Diego Barreto, do iFood: uma pessoa que começa a usar o iFood hoje consome cinco vezes por ano. Cinco anos depois, está consumindo 30 vezes, na média (iFood/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 22 de maio de 2024 às 11h52.
Última atualização em 22 de maio de 2024 às 13h11.
Diego Barreto é o novo CEO do iFood desde a semana passada. Mineiro de Uberaba, cidade do Triângulo Mineiro, ele chegou ao Grupo Movile em 2016 e passou para o iFood dois anos depois, atuando como vice-presidente de Finanças e Estratégia. No novo cargo, Barreto assume um negócio que movimenta R$ 6 bilhões mensalmente, gerados a partir de mais 96 milhões de pedidos, e que procura expandir os seus mercados a cada instante.
"Quando eu vim para o grupo Movile, em que o iFood está inserido, eu tomei uma decisão de abrir mão de 60% do salário que eu ganhava antes. O que eu apostei quando eu vim pra cá? A minha aposta era que a tecnologia digital, essa ultraconectividade, com maior possibilidade de escolha para a pessoa física, ia mudar muitas cadeias de valor", afirma.
Com o novo chapéu, o executivo quer manter o foco da operação na criação de um ecossistema e usa a palavra 'frequência' como um mantra para seguir na dianteira das entregas, mercado em que o iFood tem participação superior a 80%. Ele substitui a Fabricio Bloisi, fundador da Movile e presidente do IFood, que deixou a operação para assumir a gestora de investimentos Prosus, controladora do aplicativo.
Em entrevista exclusiva à EXAME, Barreto fala sobre as novas fronteiras do negócio, o lançamento das maquininhas próprias, questões trabalhistas e ainda sobre a cultura de inovação.
Em um vídeo postado no Linkedin, você disse que fará uma gestão de continuidade, mas cada um tem sua expertise, personalidade e a forma de ver o negócio. Para onde você está olhando agora?
Eu estou olhando para o mesmo lugar. O que a gente pode discutir aqui é a forma de chegar a esse lugar. Mas a visão do iFood foi construída de forma conjunta e esse atual ciclo foi discutido há meses atrás. Eu diria que onde eu quero chegar é no mesmo lugar que todos querem chegar. Isso eventualmente vai mudar ao longo do tempo. No iFood, nós temos duas premissas muito importantes. Uma é foco e a outra é discordar, mas se comprometer - ou seja, pode discordar numa decisão aqui, mas na hora que chegamos nela, seja a que você propôs ou a que eu propus, os dois seguem juntos.
E onde vocês querem chegar?
Queremos chegar numa empresa que tem uma capacidade enorme através de um ecossistema - ou seja, onde você tem inúmeros pontos de contato, restaurantes, entregadores, consumidores, mercados, pet shops, farmácia - de conseguir ter um nível de interação muito alto. Isso é o que cria a possibilidade de você gerar muito mais renda.
Como fazer isso?
Um exemplo prático é a construção da logística para os restaurantes. Quando fizemos aquilo, parecia só logística para esses canais. No momento em que começamos a vender mercado, pegamos a logística e a evoluímos também para fazer entrega de mercado. Um entrega numa moto, outro num carro, numa van etc. No momento em que o mercado começa a sair do supermercado e vai para o atacadista, essa logística serve, mas também serve para o atacadista vender para o próprio restaurante. Ou seja, o restaurante que costuma comprar de um atacadista, passa a comprar dentro do próprio iFood. Você consegue ver aqui uma evolução da logística, uma evolução do mercado, como essas duas coisas voltam para o próprio restaurante. É isso que chamamos de um ecossistema que pode se alavancar e fazer com que o mesmo ponto de contato ganhe mais porque existe aquela malha ultraconectada. Estamos olhando para isso junto com uma palavra muito importante que é conveniência. A combinação deste ecossistema com altíssima conveniência é o lugar onde queremos chegar.
O iFood já opera no positivo desde meados de 2022 e vem expandindo as camadas de negócio. Quais são as novas fronteiras de crescimento?
Nós crescemos na casa dos 40% no ano passado. Esse crescimento veio e virá daqui para a frente de um lugar chamado frequência. Não são novas verticais, não são novos negócios, é frequência. Ou seja, aqueles pontos de contato que eu mencionei vão aumentar cada vez mais a possibilidade de alguém que antes comprava quatro vezes por mês, comprar oito vezes. Um dado que temos aqui: uma pessoa que começa a usar o iFood hoje consome cinco vezes por ano. Cinco anos depois, está consumindo 30 vezes, na média. O crescimento é via frequência, por isso o nível de serviço muito alto e muitas pontes de contato entre esses stakeholders do ecossistema para permitir o aumento do número de ocasiões, reduzir preço, melhorar serviço, entre outras coisas.
A posição de iFood dentro de restaurantes é bem conhecida e está consolidada. Entre as verticais, o que impulsiona o negócio? Apesar de o restaurante estar consolidado, o crescimento no ano passado passou de 30% porque nós temos trabalhado essa frequência. O Mercado, que engloba farmácias e petshops, e a fintech, com crédito aos restaurantes e benefícios, crescem a taxas bem superiores a 50% ainda, mas já representam 40% de todo o negócio. Benefícios, por exemplo, nós dobramos no ano passado e devemos dobrar de novo agora, chegando ao final deste ciclo com 1,3 milhão de vidas.
Dentro dessa visão de ecossistema e frequência, como trazer mais usuários para dentro da plataforma?
É uma soma de vários movimentos. O primeiro é a capacidade de oferecer preço baixo - o brasileiro é sensível a isso - e esse é um trabalho muito forte que fizemos ao longo desses anos. Nós temos atraído as pessoas com a percepção de que o preço é um bom preço e, portanto, eles ficam por causa disso. O segundo tem a ver com oferta. Ou seja, a pessoa que um dia entrava aqui para comer sushi, passou para o hambúrguer, pizza e ficou para o jantar, café da manhã… Assim, eu vou criando essas ocasiões para que as pessoas descubram e criem essa recorrência. E o último ponto é criação de hábito, como comprar no supermercado online, o que não fazíamos há três anos. Eu diria que a soma desses três elementos é o marca, em especial, essa capacidade de subir a frequência ao longo do tempo.
Por falar nisso, a experiência no mercado ainda é complexa, muitas vezes os pedidos chegam errado. Como você vê a evolução deste serviço?
A operação de mercado é muito mais difícil porque a quantidade de itens é muito maior. Quando você entra num restaurante, tem 20 itens no cardápio. Num supermercado, tem 3 mil. Então, sim, você tem razão, o serviço de mercado não está no mesmo nível de restaurante, mas vamos lembrar que o restaurante também foi muito ruim há 10 anos, não tinha mapa de localização, chat. O que eu estou querendo dizer com isso? O supermercado está vivendo essa jornada. Portanto, o nível de dedicação dele para melhorar essa operação junto conosco é cada vez maior e o serviço ficará cada vez melhor. Daqui a um ano ou dois, você vai olhar e falar: ‘isso aqui está muito melhor, o que vai transformar o hábito e aumentar a frequência’.
Nessas mudanças do iFood, uma prestes a chegar ao mercado é a maquininha própria de cartão. Qual é a proposta com ela?
Nós acreditamos que esse negócio tem muito valor a partir de uma nova proposta de valor. Não estamos criando uma maquininha para que ela seja igual às outras, senão nós teríamos que competir por preço. Não acreditamos que empresas de tecnologia deveriam adotar esse tipo de estratégia. O que vamos fazer na prática é conectar a maquininha que transaciona o pagamento com o CRM que eu tenho no iFood. Ou seja, toda a relação que eu já tenho com o restaurante, que eu já tenho com o consumidor, eu levo para uma experiência da máquina. Quando o usuário entra no iFood hoje, ele sabe o restaurante em que pediu a última vez. Quando pede no restaurante, o estabelecimento sabe se você é um consumidor frequente ou não. Essas informações, em última instância, geram o tráfego online. O que eu vou fazer é levar essa experiência para o mundo offline, só que hoje eu faço isso no aplicativo. No mundo offline, eu vou fazer na maquininha. Imagina a experiência em que o cliente chega em um restaurante, passa o cartão de crédito, e o estabelecimento recebe a informação de que aquela pessoa já pediu 10 vezes online e nunca tinha pedido offline. Pode ser um indicativo de que a pessoa trabalha na região e, portanto, pode virar um consumidor habitual. Eu vou incentivar isso. No lugar de mandar uma promoção no online, o restaurante pode mandar no offline. A maquininha cria um valor para gerar tráfego para o salão.
Ou seja, ao longo dos anos o iFood estimulou o caminho para o online. E com essa iniciativa fará o oposto?
Isso, só que ao invés de ter um aplicativo gerando tráfego, você tem a maquininha como ferramenta de gerar tráfego. Nós já estamos operando 1000 restaurantes aqui na Grande São Paulo e terminando de acertar a operação para começar o processo de expansão. Sob a ótica da informação e da capacidade de geração de tráfego no salão, eu estou seguro. O que eu preciso agora é ter uma operação, por exemplo, de distribuição de maquininha, o que leva mais tempo para escalar. Mas nos próximos 90 dias, essa operação provavelmente vai estar no nível em que nós estaremos satisfeitos e a escala começa a partir daí.
Além da questão básica entre cobrança de uma taxa pelo uso das maquininhas, o que o iFood ganha ao fomentar essa dinâmica?
Eu tenho um ganho natural da maquininha, o MDR (taxa de processamento por transação), e eu tenho o aumento dessa frequência, que vai aumentando esse engajamento de todas as pontas. O restaurante passa a vender mais comigo, o que me permite dar mais crédito pra ele, que tem um potencial de expandir e trazer mais consumidor pra mim, gerando mais renda para o entregador. Assim, todo mundo vai crescendo.
Você mencionou a fintech do iFood. Qual a importância desta vertical para a operação?
Essa operação é 100% focada no restaurante que está no iFood. Essa é uma operação que a gente não tem pressa de crescer porque crédito é difícil. Dito isso, nós temos crescido sistematicamente por 24 meses seguidos e faz 24 meses que o meu retorno na carteira de crédito melhora. É uma empresa que já superou o breakeven, que dá retorno. Eu vou crescer aceleradamente? Não. A importância aqui é aumentar essa relação minha com o restaurante e direcionar esses recursos em especial para a operação para permitir o crescimento dele. Então, não tenho pressa, não vou sair dos restaurantes do iFood, não vou sair do meu ecossistema. Esta é uma carteira que está chegando a R$ 1 bilhão em ativos.
Uma questão latente no mercado é a regulamentação dos trabalhadores de aplicativos. Andou um pouco mais com apps de corrida, como Uber e 99, mas parou em vocês, com os entregadores. Como está esse processo?
Depois da divulgação da proposta para regular os motoristas de carro, nós voltamos a falar com o governo. Existe um diálogo, esse é um primeiro ponto. O segundo que é importante e acho que precisamos desmistificar é que existe uma boa intenção de todas as partes na mesa e está todo mundo ali olhando numa mesma direção. A forma e os limites, às vezes, apresentam dificuldades, mas é preciso dizer isso. As pessoas não estão ali brigando uma com as outras, e sim discutindo para formular política pública. Nós vemos as coisas caminhando bem, evoluindo, amadurecendo. Entendemos que a grande maioria dos temas que viriam com um projeto de lei parecido com dos motoristas de carro, nós já praticamos. As entregadoras que estão no iFood já têm licença-maternidade, os entregadores como um todo têm seguro acidente, seguro de vida, acesso à telemedicina e à educação - todos os entregadores aqui que desejarem se formar no ensino são custeados pelo iFood. No ano passado, nós formamos 5 mil e este ano acreditamos que serão cerca de 10 mil. Então, nós já evoluímos muito aqui. Acho que o principal ponto agora da discussão é a questão previdenciária e continuamos procurando uma forma em que a empresa possa financiar uma parte relevante e o entregador uma parte menor. E que esse entregador, na prática, possa utilizar esses benefícios de proteção social e de presidência. A proposta anterior, apesar das contribuições, não atingia 100% dos entregadores. Estamos trabalhando para encontrar uma fórmula em que, todas as vezes que o iFood ou qualquer empresa como a nossa e os entregadores coloquem dinheiro, eles possam ser contemplados na Seguridade Social. Essa equação que está difícil porque é complexa mesmo e estamos trabalhando com o governo para tentar achar isso.
Nesta mesma linha trabalhista, o ifood tinha oferecido R$ 17 por hora de trabalho, valor que não foi aceito pelo sindicato da categoria. Como estão essas conversas?
Nós não voltamos a falar sobre isso. O valor que nós entendemos que mantém equilíbrio da rentabilidade do restaurante, da disposição do consumidor de comprar e da garantia de um patamar digno de remuneração com o entregador é exatamente na casa dos seus 17 reais. Então, é em cima disso que a gente continua contando, mas a gente não voltou a discutir esse tema.
Quem é o Diego que assume a operação do iFood?
A decisão de vir pro iFood foi uma decisão consciente. Quando eu vim para o grupo Movile, em que o iFood está inserido, eu tomei uma decisão de abrir mão de 60% do salário que eu ganhava antes. O que eu apostei quando eu vim pra cá? A minha aposta era que a tecnologia digital, essa ultraconectividade, com maior possibilidade de escolha para a pessoa física, ia mudar muitas cadeias de valor. Basicamente, é o que nós concretizamos hoje com o nome do Nubank, do Mercado Livre e da Sympla. E o pessoal da Movile me achou porque eu me aproximei muito do ecossistema de startup, que naquela época era muito pequenininho aqui no Brasil. Mas eu fiquei curioso e comecei a mentorar, a aprender com elas e, em um certo momento, o pessoal me ligou e falou: estamos precisando de gente aqui, estamos procurando sofisticação em alguns elementos, empresas que são maiores porque a nossa empresa está crescendo. Mas acima de tudo, estamos te ligando porque você, além disso, você tem a nossa lógica de pensar e a nossa cultura. A Movile me escolheu por isso, e a minha a minha jornada aqui dentro partiu do pressuposto que eu tinha que entender a cultura, o modelo de gestão e os hábitos, como o de sonhar grande, ter um perfil de empreendedor, entre outras coisas. E ao longo desses anos, eu fui adicionando isso, eu fui aprendendo. Comecei ruim e fui ficando melhor. Aí, eu pegava outra coisa ruim e ia ficando melhor. Em algumas, eu fiquei excelente, em outras eu ainda preciso evoluir.
Como foi o processo para você assumir como CEO? Como chegou o convite?
Em 2020, no segundo semestre, o Fabrício me procurou e disse: ‘nós não temos nenhuma necessidade agora, mas em algum momento, dado o que a empresa está atingindo, nós faremos algum movimento mais transformacional. Quando acontecer, você tem o perfil, as funções e o status para ser o meu sucessor. Entre o segundo semestre de 2020 e março de 2024, nós voltamos a tocar nesse tema algumas vezes, mas de forma en passant. Lá, em 2020, nós falamos muito sobre as minhas fortalezas e os gaps e eu fui trabalhar essas minhas lacunas nesse período para que quando e, se acontecesse esse movimento, eu pudesse estar preparado. 45 dias atrás, no começo de março, veio o começo dessa conversa. É neste momento que começamos a trabalhar juntos nisso, mas a decisão da Prosus só saiu uns 15, 20 dias atrás.
O iFood nasceu na chamada “nova economia” e ocupa a liderança de mercado. Como não se tornar mainstream?
Essa é uma questão super importante, em especial para nós aqui, que estamos com 6 mil pessoas e vendemos hoje 6 bilhões de reais por mês. E a resposta é simples, porém muito difícil de executar: cultura, cultura, cultura. Quem tem que trabalhar aqui são as pessoas que compreendem os meus valores e exercem os meus valores. Eu tenho que, todo dia, brigar, no bom sentido da palavra, para mobilizar as pessoas para entenderem a forma de operar aqui dentro: pouco burocrática, de muita transparência, com uma visão muito empreendedora, de entender o impacto que geramos no pequeno empreendedor, no restaurante, na pessoa que está vindo buscar renda como entregador. E aí, no momento em que eu trabalho fortemente para manter isso, eu deixo de criar as burocracias naturais típicas de empresas que vão ficando grandes. Quando eu olho para o que mais cresce no iFood hoje, são coisas que foram criadas dois, três anos atrás. Quando eu olho para o que já é relevante no iFood hoje, acima de 10% das vendas, eu já estou falando de cinco, seis negócios comparado com aquele original. Então eu continuo vendo muita coisa e essas coisas, as inovações, são oriundas da cultura do iFood. Não tem professor Pardal, não tem comitê de investimento. A nossa cultura de pessoas que sabem como trabalhar internamente de forma muito simples, muito fácil, com giros muito curtos para validar hipóteses e, portanto, tomar decisões com base na experiência real e não em PPT. O vale refeição é um exemplo de algo que não tem nada a ver com a forma anterior que operava nesse mercado e também esse nosso negócio de maquininha.