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Hernan Kazah, fundador da Kaszek: dos US$ 1 bilhão que a gestora de VC captou, 60% vão para o Brasil

A gestora, fundada em 2011, investiu em negócios como Nubank, Kavak, Gympass, Loggi, QuintoAndar

Hernan Kazah, da Kaszek: eu acredito que AI é uma revolução que provavelmente será muito maior do que estamos imaginando atualmente (Kaszek/Divulgação)

Hernan Kazah, da Kaszek: eu acredito que AI é uma revolução que provavelmente será muito maior do que estamos imaginando atualmente (Kaszek/Divulgação)

Marcos Bonfim
Marcos Bonfim

Repórter de Negócios

Publicado em 2 de outubro de 2023 às 16h24.

Última atualização em 27 de dezembro de 2023 às 17h33.

Nos últimos meses, enquanto parte do mercado lamentava a ausência de capital para financiar startups, a gestora Kaszek anunciou a captação de US$ 975 milhões em abril deste ano. Ainda intocados, os recursos devem começar a ser investidos no começo de 2024 e uma boa parte desse dinheiro virá para o Brasil.

Nas contas do executivo, cerca de 45 startups, entre estágio inicial e avançado, devem entrar para o portfólio da gestora, a maior da América Latina. Do total obtido, US$ 540 milhões serão destinados às novatas e US$ 435 milhões para aquelas com uma caminhada mais longa.

Em entrevista exclusiva à EXAME, Hernan Kazah, cofundador da gestora ao lado de Nicolas Szekasy, compartilhou o que espera dos próximos meses no mercado de venture capital e ainda sobre o impacto da inteligência artificial nos negócios.

"Eu acredito que IA é uma revolução que provavelmente será muito maior do que estamos imaginando atualmente e muito maior do que a que vimos até agora", diz o argentino. "Existem diferentes opiniões sobre a IA: é positiva,  negativa? Eu estou muito convencido de que é positiva. É um novo impulso."

No mercado desde 2011, a Kaszek investiu em mais de 120 startups da região a partir de nove fundos. Entre as empresas, estão Nubank, Kavak, Gympass, Loggi, QuintoAndar. Abaixo, os principais pontos da entrevista feita durante o Vamos Latam Summit, evento organizado pela Latitud.

Há uma tese no mercado de que o dinheiro para startups novas já está voltando, mas o cenário é mais desafiador para as “late stage”. Com a situação atual, quais as lições de casa que as startups em late stage precisam ter feito nos últimos meses para obter um novo cheque?
O que os investidores querem ver hoje é a viabilidade de um modelo de negócio sustentável, que, em primeiro lugar, possa ser autossustentável e, eventualmente, possa gerar o capital necessário para continuar a funcionar. Segundo, ser rentável, porque é isso que você espera de uma empresa de tecnologia e que tenha margens realmente altas. O setor tecnológico tem margens tipicamente mais altas e, por isso, pode fazer mais com menos capital. Isso não significa que eles queiram ver isso por completo e inteiramente, mas precisam ter confiança de que eventualmente a empresa chegará lá. Os negócios que estiverem mais próximos desse cenário terão maiores chances de obter capital e farão isso em uma avaliação que provavelmente não estará tão ajustada em relação ao valuation de 2021.

Por outro lado, as empresas que estiverem longe desse cenário, mesmo aquelas que têm muita procura, que as pessoas gostem do serviço, porém não estejam dispostas a pagar para acessar, vão sofrer, entrarão em colapso e não sobreviverão. Algumas podem conseguir, mas precisarão fazer ajustes significativos no valuation e será mais doloroso. Quando o mercado estava otimista ninguém questionava essas empresas e agora todo mundo está questionando.

Na Kaszek, diante da situação atual, vocês mudaram a forma ou os critérios de avaliação das startups?
Acho que, em termos gerais, tentamos ser muito constantes para não sermos muito otimistas durante o mercado em alta nem muito pessimistas durante um mercado em baixa. O que tentamos fazer é manter os fundamentos durante todos os ciclos. Obviamente, somos pessoas e seres humanos e reagimos às oportunidades de maneira diferente, mas nada muda fundamentalmente.

Hoje quais são os principais fundamentos que usam para definir se investem ou não em uma companhia?
Número um, de longe, a equipe da startup. Nós precisamos acreditar que aquela equipe pode fazer o impossível acontecer. É isso que o empreendedor precisa ser, um fazedor de chuva, como dizemos. Em segundo lugar, obviamente, precisamos acreditar que a indústria faz sentido, que é uma indústria grande, que crescerá em um futuro e não diminuirá. E, em terceiro lugar, que a startup está construindo um modelo de negócios que eventualmente poderá ser sustentável. Não precisa ser sustentável hoje porque sabemos que para a tecnologia você precisa desenvolver massa crítica e precisa de tempo para isso. Logo temos que esperar que essa empresa eventualmente chegue à massa crítica até que possa dizer: "oi, eu sou lucrativo". Mas precisamos ver um modelo financeiro em que acreditamos. Há riscos, obviamente, porque presumimos que desejaremos isso no futuro, mas não estamos no futuro. 

Inteligência artificial generativa é o assunto do momento e tem dominado as conversas em todos os fóruns. Como a Kaszek tem olhado para o tema?
Eu acho que é muito significativo, eu acredito que é uma revolução que provavelmente será muito maior do que estamos imaginando atualmente e muito maior do que a que vimos até agora. Quais são as principais revoluções que vimos até agora? A internet móvel foi uma delas. Ela mudou a forma como nos relacionamos com a internet e a tecnologia. O fato de termos um computador muito poderoso conectado à internet 24 horas por dia, 7 dias por semana, em nossas mãos, isso foi uma coisa. Eu acredito que a IA estará acima disso. Existem duas duas maneiras de olhar para a IA. Uma delas é para as empresas que estão realmente desenvolvendo ferramentas para a IA e a outra é para as empresas que estão usando a IA em seus processos. 

Como está o portfólio neste sentido?
Em nosso portfólio, vemos muitas do segundo tipo, que usam a IA em seus processos para reduzir custos, melhorar os resultados que produzem e ampliar as taxas de conversão. E aí, eu acho que os primeiros exemplos que estamos vendo são incríveis: melhorias na produtividade que vão de 50% a 5 vezes; melhorias nas taxas de conversão por meio da IA, antes eles estavam lutando para obter mais 1% e, agora, conseguem mais de 25%. É incrível. Logo, eu acho que todas as empresas precisam ter uma estratégia de IA. Isso não significa que você tem que desenvolver sua própria IA, mas que precisa ser inteligente ao decidir onde começar a usar a IA. As empresas não precisam entrar na vanguarda, mas também não podem ficar para trás porque os seus concorrentes vão superá-las. Se elas começarem a usar a IA de maneira mais inteligente, talvez os seus produtos se tornem únicos porque é melhor ou mais barato, ou algo assim. Mas eu acho que AI vai ser incrível, e nós estamos muito otimistas. Existem diferentes opiniões sobre a IA: é positiva,  negativa? Eu estou muito convencido de que é positiva. É um novo impulso.

Desde o boom da inteligência artificial generativa, vocês têm dado alguma recomendação para as startups em que investem sobre a aplicação de IA generativa? Nós temos alguns exemplos específicos de coisas que vemos que estão funcionando e algumas coisas que podem estar muito cedo para investir. Então, tentamos trabalhar com os empreendedores como parceiros para garantir que calibrem onde podem ter um impacto com pouco ou nenhum risco significativo. No final do dia, as pessoas devem se convencer de que daqui a cinco anos a IA estará presente em tudo o que fazemos. Não precisam chegar lá amanhã, certo? Portanto, elas têm de planejar da maneira certa para tentar ser mais rápidas nas coisas que fazem sentido hoje, começarem a explorar coisas que podem fazer sentido daqui a um ano e, talvez, esperarem por outras que estão cedo demais para investir. 

A Kaszek captou quase 1 bilhão de dólares há alguns meses. Vocês pretendem destinar parte desses recursos exclusivamente para empresas de IA?
Esse capital ainda não foi utilizado, provavelmente começaremos a investir no início de 2024. Nós não estamos planejando investir em empresas de IA, e sim em startups que usam IA. Eventualmente, pode haver uma empresa de IA, mas não é o nosso foco. O nosso foco é mais em empresas que estão quebrando paradigmas em setores ou indústrias. Eu tenho certeza de que todas essas empresas usarão IA e, se elas não usarem IA, provavelmente a viabilidade delas nesses setores será menor porque alguém fará isso. A IA estará presente em todos os setores, o que não significa que teremos uma empresa de IA. É como dizer, com o exemplo da internet móvel, que vamos ter uma operadora em nosso portfólio. Provavelmente não.

Quanto dessa quantia que vocês captaram deve vir para o mercado brasileiro?
Essa é uma ótima pergunta e sempre é difícil prever, porque no final do dia reagiremos às oportunidades que encontrarmos. Mas, em geral, eu diria que, se eu tivesse que chutar, pelo menos 60%. O Brasil é o ecossistema de tecnologia mais desenvolvido e também o maior mercado. Até agora, tem sido o mercado onde investimos a maior parte do nosso capital. 

Ao longo destes anos, quanto do capital da Kaszek foi colocado aqui?
Dois terços no Brasil e um terço no restante da região. O México fica em segundo lugar, seguido pela Colômbia, Argentina, Chile e Uruguai.

A Kaszek tem uma tese agnóstica, mas que tipo de oportunidades vocês estão buscando hoje com esses dois fundos?
A tese principal é que procuramos por empresas de tecnologia focadas, inicialmente, na América Latina, que tenham excelentes empreendedores no comando e que busquem mercados amplos com modelos de negócios sustentáveis. Dentro disso, como você disse, somos agnósticos. Mas, se eu tivesse que dizer, acredito que as fintechs continuarão sendo uma área muito relevante. E, dentro das fintechs, provavelmente mais B2B e mais infraestrutura. A primeira onda de inovação em fintech ocorreu no lado B2C e agora veremos mais no lado B2B e de infraestrutura. Além disso, creio que educação e saúde e ainda startups relacionadas à proteção do meio ambiente, à criação de soluções mais sustentáveis e tecnologia climática terão um espaço muito relevante. Um dos maiores desafios que enfrentamos como humanidade é como lidar com o planeta de forma mais sustentável e acredito que a solução para isso não virá do consumo reduzido de energia ou do uso reduzido de resíduos. Devemos fazer isso porque é a coisa certa a fazer, mas isso não será suficiente. Isso representará 1% da solução do problema. 99% da solução do problema será com tecnologia, coisas como fontes alternativas de energia, novas tecnologias para processar resíduos, gerar menos resíduos e para limpar o ar etc. Isso é o que, eventualmente, tornará este planeta sustentável novamente.

Com esse novo capital levantado, quais são os novos planos da Kaszek? Tem alguma próxima captação a caminho?
Não, por enquanto estamos focados em começar a investir nesses fundos no próximo ano. Isso levará pelo menos três anos, eu diria. Eventualmente, voltaremos ao mercado para levantar outro fundo, mas isso provavelmente acontecerá em 2027, talvez 2026. 

Em quantas empresas vocês planejam investir?
Eu diria cerca de 30 empresas para o fundo de estágio inicial e 15 para o estágio mais avançado, totalizando 45 startups.

Qual é o tamanho desses investimentos?
O primeiro investimento é cerca de 5 milhões de dólares e a partir daí investimos mais nas empresas que gostamos e que exigem mais capital. 

Vocês estão planejando fazer algumas saídas?
Na verdade, tivemos algumas saídas durante este ano e atualmente estamos em discussão com algumas empresas porque há interesse de players estratégicos que desejam adquirir essas empresas e estamos bem com isso porque faz parte do processo. Os grandes resultados para nós vêm de IPOs e esse mercado ficou fechado até recentemente. Agora, acredito que está se abrindo lentamente, mas de forma constante, e esperamos que essa tendência continue. Se acontecer, gostaria de ver algumas ótimas empresas de tecnologia latinoamericanas fazendo IPO, talvez em 2024, mas, provavelmente, em 2025. Seria ótimo ter mais empresas como o Nubank por aí.

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