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Nem a brita escapa na ferrovia Norte-Sul

Estudo revelou que a qualidade das pedras está em total desconformidade com o que exige a própria Valec, estatal responsável pelo empreendimento


	Trilhos: estudo revelou que a qualidade das pedras está em total desconformidade com o que exige a própria Valec
 (Antonio Heredia/Bloomberg)

Trilhos: estudo revelou que a qualidade das pedras está em total desconformidade com o que exige a própria Valec (Antonio Heredia/Bloomberg)

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Da Redação

Publicado em 1 de outubro de 2016 às 10h19.

Brasília - Nem mesmo as pedras usadas na construção da Ferrovia Norte-Sul estão imunes às irregularidades que marcam a história de uma das obras logísticas mais caras do Brasil, inflada por frequentes superfaturamentos.

Um ensaio técnico feito com as milhares de toneladas de britas usadas em um dos lotes da ferrovia, na região de São Simão, em Goiás, revelou que a qualidade das pedras está em total desconformidade com o que exige a própria Valec, estatal responsável pelo empreendimento, ou mesmo com as especificações técnicas da ABNT e as normas internacionais do setor.

A conclusão faz parte de um relatório do Laboratório de Materiais de Construção Civil do Instituto de Pesquisas Tecnológicas (IPT). Depois de analisar a formação das britas usadas na obra desse lote, foram constatados problemas graves com a porosidade das pedras.

Foram feitos 20 ensaios para testar a dureza da brita. Nenhum deles chegou à tolerância admitida pelas normas técnicas.

Os resultados apontaram um teor de porosidade de até 14,16% no pedregulho, quando o limite máximo previsto pela própria Valec é de apenas 1%.

A presença de barro encontrado nas pedras foi outra surpresa. Os estudos revelaram um alto teor de torrões de argila nas amostras coletadas. O volume máximo permitido, conforme as regras técnicas, é de 0,5%, mas os resultados apontaram um teor de 16,15%.

Auditoria. As informações do IPT foram incluídas em um relatório do Tribunal de Contas da União (TCU), que analisou o andamento das obras do trecho sul da Norte-Sul, malha de 682 quilômetros de extensão que está em construção entre os municípios de Ouro Verde (GO) e Estrela D'Oeste (SP).

"Há uma série de ensaios realizados, porém os índices encontram-se reprovados em todos", afirma a auditoria feita pelo TCU, após analisar os estudos do instituto de pesquisa.

A constatação da baixa qualidade das pedras, no entanto, não fez com que a empreiteira Constran, responsável pelo trecho, deixasse de utilizá-la. "O laudo do IPT opinou pela reprovação da brita como lastro ferroviário, porém não se obteve maiores informações acerca das razões que motivaram a empresa a persistir com a aplicação de insumos pétreos não aprovados pela Valec", declaram os auditores da corte de contas.

O levantamento do TCU aponta que a empreiteira já movimentou mais de 410 mil metros cúbicos de pedra para tocar as obras em seu lote de 168 quilômetros de extensão, operações que já consumiram R$ 52 milhões, a preços de 2009.

A preocupação com o que já foi executado no trecho é grande, porque o uso das pedras de baixa qualidade em estruturas de concreto, como pontes e dormentes, pode reduzir a vida útil dessas estruturas, o que eleva o risco de acidentes.

Suspensão

Antes mesmo de apurar toda a extensão física e financeira do problema, ou seja, quais as estruturas e a quantidade de pedra que foi utilizada, o Tribunal de Contas da União determinou que a Valec suspendesse imediatamente o trabalho no lote da Constran. A estatal confirmou à reportagem que paralisou as obras e o uso da brita no trecho.

A nova "pedra" no caminho da Norte-Sul pode comprometer ainda mais seu cronograma, que previa conclusão de todo o trecho sul até julho de 2017, um atraso de cinco anos em relação ao prazo original.

Ao analisar esse risco, o TCU concluiu que é melhor parar agora o empreendimento do que prosseguir com o uso de pedras de baixa qualidade.

Seria necessário interromper o tráfego da ferrovia para refazer a estrutura, declarou o ministro-relator do processo, Augusto Sherman Cavalcanti. "Uma maior extensão a ser refeita implica em maiores prejuízos e em aumento do tempo sem a possibilidade de prestação dos serviços de transporte ferroviário", afirmou, em sua conclusão.

Agora, o TCU quer entender porque Valec, Constran e Contécnica Consultoria Técnica, que analisou o trecho, deram autorização para que se usasse a brita retirada da Pedreira Fazenda Confusão do Rio Preto, uma vez que os ensaios técnicos do IPT já tinham revelado que as pedras não atendiam às exigências técnicas adotadas pela própria estatal federal.

Questionada sobre o assunto, a Valec informou apenas que "a matéria está sob análise" e que cobrou explicações da Constran e da Contécnica. A empreiteira declarou que não vai comentar o assunto. A Contécnica não respondeu aos pedidos de esclarecimentos. Em sua conclusão, o TCU determinou à Valec que identifique "a extensão do dano e os responsáveis pela aquisição e aplicação de lastro de brita impróprio".

Alvo frequente de adiamentos, esquemas de superfaturamento e irregularidades apuradas pelo tribunal de contas e a Polícia Federal, o trecho sul da Norte-Sul viu seu orçamento saltar de R$ 2,7 bilhões para R$ 5,1 bilhões, segundo o orçamento mais recente. A malha de 682 km está em fase de conclusão, com mais de 90% de suas obras executadas.

Com a Constran, um dos principais alvos da Operação Lava Jato, o contrato da ferrovia é de R$ 612 milhões. Até maio, a execução das obras no lote da empreiteira chegava a 79% do previsto.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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