Petrobras: O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, minimizou a queda dos papéis na bolsa (Dado Galdier/Getty Images)
Juliana Estigarribia
Publicado em 6 de novembro de 2019 às 13h20.
Última atualização em 29 de novembro de 2019 às 13h20.
Rio de Janeiro - Um barulho de surpresa ecoou no salão do hotel Grand Hyatt, Rio de Janeiro, quando foi anunciada a oferta da Petrobras pelo maior bloco oferecido no leilão do excedente da cessão onerosa do pré-sal, na manhã desta quarta-feira. O leilão era pelo campo de Búzios, na teoria o mais valioso dos quatro ofertados, pelo qual 14 petroleiras haviam declarado interesse.
Era para ser uma batalha, por envolver um campo com reservas comprovadas e baixo risco de exploração. Mas, no fim, o que ecoou pelo salão foi a falta de disputa. Com bônus de assinatura de 68,1 bilhões de reais e sem ágio, a Petrobras levou o bloco com 90% de participação em um consórcio com as chinesas CNODC e CNOOC. Apenas a ExxonMobil fez uma oferta pelo bloco.
A Petrobras ainda levou o campo de Itapu, com 100% de participação, sem ágio e com um bônus de assinatura de 1,76 bilhão de reais. Os outros dois blocos, de Atapu e Sépia, não tiveram oferta. Ou seja, o maior leilão da história do petróleo minguou e virou uma atuação praticamente solo da Petrobras. Num vaivém inusitado, a própria estatal terá direito a 34 bilhões de reais do arrecadado pelo governo com sua própria oferta -- a diferença é que a petroleira pagará à vista, e receberá parcelado.
"Foi decepcionante ter dois blocos sem oferta. A falta de concorrência também foi frustrante", afirma Cláudia Rabello, presidente da OGE consultoria de óleo e gás e ex-superintendente da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP). Ela atribui o resultado do leilão à insegurança jurídica.
A incerteza sobre o reembolso à Petrobras também foi uma questão comentada pelas petroleiras nos bastidores do leilão. "Dinheiro não falta quando o negócio é bom e seguro. Talvez tenha sido difícil convencer as multinacionais a investir dessa vez", diz a consultora.
Essa foi a justificativa do presidente da Shell Brasil, que comentou o resultado ao fim do leilão. "Os blocos estavam muito caros e nós decidimos que não era hora de entrar, diante da nossa política rígida de alocação de capital", disse André Araújo, presidente da companhia no país.
Enquanto a Petrobras anunciava suas ofertas, o mercado financeiro reagia negativamente ao leilão. As ações da estatal na bolsa de valores (B3) caíram 1,42% na manhã desta quarta-feira.
"É importante lembrar que a Petrobras mudou a política de dividendos com foco na desalavancagem. Com o forte investimento [no bloco de] Búzios, a chance de a empresa sair desse leilão credora cai drasticamente, assim como a continuidade da política de redução do endividamento", afirma Ilan Arbetman, analista da Ativa Investimentos.
O presidente da Petrobras, Roberto Castello Branco, minimizou a queda dos papéis na bolsa, dizendo que os movimentos do mercado financeiro incluem, entre outros fatores, especulações. "Nós vamos encerrar o ano com nem um dólar a menos do que o previsto em caixa", disse a jornalistas.
Ele garantiu que a meta de endividamento de 1,5 vez a geração de caixa (Ebitda) para 2020 se mantém mesmo com a compra dos blocos nesta quarta-feira. A Petrobras entrou como credora no leilão, e saiu devedora. Para analistas, o impacto no curto prazo é altíssimo e a empresa terá que intensificar os esforços em contenção de despesas e otimização de processos pra compensar esse dispêndio.
Para Anderson Dutra, sócio líder de energia e recursos naturais da consultoria KPMG, o leilão foi frustrante. "Além do valor abaixo do esperado nos lances, também decepcionou os poucos consórcios, sem contar duas áreas sem ofertas."
Castello Branco destacou que a Petrobras desembolsará os recursos ao mesmo tempo em que receberá o ressarcimento pelas áreas pesquisadas, de 34 bilhões de reais, conforme regras do leilão. "Faremos o processo ao mesmo tempo", garantiu.
E para o Brasil?
Autoridades que participaram do leilão, como o ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, e o diretor-geral da ANP, Décio Oddone, repetiram inúmeras vezes que o leilão foi um sucesso principalmente porque foi costurado em pouco tempo, cerca de dez meses, e após um período longo de anos sem grandes certames.
Fato é que vai sobrar menos para o governo, para estados e municípios, após semanas de intensa disputa política pelos recursos do pré-sal. Os blocos não adquiridos vão ser novamente leiloados. E nesta quinta-feira já tem outro leilão de petróleo, de cinco blocos, com bônus de assinaturas que devem variar de 500 milhões a 5 bilhões de reais. Também no modelo de partilha (em que o vencedor oferece barris ao governo), a expectativa é que o resultado venha melhor do que o desta quarta-feira.
Na visão de Sergio Vale, economista-chefe da consultoria MB Associados e colunista de EXAME, o resultado do leilão de hoje reflete uma percepção ruim sobre os riscos do mercado de petróleo e do próprio Brasil. "Houve alguma leitura de que não valia ainda investir no Brasil. Mas certamente a ideia de que o petróleo é um produto ambientalmente velho e que terá retorno incerto nos próximos anos pode ter contado", afirma.