Vinicius Pessin, da Eu Entrego: 2 milhões de entregadores cadastrados em mais de 600 cidades (Divulgação/Divulgação)
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Publicado em 12 de dezembro de 2025 às 14h08.
Última atualização em 12 de dezembro de 2025 às 14h10.
Vinicius Pessin mantém um hábito que virou marca interna: sair para entregar pacotes na Black Friday. Dirige seu carro, faz check-in no aplicativo, passa pelo QR Code de validação e segue as rotas como qualquer entregador.
“É muito divertido porque a gente vê na prática o que em geral só vê nos mapas”, diz. O ritual ajuda a testar falhas, validar decisões e entender o comportamento da rua em um dos períodos mais tensos do ano para o varejo.
A prática contrasta com o porte atual da operação. A Eu Entrego fecha 2025 com 100 milhões de reais em faturamento e mais de 40 milhões de pacotes processados ao longo do ano.
São 140 clientes ativos — entre eles Boticário, Cobasi, Petz, Vivo, Reserva e Riachuelo — atendidos por uma rede de mais de 2 milhões de entregadores cadastrados em mais de 600 cidades.
No setor, a expansão acompanha um movimento maior. Segundo a Euromonitor, o crescimento do e-commerce elevou a pressão sobre a última milha, enquanto custos operacionais aumentaram com salários, combustível e digitalização. O gasto B2B respondeu por 83,5% da demanda logística em 2023, e grandes operadores vêm acelerando investimentos em tecnologia para otimizar capacidade e reduzir desperdícios.
A Eu Entrego nasceu em 2016, mas Pessin aponta 2019 como o ano da virada. Antes disso, os testes com clientes como Natura validaram a plataforma, mas não garantiam escala. “Em 2019 foi o grande ano onde a gente disse: ‘Caramba, encontramos a nossa vocação’”, diz.
A pandemia, um ano depois, expôs o tamanho do desafio logístico no país — e abriu a avenida para o crescimento da empresa. “A gente cresceu 600% no ano da pandemia”, afirma.
O avanço veio do consumo digital forçado e das limitações do varejo físico. Redes de supermercado, por exemplo, não tinham sequer computadores nos setores de expedição. “O cara disse: ‘Mas nós não temos computador na expedição’. Aí pensamos: bom, temos um problema. Mas como nossa tecnologia funciona em mobile, resolvemos com um smartphone.”
Ao final daquele ciclo, a Eu Entrego já operava como peça central do delivery para grandes varejistas, com entregas de farmácia, pet, supermercado e moda tomadas por um ritmo que nenhum planejamento havia previsto. A demanda, porém, evidenciou uma regra básica para manter a operação de pé: o equilíbrio.
“Nosso principal desafio é um equilíbrio perfeito”, afirma. Ele descreve o tripé que sustenta o modelo: preço competitivo para o varejista, remuneração digna para o entregador e sustentabilidade financeira da plataforma.
“Se eu baixar muito o preço do frete, ou eu não sou economicamente sustentável ou vou precarizar a condição do entregador.” Para ajustar isso minuto a minuto, o sistema usa algoritmos que analisam rota, prazo, clusterização e aceitação, liberando bonificações dinâmicas quando necessário.
Parte desse controle vem do contato direto com a operação. Pessin e gestores da companhia fazem entregas em datas críticas para testar rotas, comunicação e comportamento. “É um prazer passar um dia sem ter que tomar decisões; só seguir o aplicativo”, brinca. O processo também revelou falhas estruturais, como check-ins falsos e baixas de entrega antes da chegada ao endereço.
A resposta veio com a cerca eletrônica. “Isso resolveu a nossa vida”, afirma. O sistema só permite check-in ou baixa quando o entregador está fisicamente no ponto de coleta ou no destino. O recurso virou argumento forte no licenciamento de tecnologia. “Quando mostramos para uma transportadora, os caras dizem: ‘Isso resolve 90% dos meus problemas’.”
O modelo também permitiu identificar fraudes mais complexas. Um caso envolvia um grupo que criava perfis falsos da empresa em redes sociais para se passar pela Eu Entrego, cadastrar entregadores e roubar produtos. “Com a geolocalização, encontramos esses caras. Todas as fraudes vinham da mesma região.”
O volume de problemas reais transformados em soluções tecnológicas levou a empresa a criar a Envoy, spin-off criada há cerca de dois anos para licenciar o software a operadores logísticos. Para Pessin, a vantagem competitiva está em desenvolver tecnologia enquanto opera entregas diariamente.
“Se o nosso software fosse uma comida de cachorro que a gente fabrica, a gente prova e come ela todos os dias antes de oferecer para um cachorrinho”, diz. A frase virou metáfora interna para explicar por que a Eu Entrego ampliou tanto a ponto de elaborar o sistema da Envoy.
Em 2025, o negócio SaaS cresceu 72%, impulsionado por novos clientes e pela evolução da Sofia, agente virtual que hoje responde por 60% do atendimento a entregadores e consumidores. Segundo a empresa, o uso do sistema reduz entre 15% e 20% os custos logísticos dos clientes.
A expansão tecnológica levou a Envoy ao desafio mais incomum até agora: digitalizar a logística fluvial no Amazonas.
A Bemol, varejista com forte presença na região, relatou que clientes ribeirinhos não sabiam quando suas encomendas chegariam, mesmo conectados à internet por soluções como o Starlink. A partir do momento em que a carga saía do caminhão e entrava no barco, acabava a visibilidade.
A provocação virou projeto. “A primeira questão foi: um barco tem acesso à internet? Com esses modelos satelares, tem”, diz Pessin. A equipe criou mapas hidroviários dentro da plataforma e adaptou o aplicativo para substituir o ícone do caminhão pelo do barco no rastreamento. “O consumidor vê o caminhão virar barco no mapa.”
O impacto é direto. Entregas podem levar até três dias por rio, e quem depende delas — muitas vezes para produtos básicos — precisa prever quando estará em casa. Hoje, cerca de 15 mil pedidos por mês são rastreados no modal fluvial, que movimentou 242 toneladas só em outubro de 2025.
Para 2026, o plano é ampliar o licenciamento de software, crescer entre 30% e 60% dependendo da unidade de negócios e levar a tecnologia fluvial para outros estados com vocação hidroviária. “Nós vamos crescer muito nisso”, diz Pessin.
O mercado é amplo. Enquanto supermercados, moda, farmácias e pet já representam boa parte da demanda — 30%, 25%, 15% e 15% respectivamente entre janeiro e agosto de 2025 — o software tem potencial de captura integral da operação logística dos clientes.
“O varejista nunca te entrega 100% do volume para não ter todos os ovos numa cesta. No software, isso é infinito”, afirma.
Mesmo com o avanço tecnológico, Pessin mantém a visão prática do negócio. Para ele, a entrega continua sendo o momento crítico da relação entre consumidor e varejo.
“Cada sucesso no pacote é um sorriso. No fundo, a gente não é uma empresa de logística; somos uma empresa de marketing da última milha.”
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