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O bilionário da cashmere adora filosofia e encerra o dia às 17h30

Empresa de moda italiana também reformou a cidadezinha medieval italiana de Solomeo

Cucinelli, na sede da empresa: apesar de não ligar para as regras do mercado, o valor de mercado da companhia dobrou desde 2012 (Brunello Cucinelli/Divulgação)
RK

Rafael Kato

Publicado em 14 de março de 2017 às 12h46.

Última atualização em 13 de novembro de 2020 às 13h26.

SOLOMEO, ITÁLIA — "A beleza salvará o mundo". Esta citação do escritor russo Fiódor Dostoiévski aparece na primeira página do site da Brunello Cucinelli, a mais importante companhia de moda italiana especializada em cashmere. Logo em seguida, há uma imagem do fundador homônimo com a frase "O grande sonho da minha vida sempre foi trabalhar para a dignidade moral e econômica do ser humano". Eis, em poucas palavras, a filosofia na base da empresa.

Embora menos conhecida do que impérios da moda italiana como Prada e Gucci , a Brunello Cucinelli é mais um ícone da alta moda, que fatura 450 milhões de euros e cresce 10% ao ano. A companhia vale 1,5 bilhão de euros na bolsa, e seu fundador tem 67% do negócio. No total, são 122 boutiques espalhadas pelas mais badaladas avenidas da moda do mundo (no Brasil, está no Shopping Cidade Jardim, em São Paulo). O carro-chefe são seus delicados pulôveres de cashmere, produzidos à mão e vendidos por milhares de euros por peça. Mas a empresa é também reconhecida por uma gestão única dos funcionários e da cidadezinha onde está instalada.

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Desde que fundou a empresa em 1978, na pequena e pitoresca vila medieval de Solomeo, localizada entre as colinas da Umbria (200 quilômetros ao norte de Roma), Brunello Cucinelli procurou combinar a produção de alta moda com sua visão humanista, sua paixão pela arte e pela filosofia. As regras são claras: fim do expediente às 17h30 para todos, sem marcar ponto na entrada, nada de horas extras e e-mails e telefonemas proibidos fora do horário de trabalho. Quase uma heresia na era dos workaholics. Mais: os funcionários são pagos 20% a mais do que a média salarial do setor.

Para muitos analistas, o modelo jamais daria certo. Para os investidores, como os fundos Fidelity, Oppenheimer ou Capital, era uma incógnita. Mas a empresa prosperou, passando de um pequeno laboratório artesanal com apenas dois funcionários a um grupo que emprega cerca de 1.000 pessoas, com dezenas de empresas parceiras espalhadas em toda a Itália.

Desde que a companhia abriu capital em 2012, na Bolsa de Valores de Milão, o faturamento aumentou 63%. A margem de lucro se mantém na casa dos 10%. A dívida, de 50 milhões de euros, é menos de uma vez o lucro operacional, o que mostra uma estratégia extremamente conservadora. Os investidores adoram: o valor de mercado dobrou desde o IPO.

Tudo isso sem dar espaço a frenesis produtivistas e sem perder o clima de serenidade que se respira dentro da fábrica, visitada pela reportagem de EXAME Hoje. A estrutura foi realizada com materiais sustentáveis, onde até a cantina foi projetada como se fosse um restaurante típico italiano. Os funcionários dali se vestem com uma camisa da empresa, produzidas pela casa, que podem comprar com enormes descontos. No preço de varejo, uma camiseta básica pode custar 300 euros; uma bermuda, 700; um pulôver, 1.000. "Somente quem está rodeado pela beleza consegue ser criativo", diz Cucinelli.

Em 2016, o empresário italiano promoveu um "bônus cultura" para todos os trabalhadores: a empresa reembolsou a compra de livros, ingressos em cinemas, teatros e museus até 500 euros para os solteiros e 1.000 para quem tem família. "A cultura é o fundamento da criatividade, e a criatividade é fundamental para nós", afirma. "São Bento, que nasceu em Norcia, aqui perto, sempre dizia 'cuida a cada dia da mente com o estudo, e da alma com a oração e o trabalho'. Hoje trabalhamos demais. Estamos permanentemente conectados, e é preciso descansar para ser criativo", diz.

Solomeo

Cucinelli se tornou um dos estilistas e empresários mais amados da Itália também por sua paixão pelo território onde nasceu e fundou sua empresa. Nos últimos 30 anos, ele "adotou" a vila de Solomeo, criando uma fundação que adquiriu e reformou todos os palácios históricos da vila medieval, trazendo-os de volta a seu antigo esplendor. Começando pelo castelo do século 12, que transformou metade em boutique e metade em museu.

Cucinelli bancou de seu próprio bolso também a reforma das estradas, da iluminação pública e até das casas de outros proprietários. O objetivo era deixar a vila mais bonita. E por isso também adquiriu todos os galpões industriais abandonados que deturpavam a paisagem para derrubá-los. Chegou a construir um pequeno teatro em estilo renascentista, desenhado por ele próprio e com bustos de mármore de pensadores e escritores clássicos. Hoje, Solomeo se tornou uma pequena joia arquitetônica no centro da Itália. "Meu objetivo era deixar um legado para esse lugar, pois sempre acreditei que temos que valorizar nossa terra, não estragá-la", disse ele a EXAME Hoje.

O empresário recebeu a reportagem em seu escritório dentro do castelo de Solomeo, cheio de livros nas prateleiras, no chão, em cima das mesas e da lareira, misturados com fios de cashmere colorido e velas, outra grande paixão. Com as paredes recobertas de numerosos retratos de poetas, artistas e filósofos como Aristóteles, Kant e Confúcio, chegando até ao Papa Francisco. Trata-se de um ambiente que mais parece o recanto de um pensador que a sala de comando de um industrial.

O empresário cultiva o sonho de uma indústria global com um espírito humanista. É um discurso que ajuda no marketing, mas que está de fato presente no dia-a-dia da companhia. "É uma questão de respeito. Eu quero dar aos funcionários uma nova consciência", afirma Cucinelli, que distribui um terço do lucro anual como bônus para os funcionários, outro terço para a fundação que se esforça para a restauração do patrimônio arquitetônico italiano e o final para si mesmo.

Cucinelli decidiu investir em cashmeres quando tinha 22 anos. Sua família é do campo, da Campagna. Quando era adolescente, seu pai o levou junto aos seus 13 irmãos para a cidade, onde passou a trabalhar numa fábrica de concreto. "Todos os dias meu pai voltava para casa humilhado, sendo ofendido e maltratado constantemente por seus superiores ou colegas. Foi aí que jurei que qualquer coisa eu fizesse na vida, faria para dar dignidade às pessoas", explica Cucinelli. "O imperador romano Adriano sempre dizia: eu nunca conheci alguém que depois de um elogio não sentiu melhor".

Inspirado por sua mãe que tricotava em casa, Cucinelli percebeu que havia uma oportunidade no alto luxo. "Naquela época, li por acaso uma obra de Theodore Levitt, o guru do marketing, que dizia que os países desenvolvidos só conseguiriam se manter competitivos fabricando produtos de alta qualidade e valor agregado, pois um dia nações em desenvolvimento fabricariam os produtos muito mais baratos, com a qual seria impossível competir", diz.

O empresário é otimista com o momento atual da moda. Para ele, os jovens, que até pouco tempo não usavam nada além de calças jeans, descobriram o prazer de ter um armário elegante. "Vestidos clássicos mas descolados, sem o rigor e a rigidez desconfortável da época dos nossos pais, também estão ganhando força". Ao mesmo tempo, diz Cucinelli, estão redescobrindo o valor da qualidade das roupas. "Comprar menos e desperdiçar menos, mas comprar algo de qualidade. São esses os produtos que eu quero oferecer".

Sua nova empreitada, lançada em fevereiro, é o e-commerce da marca, desenvolvido após anos de estudo — sem deixar de lado um auxílio da filosofia. "Há uma bela expressão de Voltaire que diz que, se de seu tempo não aceitares as mudanças, provavelmente ficarás com a parte pior", diz Cucinelli. "Por isso, não posso dizer que não acredito em tecnologia. Quero ser contemporâneo, mas sem perder a alma".

"Valorizo o que Aristóteles considerava a parte mais elevada da filosofia. Dignidade e moral. Um lucro que não danifique o território, que não prejudique a humanidade, que permita pensar ao longo prazo. Esta é uma empresa que deve ter uma visão secular", filosofa o empresário. "Minhas filhas trabalham comigo há anos e organizei um trust para o dia em que eu não estiver mais aqui. Mas a empresa é propriedade do mundo. Nós cotamos na Bolsa para ser mais internacionais, mais abertos, ter a coragem de escutar os investidores e melhorar. A única coisa que peço é que continuem seguindo o meu exemplo: protejam a empresa, preservem a Fundação — e cuidem de Solomeo".

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