Negócios

O adeus multimilionário de Marissa

David Cohen Em algum momento dentro dos próximos três meses, a empresa de telecomunicações Verizon deverá assumir o controle do Yahoo, que comprou por 4,48 bilhões de dólares. Neste momento, a executiva-chefe do Yahoo, Marissa Mayer, perderá seu cargo – e será provavelmente, de forma muito gentil, convidada a deixar a companhia. Ponha gentil nisso. Seu […]

MARISSA MAYER: seu pacote de saída, revelado num relatório para as autoridades financeiras este mês pela empresa, é de 23 milhões de dólares (Stephen Lam/Getty Images)

MARISSA MAYER: seu pacote de saída, revelado num relatório para as autoridades financeiras este mês pela empresa, é de 23 milhões de dólares (Stephen Lam/Getty Images)

DR

Da Redação

Publicado em 24 de março de 2017 às 12h18.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h07.

David Cohen

Em algum momento dentro dos próximos três meses, a empresa de telecomunicações Verizon deverá assumir o controle do Yahoo, que comprou por 4,48 bilhões de dólares. Neste momento, a executiva-chefe do Yahoo, Marissa Mayer, perderá seu cargo – e será provavelmente, de forma muito gentil, convidada a deixar a companhia. Ponha gentil nisso. Seu pacote de saída, revelado num relatório para as autoridades financeiras este mês pela empresa, é de 23 milhões de dólares.

Há quem ache que este é um valor alto demais para uma executiva que, sob quase qualquer ângulo, fracassou em sua missão de revitalizar uma empresa em dificuldades. Para esses, há pelo menos o consolo de que 23 não é 44, nem 55. Mas é um consolo vão.

Em julho de 2016, um relatório do Yahoo revelava que o pacote de rescisão de Marissa seria de 55 milhões de dólares. Em setembro, quando a venda para a Verizon foi anunciada pela primeira vez, calculou-se que ela receberia 44 milhões.

As duas cifras estão erradas. Não porque a compensação de Marissa tenha caído, e sim porque a maior parte dela é paga em opções de ações (contratos que permitem exercer o direito de comprar ações a um preço pré-fixado, após um prazo determinado). Ocorre que nesse breve período boa parte das opções já “vestiu”, ou seja, atingiu o prazo em que ela poderia receber as ações.

De acordo com cálculos do jornal The Los Angeles Times, o pacote de rescisão de Marissa, portanto, está bem mais perto dos 80 milhões de dólares do que dos anunciados 23 milhões – contando as ações que já “vestiram” e a parcela cujo prazo será antecipado em caso de desligamento.

Segundo cálculos do site da revista Fortune, mesmo este número está aquém da realidade. A verdadeira cifra seria acima de 122 milhões de dólares. Ela inclui a valorização que as ações tiveram desde o anúncio das negociações entre Verizon e Yahoo; o bônus por desempenho que ela provavelmente não ganharia mas que, graças à venda, pode receber; e as ações que ela ganhou ao longo dos anos como CEO e que agora poderia vender sem nenhum constrangimento.

Além disso tudo, o acordo com a empresa prevê o pagamento do salário de Marissa durante dois anos após seu desligamento – 1 milhão de dólares por ano – e, claro, as prestações do seguro saúde dela, a bagatela de 26.300 dólares por ano. Ah, sim, a empresa ainda deverá lhe pagar 15.000 dólares em serviços de recolocação no mercado, porque afinal de contas a vida de desempregado pode ser difícil.

A conta da Fortune não é inteiramente justa. Ela inclui no pacote de rescisão uma parte considerável da compensação de Marissa em seus quase cinco anos de casa – algo em torno dos 160 milhões de dólares. A rigor, o que Marissa leva no acordo é a antecipação dos prazos em que suas opções venceriam. Ainda assim, dados os resultados do Yahoo em todos esses anos, cabe a pergunta:

Ela merece tanto?

Quando foi contratada pelo Yahoo, em 2012, Marissa Mayer parecia ser uma heroína: uma das poucas mulheres do clubinho jovem masculino do Vale do Silício, ela vinha do Google, onde entrara como a funcionária número 20 e subira até uma vice-presidência e à supervisão da divisão de mapas da empresa. Aos 37 anos, também demonstrava uma energia quase ilimitada para o trabalho – em seu primeiro ano no Yahoo, tirou apenas duas semanas de folga depois do nascimento do primeiro filho. (Três anos depois, repetiria a pressa em voltar ao trabalho depois do nascimento de suas duas gêmeas).

Não bastassem suas credenciais profissionais, ela era (e é) uma mulher linda. Parecia ser a solução perfeita – em termos técnicos, de gestão e de marketing – para os incontáveis problemas que o Yahoo enfrentava.

Na época, a companhia estava claramente sem rumo, tendo passado por quatro executivos-chefes em cinco anos. Nenhum dos antecessores de Marissa havia sido capaz de conter o declínio da companhia.

Durante a bolha das empresas ponto-com na virada do milênio, o Yahoo, então o maior mecanismo de buscas e um poderoso portal da internet, chegou a ter um valor de mercado de 134 bilhões de dólares. Hoje, suas ações somam pouco mais de 44 bilhões de dólares – e isso graças aos 15% de participação na gigante do comércio chinês Alibaba, responsáveis por mais de três quartos de seu valor.

Não foi apenas o estouro da bolha que abateu o Yahoo. Seu mecanismo de buscas foi derrotado pelo Google – uma empresa que o Yahoo tentou comprar em 2001, por 1 bilhão de dólares – e o portal definhou, quando o tráfego online migrou para o Facebook e o Twitter.

Na tentativa de construir alternativas, a empresa investiu em se tornar um centro de informações, com o Yahoo Sports e o Yahoo Finance. Mas essas iniciativas nunca chegaram a decolar.

A inclinação de Marissa

Com uma trajetória dessas, não é de admirar que a empresa precisasse de um super-herói. Muita gente acreditou que Marissa fosse desempenhar a função. Mas a crença começou a se deteriorar rapidamente.

Marissa se mostrou uma líder com dificuldades para gerir pessoas e, talvez pior, inclinada a gastar muito dinheiro em tacadas duvidosas.

Em quatro anos, ela torrou quase 3 bilhões de dólares na compra de mais de 50 startups, e não conseguiu nem reverter a queda de receitas nem a fuga de talentos da empresa. Um exemplo barato, para os padrões de gastos, mas simbólico foi a contratação da jornalista Katie Couric para servir como âncora global de notícias, pelo módico salário de 6 milhões de dólares por ano (depois aumentados para 10 milhões, segundo rumores).

Outro exemplo, não tão barato, foi a compra da rede social Tumblr por 1,1 bilhão de dólares, em 2013, e o reconhecimento, dois anos depois, que o valor contábil que atribuiu à compra tinha de ser reduzido à metade.

Pode-se dizer, é claro, que ela pelo menos tentou fazer alguma coisa. São raros os executivos que conseguem promover a volta por cima de uma companhia em crise, e é difícil saber o quanto da virada é resultado de uma estratégia genial, quanto é devido às condições específicas da companhia. (A IBM, por exemplo, tinha um ativo extraordinário de pessoas brilhantes quando Louis Gerstner fez o pivô para uma nova atividade; a Microsoft tinha uma receita abismal, capaz de a sustentar ao longo de vários erros colossais, até achar um novo líder e uma nova estratégia que parecem estar dando certo.)

Mesmo com essas ressalvas, porém, é difícil não questionar as escolhas de Marissa. Em seu primeiro ano na firma, empenhou-se com afinco no projeto de… mudar o logo da companhia. Anunciou, com orgulho, que o ponto de exclamação ao final do nome da empresa agora tinha uma inclinação de 9 graus, que lhe conferia uma sensação de movimento.
Enquanto Marissa se ocupava com tanto zelo ao ponto de exclamação, a empresa sofreu uma ocorrência que viria a provocar um senhor espanto. E inclinou-se muito mais do que 9 graus em direção ao abismo.

Em 2013 e, novamente, em 2014, hackers russos invadiram a rede de usuários dos serviços de mensagens do Yahoo e roubaram informações pessoais de mais de meio bilhão de contas. Marissa afirmou que não ficou sabendo dos ataques até setembro de 2016, dois meses depois do acerto da venda do Yahoo para a Verizon. A declaração a livra da acusação de má-fé, em troca da confissão de mera incompetência.

De qualquer modo, o caso custou 350 milhões de dólares ao Yahoo. Depois de meses de renegociação – a Verizon queria um desconto no preço combinado, dado o potencial pagamento de indenizações – o negócio foi recolocado de pé em fevereiro. Só que, em vez dos 4,83 bilhões de dólares do acordo original, a Verizon pagará 4,48 bilhões.

O preço da missão quase impossível

Este valor é cerca de 10% do valor de mercado do Yahoo – porque exclui as participações da companhia no Alibaba e no Yahoo Japan, as duas operações que não têm nada a ver com os produtos e serviços que a empresa desenvolve e que são responsáveis por praticamente todo o seu capital. As participações vão ser incorporadas em uma nova empresa, com o nome de Altbaba.

Desde o início de 2015, praticamente todo o valor do Yahoo vem de seus investimentos na China e no Japão. Foram, curiosamente, fracassos retumbantes que se tornaram sucessos duradouros. No Japão, o Yahoo não conseguiu enfrentar a concorrência do portal montado pelo Softbank, do empresário Masayoshi Son, e vendeu-lhe a operação, ficando com uma participação (hoje de 35%). Na China, escaldado, em vez de tentar conquistar o mercado sozinho, o Yahoo se uniu ao Alibaba, de Jack Ma.

Esse encolhimento do Yahoo não pode ser debitado na conta de Marissa. Já vinha de muito antes. De certa forma, é uma sorte que a Verizon tenha decidido apostar em seus negócios de buscas, site e anúncios mobile. Para ela, trata-se de uma chance de ganhar escala para fazer dinheiro com publicidade no mundo digital, dada a estagnação nos negócios de telefonia tradicional. A compra do Yahoo se segue à compra, também por 4,4 bilhões de dólares, da AOL, que já foi um portal e servidor de emails e hoje é principalmente uma tecnologia de venda programática de anúncios digitais (em que algoritmos decidem a distribuição das propagandas junto de conteúdos pertinentes aos usuários que são alvo da campanha).

Não há como saber se essa nova vida do Yahoo, sob o controle da Verizon, vai dar certo. É possível até que a nova dona mantenha seu nome, como uma submarca (do mesmo modo como tem feito com a AOL). O que parece seguro é que a empresa jamais será grande como já foi um dia. Nesse sentido, Marissa Mayer fracassou. Mas terá ela sido pior que seus seis antecessores?

A despeito de seus pontos fracos – ela não tinha nenhuma experiência para a missão de promover a virada de uma empresa; ela foi acusada de não ouvir as pessoas; houve até processos por discriminação contra homens na empresa – é sabido que Marissa aceitou uma missão quase impossível.

Embora funcionários do Yahoo a tenham recebido com cartazes com sua foto e a palavra “esperança”, a empresa muito provavelmente já estava além de qualquer esperança. E isso explica o tamanho da compensação financeira.

Não demorou muito tempo para que os funcionários mudassem o modo de se referir a ela. Em vez de portadora da esperança, ouvia-se o apelido de “Evita”, em alusão ao ego e à ambição da ex-primeira-dama da Argentina retratada num musical da Broadway.

Dito isso, o futuro de Marissa pode ainda ser cor de rosa. Mesmo sem ter alcançado o sucesso, sua experiência como CEO a coloca em outro patamar no mundo dos negócios. Ela pode não ter conseguido consertar a empresa, mas vendeu-a a um preço razoável.

Por outro lado, ela gastou quase 3 bilhões de dólares e não apresentou nenhum avanço significativo em receita ou lucro. Quando seus planos deram errado, pressionada por investidores, Marissa se voltou para o outro lado da equação: corte de custos (e de empregos). Se tivesse posto o Yahoo à venda assim que entrou, talvez os acionistas tivessem lucrado mais. E haverá sempre uma nódoa em seu currículo: o escândalo da invasão de contas demonstrou uma brecha enorme da liderança da empresa. Ainda ressoa a dúvida sobre por que a empresa demorou tanto para descobrir a fraude e avisar os usuários.

Acompanhe tudo sobre:Exame Hoje

Mais de Negócios

10 franquias baratas para quem quer deixar de ser funcionário a partir de R$ 2.850

Mukesh Ambani: quem é o bilionário indiano que vai pagar casamento de R$ 3,2 bilhões para o filho

De vendedor ambulante a empresa de eletrônicos: ele saiu de R$ 90 mil para mais de R$ 1,2 milhão

Marca de infusões orgânicas cresce com aumento do consumo de chás no Brasil e fatura R$ 6 milhões

Mais na Exame