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O negócio é prevenir

A necessidade de reduzir gastos com saúde nas empresas cria novas oportunidades em São Paulo

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h27.

Marcos Manduca, de 33 anos, gerente de portfólio do Citibank, leva uma vida bastante agitada. Como tem de conciliar o trabalho com o MBA, acabou negligenciando a saúde. Parou de praticar esportes e começou a descuidar da alimentação desde que entrou no mercado financeiro, há dez anos. Por vezes se sentia mal por causa da pressão alta. Há um ano e meio Manduca aderiu ao programa de saúde preventiva do Citibank. Recebeu um relatório com seu perfil de saúde e dicas para controlar a pressão, além da indicação de um especialista para acompanhar seu problema. Passou a se alimentar melhor e a fazer exercícios físicos regularmente. Virou um freqüentador das salas de relaxamento do banco e, a cada 15 dias, submete-se a sessões de massagem shiatsu. "Passei a encarar minha saúde com mais seriedade", diz Manduca, que perdeu 3 quilos e não teve mais problemas de hipertensão. "Com acompanhamento e estímulo constante, ficou mais fácil cuidar da saúde."

Dos 1 800 funcionários do Citibank em São Paulo, cerca de metade participa do programa de saúde preventiva, implantado em 2000. O banco contratou uma empresa especializada em saúde corporativa, a We Care, para traçar o perfil de saúde dos empregados por meio de um questionário que inclui desde os antecedentes de doenças na família até o tempo dedicado ao lazer. Outra iniciativa do banco foi criar um programa antiestresse. Desde outubro do ano passado, a sede do banco, na avenida Paulista, conta com oito salas de relaxamento, decoradas segundo os princípios de feng shui (técnica chinesa de harmonização de ambientes), com iluminação especial, música e fontes de água. "Quem estiver estressado pede licença por alguns instantes e pode meditar ou apenas relaxar no local", diz Delsio Klein, diretor corporativo de recursos humanos. Para implantar seu programa, o banco investiu cerca de 70 000 dólares. Valeu a pena? Os gastos com saúde caíram de 7 milhões em 1999 para 4 milhões de dólares no ano passado. "Além de reduzir a conta do plano de saúde, é possível diminuir o número de faltas e aumentar a produtividade", afirma André Coutinho, diretor da We Care.

Assim como o Citibank, muitas empresas começam a perceber que prevenir é melhor do que remediar -- e sai bem mais barato. Essa constatação óbvia está gerando oportunidades para um negócio ainda incipiente em São Paulo: o da saúde preventiva. Com a conta do plano de saúde empresarial cada vez mais alta, quem oferece soluções para reduzir essa despesa tem um mercado promissor. "Prevenção é hoje a palavra de ordem no setor de saúde, a maneira mais inteligente de reduzir os gastos crescentes", diz Urânio Paes Junior, sócio-diretor da Quest, consultoria em marketing que atende a empresas como Pfizer e Aventis e que já ministrou treinamento para 17 000 profissionais da área. "É um mercado que só agora começa a se formar e tem grande espaço para crescer." Um levantamento feito pela AON Consulting em grandes empresas da Região Sudeste, a maioria de São Paulo, mostrou que há cerca de 20 anos o plano de saúde representava 4% da folha de pagamentos. Hoje, em muitas companhias, esse índice passa de 8%. "E há quem gaste 12% para dar esse benefício aos funcionários", diz Humberto Torloni Filho, diretor da AON. "Por isso, o assunto interessa a muitas empresas."

O fenômeno não é exclusivamente paulistano, mas é em São Paulo que começam a aparecer as primeiras empresas no país especializadas em prevenção. A cidade sempre esteve na vanguarda da área médica no Brasil. Para ter uma idéia, a avenida Paulista reúne a maior quantidade de tomógrafos (um equipamento caro e de alta tecnologia) por metro quadrado no país. Grandes hospitais especializados e as maiores redes de laboratórios costumam instalar-se primeiro na capital paulista. No que diz respeito à saúde preventiva, outro fator torna a cidade um lugar propício para a expansão do negócio: a concentração de empresas e o grande número de funcionários.

Redução de custos

Até o ano passado, a principal atividade da AON era a consultoria na escolha e na administração de planos de saúde corporativos. Em meados de 2001 passou também a fazer a gestão do que chama de "risco populacional" para clientes que precisam diminuir suas despesas com as seguradoras. O trabalho consiste em traçar o perfil de saúde dos funcionários e gerenciar seus problemas para evitar gastos desnecessários. A AON pesquisa os hábitos e o estilo de vida dos funcionários e determina os tipos de problema mais freqüentes. Esses dados são cruzados com a origem dos gastos com assistência médica, ou seja, quando e para que os empregados usam o plano de saúde. Com base nessas informações, cria-se um programa de prevenção. "É comum alguém ir a cinco médicos diferentes até chegar ao especialista que realmente trata o problema", diz Torloni. "Podemos orientar para que se evitem gastos desnecessários." Por enquanto, 13 das 400 empresas que trabalham com a AON experimentam esse novo serviço, o que significa menos de 10% dos 250 000 usuários de planos de saúde empresariais gerenciados pela companhia.

Um desses clientes, a SAP, de São Paulo, começou a colher os resultados do programa. A empresa queria reduzir as despesas dos funcionários com planos de saúde sem diminuir a qualidade do benefício. A solução foi levantar os hábitos dos empregados e enviar um relatório com os pontos que mereciam mais atenção. "O objetivo é fazer as pessoas refletirem sobre sua saúde sem adotar um tom professoral", diz Cíntia Motta, gerente de recursos humanos da SAP. Cerca de 80% dos funcionários aderiram ao programa. A empresa estimulou o uso do serviço gratuito de check-up da seguradora AGF Saúde, o que reduziu o número de consultas e exames na rede de médicos do plano. "Com o check-up, o paciente é encaminhado ao médico certo e já chega com o resultado dos exames na mão", diz Carla Reno, analista de RH da empresa. Em menos de seis meses, a SAP conseguiu diminuir o uso do plano de saúde pelos funcionários em cerca de 30%. "A economia será revertida em melhorias para o plano de saúde, como maior valor de reembolso", diz Carla.

Novos negócios

Dono de uma empresa de promoção de saúde corporativa, a CPH, o médico Ricardo de Marchi calcula que, em um ou dois anos, companhias de porte, como as 500 maiores do anuário Melhores e Maiores, de Exame, deverão gastar, no mínimo, 125 reais anuais por funcionário com saúde preventiva -- mais que o dobro do desembolso atual. De olho nesse potencial, De Marchi uniu-se à Intermedici (uma das poucas empresas de medicina de grupo com programa de gestão preventiva em São Paulo) e à americana Value Options (que tem 23 milhões de clientes nos Estados Unidos) para montar uma central de atendimento, a Solutions, que deve entrar em operação nos próximos meses. Entre outros serviços, a central de atendimento vai manter uma equipe de médicos e enfermeiros de plantão para esclarecer, por telefone ou pela internet, as dúvidas sobre saúde dos funcionários das companhias que contratarem o serviço. "O objetivo é atender à demanda das empresas, que começam a querer mais que um simples serviço de check-up dos funcionários", diz De Marchi. A previsão é que 80% dos casos sejam resolvidos em uma ou duas conversas telefônicas. Os outros 20% serão encaminhados para uma rede de médicos credenciados. Os sócios da Solutions esperam, em dois anos, obter um faturamento de 6 milhões de dólares só com a assistência em saúde mental. Até o fim da década, a meta é atingir uma receita de 50 milhões de dólares no total.

Outra empresa paulistana recém-criada para atuar na área de gestão preventiva de saúde é a Axismed. Com um investimento inicial de 1,5 milhão de reais, ela começou a prestar serviços para sua primeira cliente, a Interclínicas, uma empresa de medicina de grupo do Rio de Janeiro. A Axismed vai monitorar quem mais freqüenta laboratórios, consultórios e, principalmente, prontos-socorros e hospitais, que representam a maior parcela dos gastos. Ou seja, vai cuidar da parcela de segurados que mais gastam -- e tomar medidas para diminuir essas despesas no longo prazo. Casos de doenças crônicas, como diabetes, hipertensão ou asma, terão acompanhamento regular. Um grupo de médicos e enfermeiros dará apoio aos pacientes para que façam seus exames corretamente e sigam o tratamento. "Vamos ensinar as pessoas a ter um papel ativo em relação à sua saúde", diz Fabio de Souza Abreu, diretor da Axismed. "É mais fácil e barato fazer isso do que deixar para resolver o problema quando chegam ao pronto-socorro."

Alguns problemas de saúde que poderiam ser resolvidos com uma simples consulta médica e uma caixa de remédio chegam a custar dez vezes mais quando o doente acaba no pronto-socorro. Por isso, os americanos criaram o PBM, pharmacy benefits management (algo como gerenciamento de benefício farmacêutico). "Nos Estados Unidos, as seguradoras perceberam que o paciente que não segue o tratamento prescrito pelo médico sai muito caro", diz Luiz Carlos Monteiro, presidente da E-Pharma, que colocou em funcionamento seu sistema de PBM em outubro do ano passado. A E-Pharma já tem mais de 1 000 farmácias interligadas, das quais 265 na Grande São Paulo. Quando um funcionário de uma empresa associada compra remédio numa das farmácias, passa seu cartão magnético numa máquina semelhante à de cartão de crédito. A fatura sai na hora. O farmacêutico tem acesso à sua ficha. Se for alérgico ao medicamento receitado, por exemplo, o sistema o avisa imediatamente. O relatório das compras permite às empresas saber quais os principais problemas de saúde dos funcionários. O retorno deverá vir no longo prazo. Nos Estados Unidos, para cada dólar gasto com remédios ainda na fase de ambulatório, economizam-se até seis dólares com internações.

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