Negócios

Do meio do mundo: como o Amapá quer se tornar uma referência em startups na região amazônica

De platafomas de gestão a ferramenta da biometria de peixes, o estado quer se projetar como um hub de inovação verde

O estado tem pouco mais de 100 startups (Albenir Sousa/Governo do Amapá/Divulgação)

O estado tem pouco mais de 100 startups (Albenir Sousa/Governo do Amapá/Divulgação)

Marcos Bonfim
Marcos Bonfim

Repórter de Negócios

Publicado em 27 de fevereiro de 2024 às 13h10.

Última atualização em 23 de maio de 2024 às 10h14.

DE MACAPÁ,  NO AMAPÁ - Uma chuva de média intensidade caía sobre Macapá na manhã de domingo, 25, e a internet se mostrava instável na capital que recepcionou o Startup20, agenda de inovação das 20 maiores economias do mundo. Nos grandes centros, poderia ser uma situação fortuita, mas na cidade ainda é um desafio a superar, apesar dos avanços dos últimos anos. 

“No Amapá, nós empreendemos na escassez”, afirma Lindomar Góes Ferreira, fundador da Proesc, empresa que nasceu como uma fábrica de software e se transformou em uma das principais startups do estado. No ano passado, a Proesc conquistou o maior aporte já recebido por uma startup de toda a região amazônica, no valor de R$ 8 milhões.  

A fala se conecta com as peculiaridades do Amapá, um território desmembrado do Pará em 1943 e que ficou sob domínio federal até 1988. Com a nova constituição, passou a figurar como estado. “A Amazônia como um todo já é difícil, mas no Amapá é ainda mais porque é um dos mais pobres do país. Como era território, tem uma herança ainda do governo federal”.

Outro desafio que se coloca é o geográfico: é o único estado sem acesso à rodovias federais. Quem deseja sair ou entrar na região, precisa se locomover pelos rios ou espaço aéreo. Vale para pessoas, mas também para produtos, limitando a entrada em outros mercados.

Como funciona o ecossistema de startups no estado

A própria palavra Amapá, em tupi, significa “ilha”. Mas também “local de chuva”. E é da intersecção entre uma definição e outra que os empreendedores querem fazer as coisas acontecerem. A lógica é simples: usar os elementos únicos do estado para desenvolver um ambiente que desague em inovação.

“Eu falo que uma hora nós vamos chegar lá. A diferença é que vamos ter que bater em mais portas”, afirma Frank Portela, da SouRev, uma startup criada em 2021 para dar crédito a sacoleiras. 

Em pouco mais de dois anos, o negócio ofereceu R$ 25 milhões para cerca de 20.000 mulheres. Até chegar nesses números, passou por 35 bancos e “rodou pela Faria Lima” até conseguir os recursos para bancarizar a operação. A SouRev é uma das que bebem de um movimento que começou há 10 anos com o Tucuju Valley, criado por empreendedores para fomentar o empreendedorismo e as conversas. Por trás, estão as pioneiras no estado, como a Proesc e Orcafascio, de orçamento para obras.

Em um estado sem aceleradoras, fundos de investimentos nem investidores, o ecossistema, que homenageia a comunidade mais antiga de guerreiros indígenas da Foz do Rio Amazonas, se transformou no principal ponto de encontro. Por lá, circulam mais 100 startups operacionais e gerando recursos. 

Segundo dados do Sebrae, outro agente reconhecido pelo fomento à inovação, mais de 70% desses negócios foram criados nos últimos 3 anos. Em 2022, movimentaram R$ 10,2 milhões, com geração de cerca de 500 postos de trabalho entre diretos e indiretos.  

Além de modelos clássicos de tecnologia, como a Tributei, plataforma para cálculos do ICMS, e Prodesc, gestão educacional para escolas, as startups de biotecnologia estão entre os principais negócios. 

Essa relação está presente na Engenho, com café a partir do caroço do açaí, e na Bactolac, que desenvolve probióticos para peixes e uma ferramenta de gestão de piscicultura que usa sonar e infravermelho para fazer a biometria de peixes.

Até por isso, a comunidade vibrou quando o estado foi escolhido pela Abstartups, Associação Brasileira das Startups, para ser a sede do primeiro encontro brasileiro do Startup20, agenda do G20 dedicada aos negócios da inovação - estão previstos outros dois encontros, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Criado no ano passado pela Índia, o capítulo foi mantido pelo Brasil, no comando do G20 desde o início do ano. 

“O evento é uma grande vitrine, como nunca houve no estado, para nós falarmos o que estamos fazendo aqui para todo o mundo e ele acontece no momento em que estamos falando muito sobre inovação aberta”, afirma Michael Carvalho, fundador e CEO da Mazodan. 

A startup, do município de Santana, usa rejeitos de mineração e sedimentos minerais que provocam assoreamento de rios para criar produtos, como uma argamassa para a construção civil. No ano passado, foi a vencedora do Desafio da Expo Favela, organizado pela Cufa (Central Únicas das Favelas). 

Para além da visibilidade

Localizados no “meio do mundo”, referência à linha do Equador, que separa os hemisférios Norte e Sul, tanto empreendedores quanto governantes e entidades receberam o encontro como uma forma de apresentar os potenciais do estado e romper com estereótipos.

“Nós vamos utilizar a tecnologia, a inovação, e tudo de bom que as startups nos trazem, e conectar com a economia verde, com a biodiversidade e a bioeconomia para gerar emprego e renda sustentáveis”, afirmou Clécio Luis, o governador do estado, na abertura do Startup20. 

Na ocasião, foi feito o anúncio do edital de R$ 4,25 milhões em startups amapaenses, por meio do edital Tecnova 3, em ação dos governos estadual e federal. Os recursos serão destinados a negócios com faturamento de até R$ 16 milhões e focados em projetos com alta carga tecnológica.

“Mais do que nunca, é hora de botar  a mão na massa. Muito do que foi feito até aqui, foi feito pelos próprios empreendedores”, afirmou o governador à EXAME

Além do Tecnova, o estado lançou um edital para um programa que incentiva o empreendedorismo entre doutores e tem a promessa de um aporte de R$ 6 milhões do governo federal, a partir do Ministério da Integração Nacional, para a construção de um hub de inovação. 

Para os empreendedores, as novidades são bem-vindas e dialogam com a ideia de aumentar a boca do funil. Isto é, atrair mais pessoas para o universo das startups. 

“O nosso grande sonho é chegar a 1.000 startups em dois anos”, diz Goés. “Eu sempre digo que a melhor maneira de salvar a Amazônia é investir em startup porque eu nunca vi uma startup derrubar uma árvore”. 

* O repórter viajou a convite da Abstartups (Associação Brasileira de Startups)

Acompanhe tudo sobre:StartupsAmapáAssociação Brasileira de Startups

Mais de Negócios

ARTIGO: O que aprender com a Capital Nacional das Startups

Isak Andic, fundador da Mango, morre em acidente na Espanha

Jumbo Eletro: o que aconteceu com o primeiro hipermercado do Brasil

Esta empresa fatura R$ 150 milhões combatendo a inflação médica no Brasil