Negócios

Kenner: qual é a história da tradicional marca de sandálias que acaba de lançar parceria com Anitta

Calçado se tornou símbolo de status entre jovens moradores das comunidades do Rio de Janeiro, no mesmo movimento que popularizou o funk

Daniel Giussani
Daniel Giussani

Repórter de Negócios

Publicado em 23 de agosto de 2024 às 10h09.

Última atualização em 23 de agosto de 2024 às 12h34.

A marca de sandálias carioca Kenner viu uma mudança de clientes ao longo de sua história. Criada em 1988 e inspirada nos chinelos praianos usados por surfistas da Califórnia, foi feita para e consumida por jovens endinheirados da zona sul carioca. E assim foi por pelo menos uma década. Nos anos 2000, porém, o público da Kenner se transformou. O calçado se tornou símbolo de status entre jovens moradores das favelas da cidade, no mesmo movimento que popularizou o funk como a música da comunidade.

A nova parceria com a Anitta, divulgada pela EXAME na última quinta-feira, evidencia isso: "Kenner é uma das minhas paixões de adolescência. A marca sempre esteve muito presente na estética do funk carioca e é objeto de desejo na cena até hoje", disse a cantora.

Qual é a história da Kenner

A ideia de criar as sandálias Kenner surgiu na garagem de Peter Simon, um amante do surfe, na Califórnia dos anos 1980. A ideia de Peter era criar um produto voltado ao público surfista e jovem. As primeiras unidades começaram a ser comercializadas em 1988 em duas lojas de Peter no Rio de Janeiro, a Redley e a Cantão.

"Com uma comunicação de marketing relacionada ao surfe e uma distribuição por meio da Redley, as sandálias Kenner foram muito bem recebidas pelos surfistas e, logo em seguida, transformaram-se em modismo junto aos jovens das classes alta e média cariocas", diz um artigo assinado por Fernanda Chagas Borelli, Marcus Wilcox Hemais e Pedro Ivo Rogedo Costa Dias, então estudantes de administração.

A Kenner, vendo sua demanda crescer rapidamente, expandiu sua distribuição para lojas multimarcas, mas aos poucos, perdeu espaço junto ao seu grupo de consumidores original. "Este segmento utilizava a sandália no fim de semana, para ir à praia ou à piscina. As sandálias, que já eram mais pesadas que as sandálias comuns, tinham palmilhas macias e tiras de nylon que absorviam muita água, ficando ainda mais pesadas quando molhadas. Além disso, demoravam muito a secar".

Ao passo que perdia espaço para consumidores de classe alta, ganhava consumidores de classes mais baixas, que tinham na Kenner um quê aspiracional.

Nos anos 1990, a empresa passava por essa transformação quando foi impactada por mudanças nas políticas econômicas do país. A abertura econômica do Brasil trouxe novos desafios para as empresas nacionais. A entrada de sandálias asiáticas baratas no mercado forçou a Alpargatas, gigante do setor, a reposicionar sua marca Havaianas. Enquanto isso, a Kenner enfrentava dificuldades devido a processos produtivos caros e ineficientes, culminando em uma crise em 1996.

A recuperação só começou em 1999, após uma reestruturação que separou a Kenner das marcas Redley e Cantão, as lojas de Peter que inicialmente vendiam a sandália. A empresa passou por um longo processo de recuperação e, em 2005, começou a mostrar sinais de melhora, mas com uma mudança em seu público-alvo.

Como a Kenner superou a crise e voltou a ser um fenômeno

Em 2008, o Brasil era o terceiro maior produtor de calçados do mundo, com Alpargatas e Grendene dominando o mercado de sandálias. A Kenner, terceira maior empresa do setor, possuía apenas 4,9% de participação, comparado aos 38,5% da Alpargatas e 34,7% da Grendene.

O público de maior poder aquisitivo, que antes sustentava parte das vendas, abandonou a marca, enquanto os consumidores das classes C e D começaram a adotar amplamente as sandálias Kenner. Essa transformação foi crucial para a empresa, consolidando-se como uma marca popular entre os consumidores de renda mais baixa.

Para ajudar nesse reposicionamento, a Kenner deu um passo importante ao fortalecer sua área de marketing e vendas. A entrada de um novo executivo para a diretoria dessas áreas trouxe uma nova perspectiva, colocando o marketing no mesmo nível hierárquico das áreas de produção e desenvolvimento. Esse fortalecimento permitiu que a Kenner entendesse melhor seus consumidores e suas preferências. A nova equipe introduziu a pesquisa de marketing e adotou estratégias criativas, como o projeto "vendedor por um dia", que aproximava os funcionários do cliente final e proporcionava insights valiosos.

Outro marco importante na recuperação da Kenner foi a diversificação de seu portfólio de produtos. Inicialmente limitada a uma única linha de sandálias, a Kenner passou a oferecer uma variedade de produtos, atendendo a diferentes necessidades e ocasiões de consumo. Em meados de 2009, a empresa já contava com oito linhas de produtos, totalizando cerca de 300 combinações diferentes, que eram renovadas semestralmente. Essa diversificação permitiu à Kenner alcançar um público mais amplo e solidificar sua presença no mercado.

Mesmo após a reestruturação, a Kenner manteve uma estratégia de preço acima da média do mercado. Essa decisão, inicialmente motivada pelos altos custos de produção, tornou-se um indicador de autenticidade em um mercado repleto de falsificações. A empresa também se concentrou em expandir sua presença em mercados fora do Rio de Janeiro, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde encontrou uma base de consumidores fiéis.

Na comunicação, a Kenner adotou uma abordagem neutra, evitando comprometer-se com um perfil específico de consumidor. Isso permitiu que a marca mantivesse seu apelo entre o público de classes C e D, ao mesmo tempo em que não fechava portas para consumidores de classes mais altas. A empresa investiu em uma comunicação cuidadosa e na criação de uma identidade visual distinta, que se refletia tanto nos produtos quanto nos pontos de venda, fortalecendo a imagem da Kenner como uma marca autêntica e de qualidade.

Ao longo dos anos, a recuperação da Kenner não apenas estabilizou a empresa, mas também permitiu que ela se reinventasse em um mercado competitivo. A reestruturação interna, a diversificação de produtos, o fortalecimento das áreas de marketing e vendas, e a adaptação ao novo público foram fundamentais para o sucesso da marca.

Parcerias com artistas

Hoje em dia, a empresa já é um fenômeno novamente. Nos últimos anos, fechou parcerias com músicos, o que intensificou a popularidade da marca. Entre os parceiros está a cantora Anitta, o cantor João Gomes e o rapper L7nnon. Também começou sua expansão internacionalmente. Em entrevista recente à EXAME, Thomas Simon, CEO do Grupo S2, que além de Kenner, é proprietária das marcas Cantão e Redley, comentou sobre esse movimento. 

"A Kenner foi adotada pelo movimento de cultura de rua, e ao longo dos anos, foi gradualmente sendo adotada por perfis de consumidores que ganharam oportunidades de se expressarem”, diz. "Estamos desenvolvendo produtos de altíssima qualidade para o mercado internacional. O que mostra que o Brasil tem competência, talento criativo e a capacidade de produzir produtos excepcionais para estar em qualquer lugar do mundo".

A última novidade é uma collab com a Anitta. Trata-se de uma coleção inteira de sandálias inspiradas em seus gostos e carreira.

Para trazer aspectos bem característicos da carreira de Anitta, a marca criou modelos e detalhes que contam um pouco dos gostos e da trajetória da cantora na música. A “Rakka from Rio” é uma sandália exclusiva que sobrepõe uma tira colorida a já existente na tradicional Rakka, representando o biquíni à mostra no short de cintura baixa – estética adotada pela estrela global em looks emblemáticos. Outra peça é a “Kyra from Rio”, que também ganhou um novo design remetendo ao biquíni “asa delta”.

Acompanhe tudo sobre:Calçadosnostalgia

Mais de Negócios

Ele criou um tênis que se calça sozinho. E esta marca tem tudo para ser o novo fenômeno dos calçados

30 franquias baratas a partir de R$ 4.900 com desconto na Black Friday

Ela transformou um podcast sobre namoro em um negócio de R$ 650 milhões

Eles criaram um negócio milionário para médicos que odeiam a burocracia