Eventual restrição do Cade a Liquigás atrai rivais da Ultragaz
Relatório diz que a empresa resultante da combinação deterá quase metade do setor de distribuição de GLP no Brasil
Estadão Conteúdo
Publicado em 21 de novembro de 2016 às 11h03.
São Paulo - Participantes do setor de GLP dão como praticamente certa a imposição de restrições por parte do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) na aquisição da Liquigás pela Ultragaz, do Grupo Ultra, o que desperta a interesse de concorrentes que disputavam o ativo e acabaram ficando de fora.
A Nacional Gás é uma delas. Conforme Guilherme Dantas, sócio do setor societário e concorrencial do Siqueira Castro Advogados, a Nacional Gás Butano está à disposição de órgãos concorrenciais para participar de eventuais "remédios". Na disputa pela Liquigás, a companhia havia formado um consórcio com a Copagaz.
O Broadcast, serviço de notícias em tempo real do Grupo Estado, questionou Thilo Mannhardt, diretor presidente do Grupo Ultra, se teria conversado com outros participantes do setor de fornecimento de GLP durante a negociação pela aquisição da Liquigás e ele respondeu com uma pergunta: "Não, por que deveria?"
Relatório do Santander assinado pelos analistas Gustavo Allevato e Christian Audi diz que a empresa resultante da combinação de Ultragaz e Liquigás deterá quase metade do setor de distribuição de GLP no Brasil.
Conforme cálculos da equipe de análise do banco, no Sudeste, as companhias terão cerca de 47% da participação de mercado, enquanto o segundo maior participante deterá 23%. No Estado de São Paulo, que concentra em torno de 25% do consumo do País, a nova empresa terá cerca de 60% da fatia de mercado.
No Nordeste, Ultragaz e Liquigás juntas terão cerca de 47% de participação, com o segundo maior participante ficando com aproximadamente 35%. Já no Sul, a nova empresa terá mais da metade do mercado, com o segundo colocado respondendo por cerca de 26%, conforme os cálculos dos analistas do Santander baseados em dados da Abegás.
Leonardo Duarte, sócio da área de antitruste da Veirano Advogados, afirma que se trata de uma análise desafiadora do ponto de vista concorrencial, por se tratar de um setor já bastante concentrado.
Além disso, trata-se da união de líderes de mercado, lembra. "Concentrações dessa magnitude sempre geram preocupações", explica. "Serão necessários argumentos muito fortes para demonstrar que a empresa resultante não vai prejudicar a concorrência efetiva nas demais companhias."
Duarte lembrou ainda que o setor possui histórico de investigação de cartéis no Cade. "O órgão vai analisar como o negócio vai afetar a dinâmica do mercado", explica.
De acordo com o advogado, o prazo previsto em lei para que o Cade chegue a uma decisão é de 240 dias, período que pode ser estendido por até 60 dias mediante requisição das partes envolvidas ou por até 90 dias, por meio de pedido do Tribunal do Cade, totalizando 330 dias.
O analista Caio Carvalhal, do Brasil Plural, escreveu que a aprovação do Cade é crítica e ao mesmo tempo incerta.
Proteção à Petrobras
Conforme apurou o Broadcast com fontes, a Petrobras incluiu no acordo uma cláusula que a protegeria, independentemente de quaisquer barreiras que venham a ser enfrentadas para a consolidação da aquisição da Liquigás pela Ultragaz, devendo assim receber o valor acordado - no caso, R$ 2,8 bilhões corrigidos pelo Certificado de Depósito Interbancário (CDI). Esse contrato é usual em operações de venda de ativos.
No domingo, 20, a gerente executiva de Aquisições e Desinvestimentos da Petrobras, Anelise Quintão Lara, afirmou que o problema concorrencial foi avaliado durante o processo de negociação e o Ultra se comprometeu a encontrar uma solução.
"A responsabilidade por resolver o problema concorrencial é do Grupo Ultra, que já está preparado para isso", disse a gerente da Petrobras. Ela argumentou também que "qualquer uma das empresas do setor que comprasse a Liquigás poderia ser questionada pelo Cade".
A dúvida de analistas do mercado financeiro é se, caso o Cade exija a venda de participações em localidades, o grupo Ultra vai conseguir atingir o mesmo múltiplo pago à Petrobras.
Os profissionais de análise foram unânimes na constatação de que a Ultrapar pagou um preço elevado, embora o negócio ainda assim tenha sido considerado positivo para a empresa, em razão das sinergias potenciais e da oportunidade única de expansão.
Relatório do JPMorgan diz que o negócio implica um elevado múltiplo EV/Ebitda de cerca de 15 vezes - porcentual mais elevado do que os múltiplos históricos estimados para a Ultrapar, em torno de 6 vezes a 7 vezes.
Mas o grupo Ultra estaria mirando o longo prazo, cujo movimento, na visão dos analistas, foi estratégico. "Conforme nossas conversas com a empresa, a Ultrapar está esperando um potencial Ebitda superior a R$ 700 milhões, o que incorporaria a maior parte das sinergias da transação", cita o relatório do JPMorgan.
Já analistas do BTG Pactual calcularam que a compra da Liquigás corresponde a um múltiplo EV/Ebitda referente a 2015 de 13 vezes. "Sim, o múltiplo da aquisição é elevado, mas também é o potencial de ganho de rentabilidade", diz o relatório do banco.
Os analistas do UBS, Luiz Carvalho e Julia Ozenda, escreveram que, apesar de a primeira vista os múltiplos não parecerem muito atraentes, o movimento é positivo para a Ultrapar, que, com isso, consolida o negócio de GLP no Brasil.
Lembra ainda que esta é a segunda aquisição relevante feita pela companhia neste ano - a primeira foi a compra da Alesat, uma das quatro maiores empresas de distribuição de combustíveis do País.
Em meados de junho, o grupo Ultra anunciou a aquisição da Alesat Combustíveis por R$ 2,168 bilhões. Até agora, não há aprovação do Cade para o negócio.