Odebrecht Transport cria metas anticorrupção para funcionários
Cerca de 10% da avaliação anual e, consequentemente, dos bônus dos colaboradores dependem de práticas de compliance
Karin Salomão
Publicado em 28 de setembro de 2017 às 14h00.
Última atualização em 28 de setembro de 2017 às 15h05.
São Paulo – Investigado na Operação Lava Jato, o grupo Odebrecht está criando mecanismos de controle antifraude. Um dos exemplos é a nova política de avaliação de funcionários da Odebrecht Transport, subsidiária com projetos em mobilidade e rodovias.
Ela implantou metas individuais de conformidade a todos seus funcionários. Agora, como parte da avaliação anual de desempenho, os colaboradores também são examinados em relação a práticas de conformidade e anticorrupção.
Cerca de 10% da avaliação e, consequentemente, dos bônus dos colaboradores dependem de um bom desempenho nesses quesitos. Resultados financeiros, outros comportamentos e desenvolvimento da carreira também são verificados.
"A ideia não é pagar pela conformidade, motivar a conformidade financeiramente, mas sim punir quando não há esse desempenho", afirmou Juliana Baiardi, presidente da Odebrecht Transport a EXAME.com.
Para ser bem classificado, o funcionário precisa ter participado de todos os cursos e não ter recebido nenhuma medida disciplinar.
Os treinamentos abordam as políticas de envio de brindes e presentes, contratação de fornecedores, relacionamento com agentes públicos, entre outros tópicos. A ideia é que eles sejam atualizados e repetidos.
Para a presidente, aplicar os testes é indispensável para criar uma cultura transparente. "É importante que todos entendam nossas políticas e estejam de olho nessas práticas", afirma a executiva.
A Odebrecht Transport é pioneira nessa iniciativa dentro do grupo. É uma empresa criada em 2010 e que hoje tem 5.000 funcionários em suas áreas de rodovias e mobilidade, área que se fundiu com a japonesa Mitsui.
"O desafio é treinar 100% da Transport", afirmou a presidente. A subsidiária começou a aplicar as primeiras práticas de conformidade em 2013 e, no último ano, reforçou e aprimorou os processos.
"Se o funcionário está em um ambiente que se preocupa com a conformidade e que é transparente, ele sabe que essa é a postura esperada dele. Vai fazer parte do dia a dia", avalia Baiardi.
Teoria e prática
Para especialistas ouvidos por EXAME.com, colocar os treinamentos e medidas em prática é o grande desafio das empresas.
Segundo Renato Santos, sócio da S2 Consultoria, treinamentos são importantes para mudar a cultura da empresa. "É nesses momentos que a companhia pode apresentar suas políticas e mostrar para o colaborador que está preocupada com o tema de governança".
No entanto, apenas isso não é suficiente. "Se não for praticado, a empresa incorre em uma hipocrisia que é ainda mais prejudicial para o negócio, porque passa sensação de impunidade", afirma Santos.
"A Odebrecht já possuía mecanismos de controle. O problema é que não era implementado, por conivência da alta gestão", afirmou Anna Maria Guimarães, docente da FIA e conselheira de administração. De acordo com ela, essas iniciativas dependem do comprometimento da liderança para serem efetivas.
Bom senso
Mundialmente, empresas perdem 5% de seu faturamento anual com fraudes, de acordo com uma pesquisa da Certified Fraud Examiners. Além disso, o custo de um escândalo para a imagem - e o valor - de uma empresa é bastante alto.
Para mitigar esses custos, empresas instauram processos de controle contra a corrupção. Enquanto nos Estados Unidos e Europa as conversas sobre práticas de governança e compliance já existem há décadas, a Lei Anticorrupção brasileira só foi criada em 2013.
Até então, os mecanismos nas empresas brasileiras não eram tão sistematizados e funcionavam na base do "bom senso" do funcionário, diz Santos.
Com a criação da legislação, isso precisou mudar. Ainda que recente, os especialistas acreditam que a lei é madura e que as práticas adotadas pelas companhias são consistentes, mas que o importante é cumprir as diretrizes.
O grupo Odebrecht afirmou que revisou seu código de ética em 2013, que foi transformado em um código de conduta. A organização também iniciou a implantação de um sistema de conformidade em 2014, em todos os seus negócios.
"Existe uma distância entre ter políticas e praticá-las”, afirmou Anna Maria. “A Operação Lava Jato deixou claro que o modelo que algumas empresas tinham não dá certo".
Ela acredita que a operação da Polícia Federal dá a essas empresas a chance de rever e aplicar práticas de conformidade. "Essas empresas têm a oportunidade de se reerguer. Essa cultura precisa ser construída", diz ela.
Página virada
No Grupo Odebrecht, as primeiras conversas sobre governança corporativa começaram em 2013, mas em 2014, a Operação Lava Jato começou e mudou as prioridades do grupo.
Por conta do pagamento de propina para obras em 12 países e a centenas de políticos, a companhia firmou em dezembro de 2016 o maior acordo de leniência até então, de 2,6 bilhões de dólares, com os governos do Brasil, Estados Unidos e Suíça. A JBS, mais tarde, ultrapassou o recorde, firmando um acordo de leniência de 10,3 bilhões de reais.
Em março de 2016 a empresa decidiu “virar a página” e começou a criar medidas para diminuir os riscos de novas atitudes ilícitas dentro da empresa.
Dos 77 executivos que colaboraram com as denúncias e que tinham conhecimento dos desvios praticados pela empresa, 51 foram desligados, diz a companhia. Os outros 26 continuam na companhia para passar seus conhecimentos sobre setores específicos, mas não podem exercer cargos executivos ou tomar decisões.
Além disso, a Odebrecht está, desde fevereiro de 2017, sendo monitorada internamente por cerca de 20 membros do Ministério Público e do Departamento de Justiça dos Estados Unidos. O processo deve demorar três anos e os custos são pagos pelo grupo.
Eles investigam contratos, balanços, pagamentos a fornecedores, documentos e têm carta branca para entrar em qualquer lugar da companhia.
Todas as empresas do grupo passam por auditorias internas e externas e possuem uma linha de ética para denúncias.
O canal , na verdade, já existia, mas foi terceirizado neste ano, para garantir que a investigação seja efetiva. Qualquer funcionário pode enviar uma denúncia anônima sobre algum comportamento irregular para a empresa independente, que irá investigar as alegações.