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Os problemas da 99 com a China, seis meses depois de virar unicórnio

Venda do App 99 para a chinesa Didi Chuxing por US$ 600 milhões, faz a startup alcançar o posto de 1º unicórnio brasileiro, com valor de mercado de US$ 1 bi

99: com o caixa abastecido, empresa segue na disputa com o Uber no Brasil (Montagem de EXAME/ BongkarnThanyakij/Thinkstock)

99: com o caixa abastecido, empresa segue na disputa com o Uber no Brasil (Montagem de EXAME/ BongkarnThanyakij/Thinkstock)

EC

Estadão Conteúdo

Publicado em 28 de junho de 2018 às 09h48.

Última atualização em 28 de junho de 2018 às 10h06.

São Paulo - Em janeiro, empreendedores e investidores brasileiros comemoraram a venda do aplicativo de transporte 99 para a gigante chinesa Didi Chuxing por US$ 600 milhões. A aquisição fez da startup, fundada por Paulo Veras, Ariel Lambrecht e Renato Freitas, o primeiro unicórnio brasileiro - startup com valor de mercado de US$ 1 bilhão. Mais que abastecer o caixa da empresa, que precisava de dinheiro para continuar na disputa com o Uber no Brasil, a aquisição virou símbolo do amadurecimento da ecossistema brasileiro de startups.

Contudo, seis meses depois, uma parte da animação sobre o negócio se esvaiu - dentro e fora da 99. Assim que a aquisição foi finalizada, a startup passou a incorporar tecnologia chinesa ao app brasileiro, o que levou a diversas falhas. Nos últimos meses, motoristas e passageiros têm usado as redes sociais para reclamar sobre o app. "Paguei pelas corridas em dinheiro o mês todo, mas elas foram debitadas também no cartão de crédito", relatou na terça-feira, 26, no Twitter, o usuário Paulo Sousa. "Me ofereceram um cupom de R$ 10." Outra pessoa reclamou da lentidão. "Fica naquela tela cinza e não vai para a frente", afirmou na rede social, Vinícius Madureira.

Quem poderia resolver tais falhas, se viu de mãos atadas. Programadores que deixaram a 99 nos últimos meses, ouvidos pela reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, contaram que a equipe de engenharia brasileira já mapeou mais de mil erros no aplicativo, mas foi orientada a esperar que desenvolvedores da Didi na China as corrigissem.

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, o atual presidente da 99, Matheus Moraes, nega que o aplicativo continue a apresentar erros e diz que, no início da integração, elas de fato ocorreram. "Foi uma oportunidade para colocar as equipes de Brasil, China e outros países para trabalharem juntas", explica.

O volume de reclamações nas redes sociais, no entanto, mostra que muitos dos problemas ainda não foram resolvidos. Nesse ínterim, a 99 tem apostado numa política agressiva de descontos para reter seus 14 milhões de passageiros. A estratégia, porém, tem data de validade, segundo o professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP), Luiz Alberto Albertin. "A boa vontade dos usuários não será suficiente se a empresa não resolver urgentemente seus problemas estruturais", diz.

De saída

Insatisfeitos com a nova gestão da empresa, muitos funcionários decidiram sair nos últimos meses. Segundo levantamento feito pelo jornal O Estado de S. Paulo, com base em dados da rede social profissional LinkedIn, ao menos 50 pessoas deixaram a 99 entre janeiro e junho deste ano, sendo a maior parte desenvolvedores - hoje, a companhia têm 900 funcionários no Brasil e afirma ter 100 vagas abertas.

Mais de dez profissionais foram trabalhar na Yellow, startup de compartilhamento de bicicletas fundada por Lambrecht e Freitas, cofundadores da 99, após deixarem a empresa. Em nota, Freitas afirmou que não vê relação entre a saída das pessoas da 99 e contratação pela Yellow. "Muitas pessoas têm procurado a gente pelo nosso propósito de trazer algo positivo para as cidades", diz ele. Outras startups que também contrataram ex-colaboradores da 99 incluem o app de delivery Rappi, Nubank e Loggi.

Moraes, da 99, afirma que a empresa tem investido em melhorar a integração entre os brasileiros e chineses. Entre as ações, a empresa está oferecendo aulas de mandarim para brasileiros e de português para os chineses, para a comunicação funcionar melhor. Outra estratégia, diz Moraes, é envolver os profissionais em projetos globais.

"A saída dos funcionários está mais relacionada aos ciclos profissionais de cada um do que à insatisfação", diz o presidente da 99. "Nos orgulhamos de formar especialistas para outras empresas e os que ficam conosco têm oportunidades."

Em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, ex-engenheiros da 99, que não quiseram se identificar, dizem que a rotina dentro da startup começou a mudar já no primeiro investimento da Didi na startup, de US$ 100 milhões, feito em janeiro de 2017. A gigante chinesa, que tem valor de mercado estimado em US$ 56 bilhões, tem apostado em investir em empresas locais no mesmo segmento como estratégia para ampliar sua influência global.

Para Paulo Furquim de Azevedo, coordenador do Centro de Estudos em Negócios do Insper, os problemas de integração da 99 já eram esperados, devido às diferenças culturais entre Brasil e China. Porém, ao limitar a atuação de engenheiros locais, ele acredita que a 99 pode perder um diferencial importante frente aos rivais.

"O coração e a alma da 99 sempre estiveram na equipe de engenheiros, até porque a startup foi criada por dois programadores", diz Azevedo. "Quando isso deixa de existir, a startup perde a essência completamente."

Por enquanto, Moraes minimiza os problemas e tenta olhar para as oportunidades de negócio da 99: expandir seu alcance para a periferia, a exemplo do que fez o Uber, é prioridade. "Vamos atender moradores de bairros de baixa renda, onde a 99 ainda não está presente."

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