Por mais equidade de crédito
Pequenos negócios liderados por mulheres têm condições desiguais no acesso ao financiamento, com juros mais altos e valores mais baixos
EXAME Solutions
Publicado em 22 de outubro de 2024 às 17h00.
Última atualização em 25 de outubro de 2024 às 10h00.
O caminho para a independência financeira feminina sempre foi marcado por obstáculos. Não faz muito tempo, até 1962, as mulheres casadas precisavam de autorização do marido para trabalhar fora, ter uma conta no banco ou abrir um negócio – e a permissão poderia ser revogada a qualquer momento. Foi preciso promulgar uma lei – a de número 4.121, conhecida como Estatuto da Mulher Casada – para isso mudar.
Hoje, embora muitos avanços tenham ocorrido, as barreiras permanecem. Quem empreende, em especial, sabe: ainda existe disparidade entre os gêneros quando se trata de dinheiro.
Um estudo do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae), baseado em dados do Banco Central relativos ao primeiro trimestre, constatou que as mulheres à frente de pequenos negócios no Brasil pagam taxas de juros mais altas do que os homens na tomada de crédito. O índice médio dos juros nos financiamentos contratados por elas é de 29,3% ao ano nos empréstimos solicitados, versus 20,3% no caso deles.
“O mercado de crédito brasileiro enfrenta desafios significativos na inclusão de mulheres empreendedoras”, comenta Cris Vieira, analista da Unidade de Capitalização e Serviços Financeiros do Sebrae Nacional.
"Cris Vieira, do Sebrae Nacional
Somam-se diferenças regionais e raciais
No recorte por estado, a desigualdade de acesso ao crédito fica mais evidente. Em Sergipe, por exemplo, a taxa média de juros paga pelos pequenos negócios é de 36,4% ao ano. Mas as mulheres arcam com 58,5% ao ano, mais de 22 pontos percentuais acima.
Cris Vieira ressalta o peso das diferenças regionais para essas empresárias: “Regiões como o Nordeste e o Norte enfrentam maiores dificuldades devido à menor presença de instituições financeiras, menor desenvolvimento econômico e infraestrutura deficiente. Mulheres nessas regiões estão duplamente penalizadas, enfrentando tanto a discriminação de gênero quanto os desafios regionais.”
Para as empreendedoras negras, que representam 4,7 milhões de pessoas no país, a jornada é ainda mais dura. Outro estudo do Sebrae, em parceria com a Fundação Getulio Vargas (FGV), de 2021, aponta que o número de empresárias pretas que tiveram empréstimos negados é 50% superior em relação às brancas.
As mulheres comandam 2,53 milhões de pequenos negócios tomadores de crédito no país
Igualdade traz desenvolvimento
O dinheiro mais caro não é a única questão. As empreendedoras também ficam com uma parcela menor do crédito disponível no mercado. No primeiro trimestre deste ano, dos 109 bilhões de reais em empréstimos concedidos a pequenos negócios, as empresas lideradas por mulheres ficaram com menos de 30% do montante, ao passo que representam cerca de 40% das operações realizadas. Nas empresas de pequeno porte, a discrepância é surpreendente: 75% do crédito foi destinado a negócios geridos por homens e 25% para aqueles chefiados por mulheres.
O índice de inadimplência, que poderia ser um argumento das instituições financeiras para essa diferença, não cabe como justificativa, já que é bem semelhante em ambos os sexos, na casa dos 7%, segundo o Sebrae. Ou seja, as mulheres são tão boas pagadoras quanto os homens.
Para mudar esse cenário, a entidade vem lançando mão de iniciativas para mostrar aos bancos que a disponibilização de recursos financeiros para empreendimentos femininos, que hoje são 2,53 milhões de negócios tomadores de crédito, contribui para o desenvolvimento social e econômico do país. “O acesso ao crédito permite que as empreendedoras expandam seus negócios, aumentem sua produtividade e criem empregos. Isso não só fortalece a economia local, mas também promove a independência econômica das mulheres e uma distribuição mais equitativa da riqueza”, finaliza Vieira.