Negócios

Como a maternidade impulsiona o empreendedorismo feminino

A chegada dos filhos motivou a decisão de empreender para sete em cada dez donas de pequenos negócios no país

Eduarda Lopes, mãe da Catarina: dispensada no fim da licença-maternidade, ela criou com a irmã uma marca  sustentável de cosméticos. (LUANA CARVALHO)

Eduarda Lopes, mãe da Catarina: dispensada no fim da licença-maternidade, ela criou com a irmã uma marca sustentável de cosméticos. (LUANA CARVALHO)

Publicado em 10 de janeiro de 2025 às 14h12.

Uma semana antes do fim da licença-maternidade, Eduarda Bonaroski Gameiro Lopes recebeu a notícia de que seria dispensada do trabalho. Na empresa há anos, foi demitida em uma chamada de vídeo, em menos de 10 minutos. Foi um baque. Em meio a todas as dificuldades que vieram depois, ela enxergou na situação uma oportunidade única de seguir com seus anseios profissionais e financeiros realizando um sonho antigo ao lado da irmã: empreender. As duas criaram uma marca de cosméticos, a KOTE Skincare. “Ela reflete tudo o que a gente acredita e quer para um mundo melhor e mais sustentável. A KOTE é uma marca orgulhosamente female founded, clean beauty, vegana, formulada com superalimentos e ativos de alta performance”, descreve.

Muitas das histórias de empreendedorismos começam assim como a de Lopes, motivadas pelos desafios que chegam com a maternidade – seja por uma demissão no pós-licença, que infelizmente ainda acontece com frequência, ou pela impossibilidade de conciliar os horários de expediente de um trabalho formal com as novas atribuições como mãe, especialmente para aquelas que não contam com uma rede de apoio. Empreender surge nesse momento como um caminho de mais flexibilidade e autonomia para muitas mulheres equilibrarem trabalho, geração de renda e o maternar.

Uma pesquisa de 2023 do Sebrae confirma o quanto a maternidade está ligada ao empreendedorismo feminino: para 68% das mulheres à frente de pequenos negócios no país, a chegada dos filhos pesou muito na decisão de abrir a empresa. Entre as que são MEI, a proporção é ainda mais alta, de 71%. Hoje, das 10,1 milhões de empresárias, 67% são mães, a maioria de crianças até 12 anos.

Eduarda Lopes, mãe da Catarina: depois de ser dispensada no fim da licença-maternidade, criou com a irmã uma marca sustentável de cosméticos (Sebrae/Divulgação)

Juntas pela liberdade financeira

Dani Junco, hoje uma referência em empreendedorismo na maternidade, se encaixava nesse perfil quando criou sua empresa. Mãe de Lucas, de 8 anos, em 2016, ainda grávida, ela fez das próprias inquietações quanto ao seu futuro profissional um negócio precursor, para ajudar outras mulheres na mesma situação. Junco é fundadora da B2Mamy, uma socialtech que conecta mães em comunidade, para que sejam livres e líderes economicamente. Trata-se do único one-stop-shop da maternidade no país.

Mais de 200 mil mulheres estão conectadas na comunidade, que atua baseada em três pilares: educação, por meio de uma plataforma assíncrona de cursos e formações em tecnologia, empreendedorismo, soft skills e hard skills; networking, com a realização de cerca de 60 eventos por ano, entre presenciais e online; e saúde e bem-estar, que leva conteúdo, workshops e benefícios, como acesso a vacina, exames e psicólogos, por exemplo.

“As soluções da B2Mamy têm sempre como objetivo final a liberdade financeira, que essas mulheres ganhem dinheiro. Ponto. A ideia aqui é que o dinheiro rode, cresça e vá para a mão delas: estudar para ganhar dinheiro, conhecer novas pessoas para ganhar dinheiro, cuidar da saúde para ganhar dinheiro,”, define Junco. Isso não quer dizer que mulheres que não sejam mães ou hoje não se preocupem com dinheiro não possam fazer parte. Ao contrário, podem estar na B2Mamy, mas em outro papel, sendo mentora de startups ou investidora em negócios dentro da comunidade. Hoje, aliás, embora a especialidade da B2M seja a maternidade, 30% da base de clientes já não é de mães.

1 em cada 4 brasileiras perdem o emprego após se tornarem mães

Fonte: pesquisa Mães 2024, da Catho

Nova visão sobre maternidade

Para Junco, além do foco na prosperidade das participantes, o sucesso do hub se explica também pelo modo como as coisas são feitas, considerando as necessidades específicas de quem é mãe, como horários adequados e espaços de cursos e eventos em que as crianças são bem-vindas. “Todos os nossos espaços são family friendly, com as crianças sendo cuidadas por monitores enquanto as mães estudam, fazem negócios ou desenvolvem um projeto. É algo que não existia, fomos os primeiros no Brasil”, conta a empresária.

Um símbolo desse acolhimento é a pioneira Casa B2Mamy, em São Paulo, que une coworking, salas privativas e locais para eventos. Frequentado por mais de 20 mil mulheres por mês, é um ambiente preparado para todos os tipos de família, com espaços reservados para amamentação, trocador e brinquedoteca, com possibilidade de monitoramento e recreação de educadores.

Com a proposta, a B2M certamente trouxe um novo olhar sobre a maternidade. “Tem um ecossistema feminino de inovação antes e depois da B2Mamy”, afirma Dani Junco. De fato. O modelo bem-sucedido virou case e vem sendo reproduzido no mercado, com programas tradicionais de capacitação só para mulheres, cada vez mais espaços de negócios em que é possível levar crianças e, principalmente, o fortalecimento de que a maternidade deve ser vista como potência criadora, não como desistência.

“Na verdade, a gente consegue escolher ser CEO e ser mãe, e ser boa nas duas coisas, desde que tenha um ecossistema, um par no trabalho e uma família que seja rede de apoio. Então essa coisa de a gente ganhar prêmio, de ir pra cima, de fazer dinheiro, de receber investimento e afins mostra que um negócio feito por mães e para mães é um viável”.

Dani Junco, mãe do Lucas: ela criou a B2Mamy, uma pioneira comunidade de mães empreendedoras que mudou a visão do mercado sobre maternidade (Sebrae/Divulgação)

A caminhada é desafiadora

Empreender é indiscutivelmente um caminho cheio de oportunidades para tantas mulheres, mas não o mais fácil, vale frisar. A sobrecarga de tarefas e a dificuldade em equilibrar o tempo dedicado ao negócio e os cuidados com os filhos são questões bastante desafiadoras nessa trajetória. De acordo com um levantamento do Sebrae, 76% das empreendedoras se sentem sobrecarregadas por ter de gerenciar a empresa e cuidar da família ao mesmo tempo – no Sudeste, o peso da dupla jornada é nítido para 78%. São mais de 3 horas diárias dedicadas ao cuidado, o dobro dos homens.

“É uma falácia acreditar que você vai ficar mais com o seu filho depois de empreender. Mentira. É dinheiro no mercado como qualquer outro: você vende suas horas para trazer dinheiro para casa. Mas o importante é que há mais flexibilidade e mais autonomia, com certeza absoluta”, pontua Dani Junco.

Eduarda Lopes complementa: “A gestão do tempo é um desafio constante para conciliar as demandas do negócio e da família. Revisito frequentemente as prioridades de cada área da minha vida e ajusto as expectativas de forma realista. A verdade é que não existe um equilíbrio perfeito, mas sim escolhas”. Por isso, ela destaca a importância de pedir e aceitar ajuda e, especialmente, ser resiliente. “Existe uma etapa importante de plantar para mais tarde colher. Nos dias que não vender ou quando algo der errado, é importante lembrar-se sempre da visão de futuro que você construiu e de como em alguns anos estará vivendo o que desejou”, aconselha.

Desenvolver-se para prosperar

Um ponto relevante nesse contexto dos desafios é que, segundo outro estudo do Sebrae, oito em cada dez empreendem por necessidade, fundamentalmente para sobreviver e sustentar os filhos. Ou seja, mais do que a dificuldade em conciliar todas as tarefas, a maioria começa o negócio sem qualquer preparo para gerenciá-lo, tornando o percurso ainda mais atribulado. Por isso, a entidade, que desempenha papel crucial no fomento do empreendedorismo feminino no Brasil, tem um olhar atento para essas mães empreendedoras, a fim de apoiá-las no seu desenvolvimento como empresárias.

Uma das frentes é o Programa Plural, que visa impulsionar a inclusão produtiva de perfis sub-representados no empreendedorismo, trazendo novas perspectivas para grupos em uma posição de vulnerabilidade, como as mulheres e, mais especificamente, as que são mães. “O Plural, por meio do Sebrae Delas, vetoriza ações estratégicas para atendimento às mulheres, que hoje representam 34% do público empreendedor. A maioria são mães que precisam empreender para sustentar seus filhos e terem sua independência financeira ou que infelizmente viram no empreendedorismo o meio para se libertar de relacionamentos abusivos”, esclarece Alessandra Ciuffo, gestora da iniciativa.

Das 10,1 milhões de mulheres no comando de pequenos negócios, 67% são mães

Fonte: pesquisa Empreendedorismo Feminino 2023, do Sebrae

De acordo com a especialista, para as mães que empreendem o programa visa oferecer suporte para o crescimento de seus negócios, ao mesmo tempo em que lidam com suas responsabilidades maternas. “Sabemos que os desafios são diferentes para cada um, mas acreditamos que com as ferramentas certas, todos podem vencer”, declara Ciuffo. “Nosso compromisso é com o futuro onde empreender é uma possibilidade para todos, sem distinção, pois acreditamos em um Brasil onde o empreendedorismo é uma força inclusiva”, acrescenta.

Só neste ano, até novembro, por meio do Sebrae Delas, o programa atendeu mais de 150 mil mulheres. Entre as ações específicas para o empreendedorismo materno, estão mentorias, workshops sobre gestão do tempo, capacitação financeira e estratégias de marketing digital. Além disso, o projeto promove uma rede de apoio com outras mães empreendedoras, permitindo a troca de experiências e o fortalecimento de parcerias.

Alessandra Ciuffo: para a gestora do Programa Plural do Sebrae, o empreendedorismo é um meio de inclusão para as mães, que vivem um momento de vulnerabilidade na vida profissional (Sebrae/Divulgação)

Parceria, aliás, é a palavra que Dani Junco, com toda a sua experiência, destaca como a chave para trilhar com sucesso essa estrada. “Conectar-se a uma comunidade é essencial nessa caminhada, qualquer que seja. Ao unir-se com mais pessoas, a chance de sobrevivência é maior, e nas duas coisas: na maternidade e no empreendedorismo”. E por mais desafiador que seja o percurso, afirma Eduarda Lopes, quando o resultado é alcançado, é recompensador: “Além de fortalecer o espaço das mulheres, posso deixar um legado para a minha filha. Que a gente sempre se orgulhe de ter filhos no currículo, nunca o contrário”.

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