolas de um verde brilhante com temperatura controlada.
Qualquer pessoa que tenha feito compras de supermercado pela internet provavelmente já se perguntou quem iria apalpar os tomates para escolher os melhores. É por isso que, apesar da vastidão da automação industrial, pessoas como Amal Afifi são importantes. Enquanto ela carrega as sacolas, Afifi inspeciona pessoalmente algumas das 14 milhões de bananas que a Peapod vende todos os anos.
Suas diretrizes são relativamente simples: basta confiar no estômago. Literalmente.
“Eu escolho para os clientes, como escolho pra mim mesma”, afirmou Afifi, apontando para um caixa de bananas rejeitadas. Elas podem ser doadas para o zoológico local, onde os animais são menos exigentes que os humanos em relação a frutas machucadas.
Uma vez que o alimento perecível entra na sacola, o relógio começa a contar. Manter o alimento frio até que ele chegue aos clientes é a coisa mais difícil e importante da entrega e há muitas oportunidades para que as coisas deem errado.
Browne sabe quais porteiros permitem que ele use o banheiro, quais clientes dão boas gorjetas e quais prédios exigem que ele use a entrada de serviço, mesmo que esteja carregando apenas algumas sacolas.
“É muito trânsito, espaços muito apertados, muitas pessoas, gente que corta o furgão na rua. Trabalhar na cidade é muito difícil. É por isso que dizem que o trabalho não é para qualquer um.”
Browne gosta de interagir com os clientes. Entre eles há famílias, universitários e idosos, que ele sente estar ajudando, já que não conseguem fazer compras com facilidade.
Tem uma mulher que vive bem em cima de um mercado, mas ainda assim prefere comprar pela internet. Há um homem que compra Froot Loops e frios dia sim, dia não, além da mulher que dá US$20 de gorjeta todas as vezes.
Browne perdeu mais de sete quilos desde que começou no emprego há um ano e meio. Hoje está carregando quatro litros de leite, sabão em pó e algumas sacolas com o braço esquerdo, e uma embalagem de ovos com o direito. Tenta fazer tudo de uma vez, quando pode.
Ele abre a embalagem para mostrar que os ovos não estão quebrados – os ovos sempre precisam ser mostrados para os clientes – e já volta para a escada. Entrar e sair.