Petrobras: a polícia ainda investiga a participação de funcionários e ex-funcionários da Petrobras nos crimes (Paulo Whitaker/Reuters)
Reuters
Publicado em 10 de março de 2017 às 18h29.
Rio de Janeiro - As ocorrências identificadas pela Petrobras de furtos e tentativas de furtos de petróleo e combustíveis em suas instalações quintuplicaram em 2016 em relação ao ano anterior, gerando perdas de milhões de reais para a estatal, segundo a polícia.
O aumento acentuado dos casos dessa atividade criminosa, considerada de baixo risco e de alta rentabilidade, tem deixado a Petrobras em alerta.
Diante das dificuldades de monitorar uma malha de milhares de quilômetros, a estatal criou recentemente um telefone específico (168) para denúncias de movimentações suspeitas na faixa de dutos da companhia, entre outras ações para coibir o crime.
A polícia ainda investiga a participação de funcionários e ex-funcionários da Petrobras nos crimes.
Eles são suspeitos de terem envolvimento com milicianos que atuam especialmente no Rio de Janeiro. Esses criminosos têm facilidade para vender o combustível clandestinamente.
São várias modalidades de furtos e assaltos, de caminhões-tanque em rodovias ou mesmo diretamente dos dutos, por meio de "bicas" clandestinas para o desvio do produto.
"Nem a Petrobras tem noção exata do que acontece e o quanto é furtado. É um grande negócio e movimenta milhões...", disse o delegado da Polícia Civil do Rio de Janeiro Giniton Lages, que esteve à frente da investigação que descobriu as bicas na Baixa Fluminense, no ano passado.
A Petrobras não revela os volumes de perdas com os furtos e roubos, mas admite que o número de casos aumentou no ano passado.
"Em 2016 houve um aumento vertiginoso de movimentações de furtos em dutos. Antes, eram poucas e esporádicas. Agora houve um crescimento intenso. Sem dúvida há uma preocupação", disse à Reuters o gerente de manutenção de faixa (de dutos) da Transpetro, subsidiária de transportes da Petrobras, Rodrigo Spagnolo.
A Petrobras informou que em 2014 houve apenas um caso de furto de combustível, enquanto no ano passado a empresa registrou, em todo o país, 73 ocorrências de furtos e tentativas de furtos de petróleo, gasolina e diesel, ante 14 casos em 2015.
A maioria dos casos registrados pela Petrobras aconteceu no eixo São Paulo-Rio de Janeiro, onde estão concentradas as principais atividades da companhia e cinco refinarias, entre elas as unidades de Duque de Caxias (Reduc-RJ), Presidente Bernardes (Cubatão-SP) e Paulínia (Replan-SP).
No Rio de Janeiro, onde a Petrobras tem uma expressiva malha de dutos, os casos de furtos triplicaram entre 2015 e 2016, passando para 33 registros. Desses furtos, cinco causaram vazamentos, segundo a Petrobras, também um problema de ordem ambiental.
O furto de combustíveis virou um negócio muito rentável e com baixo risco, segundo a polícia fluminense. Há quadrilhas especializadas em mapear os dutos, furtar o combustível e em revender o óleo e derivados.
"O aumento de casos pode ter a ver com a crise que faz o crime diversificar negócios, mas tem a ver com o fato de o crime ter descoberto um jeito fácil de ganhar muito e com pena muito ridícula", disse o delegado Lages.
Ele explicou que dificilmente alguém fica preso por esse tipo de crime, fator que estimula a criminalidade. "Pode converter em uma eventual pena em serviços sociais. Dá dinheiro e pouca dor de cabeça", acrescentou Lages, ressaltando que a polícia tenta enquadrar tais casos como crime ambiental, a fim de elevar a penalidade.
No ano passado, a polícia do Rio de Janeiro encontrou em terrenos próximos à refinaria de Duque de Caxias cinco ligações clandestinas para furtar petróleo e derivados da malha.
As chamadas bicas tinham uma vazão de milhares de litros por hora.
As investigações da polícia apontam que grupos milicianos estariam por trás das instalações clandestinas próximas à Reduc.Os grupos paramilitares contariam com a ajuda de funcionários ou ex-funcionários da petroleira para a instalação das bicas.
Eles repassariam aos criminosos os mapas dos dutos com os pontos ideais para instalação das ligações clandestinas numa técnica conhecida como trepanação (técnica para realizar furos em tubulações e desvios para manutenção).
"A ajuda vem de dentro. Eles sabem que tipo de combustível passa em cada duto e qual o ponto ideal para ser colocada a bica sem que haja uma mudança na pressão no duto que chame atenção do sistema de segurança remoto da estatal", declarou Lages.
A Petrobras não revela o tamanho das perdas com furtos, mas considera o volume pouco expressivo.
"Os volumes desviados são apurados, mas não configuram valor material que impacte os resultados operacionais e financeiros da companhia", informou a estatal.
Para escapar do sistema de segurança, as bicas são instaladas normalmente à noite e em terrenos mais isolados. Os caminhões que transportam os combustíveis também são roubados à noite.
O produto furtado seria comercializado para revendedores de combustíveis legais e ilegais, e o petróleo bruto processado em refinarias clandestinas.
No fim do ano passado, a polícia descobriu em Boituva (SP) uma incomum refinaria clandestina que processava petróleo desviado da Petrobras.
"A quadrilha furtava petróleo dos dutos da Petrobras, no Rio de Janeiro, enchia caminhões de petróleo e levava para essas refinarias clandestinas", explicou o delegado de São Paulo, Emerson Martins.
A Polícia Rodoviária Federal (PRF) tem intensificado barreiras de fiscalização nas estradas e feito operações em locais suspeitos para coibir o furto de combustíveis.
Os criminosos, por outro lado, têm usado caminhões-pipa (de água) para transportar a carga roubada sem chamar a atenção das autoridades.
As denúncias e apreensões de cargas de combustíveis irregulares cresceram muito, recentemente. "A milícia entrou de cabeça nesse negócio e estamos coibindo", declarou à Reuters, o porta-voz da PRF, José Hélio Macedo.
A Transpetro informou que vem investindo em mais segurança e mais tecnologia para minimizar os furtos em sua malha de dutos no país, mas a polícia do Rio de Janeiro acredita que o sistema ainda é muito vulnerável.
"Os técnicos de segurança da empresa que ouvimos admitem que podem fazer pouco. Esse negócio envolve quadrilhas armadas, e a segurança privada pouco pode fazer, até porque tem medo", avaliou Lages, o delegado do Rio.