(Complexo Sirena/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 15 de dezembro de 2025 às 09h05.
A trajetória do empresário gaúcho Dody Sirena é dessas que fazem inveja a qualquer showman americano.
Em quase cinco décadas de carreira, ele ajudou a colocar o Brasil no roteiro dos grandes shows internacionais, trouxe ao país artistas como Michael Jackson e Iron Maiden e passou 30 anos à frente da carreira de Roberto Carlos.
Agora, o palco é outro — e bem maior.
Sirena está investindo 1 bilhão de reais para construir um complexo turístico em Gramado, na Serra Gaúcha. O projeto ocupa cerca de 200 hectares, uma área comparável à soma dos parques Ibirapuera e Villa-Lobos, em São Paulo, e foi pensado para funcionar o ano inteiro.
Batizado de Complexo Sirena, o empreendimento reúne hotelaria, entretenimento e desenvolvimento imobiliário em um único endereço. Uma verdadeira mistura calculada de tudo o que o empresário sabe fazer, com algo novo. A proposta é concentrar atrações, reduzir deslocamentos e aumentar o tempo de permanência do visitante, uma leitura direta do comportamento de quem hoje consome Gramado de forma pulverizada.
“O projeto se baseia no tripé de longevidade financeira: imobiliário, entretenimento e turismo”, diz Sirena. “Ele sintetiza toda a minha trajetória.”
Para tocar a operação do dia a dia, Dody escalou o irmão, Jaime Sirena. Ele é CEO da Star Ópera, incorporadora da família com 15 anos de atuação e dois Prêmios Master Imobiliário, e também assumiu o comando executivo do projeto, acompanhando de perto a implantação do complexo na Serra Gaúcha.
Jaime, inclusive, se mudou para a cidade para ver a construção do complexo de perto.
A primeira fase está prevista para 2027, com a abertura de um resort do Club Med. Depois disso, o plano é avançar em etapas. Entram no roteiro centro de convenções, casas, hospital e atrações turísticas próprias. Uma delas deve seguir o modelo do Roxy Dinner Show, jantar com espetáculo que a DC Set, empresa de Sirena, opera em Copacabana.
“A ideia é que o visitante encontre tudo no mesmo lugar”, diz.
Antes de ser o empresário que trouxe Michael Jackson ao Brasil, Dody Sirena era um estudante do Sul tentando viabilizar politicamente o próprio movimento estudantil.
Em plena ditadura, os bailes e festas organizados por alunos eram a principal — às vezes única — fonte de arrecadação.
“A única fonte de receita dos movimentos estudantis da época eram os bailes e eventos. A gente fazia muitos”, lembra.
Foi o que decidiu fazer: organizar eventos junto com o colega - e futuramente sócio Cicão Chies. Depois, entendeu que também poderia ganhar dinheiro para si com a organização de festas.
O primeiro grande evento foi em Carlos Barbosa, uma cidade de pouco mais de 30.000 habitantes na serra gaúcha. Sem carro, contou com o buggy de um amigo para voltar a Porto Alegre. Para economizar, decidiu descer a Serra de madrugada, no frio. “A gente ia para o carro no caminho para se aquecer com o motor”, diz.
Sirena nasceu em Caxias do Sul e passou boa parte da juventude na Colônia.
Quando decidiu profissionalizar a atividade, apostou em trazer shows internacionais para o Brasil. Logo percebeu que o maior obstáculo não era o palco, mas a geografia — e a imagem do Brasil no exterior.
“Em Los Angeles, era comum escutar que a capital do Brasil era Buenos Aires”, diz.
Mesmo assim, os shows vieram. Nos anos 1980, a DC Set ajudou a abrir caminho para turnês internacionais em um mercado instável, com inflação fora de controle e sem cultura de patrocínio. “A inflação era de quase 2.000% ao ano”, diz Sirena. “Os gringos não entendiam como a gente conseguia operar.” Vieram Van Halen, Iron Maiden — e, depois, Michael Jackson.
O reconhecimento levou a um convite simbólico. Roberto Medina chamou Sirena para assumir a responsabilidade pelos artistas internacionais do segundo Rock in Rio. Pouco depois, ele passaria a comandar a carreira de Roberto Carlos, relação que durou 30 anos e extrapolou os palcos.
Foi ali que nasceram projetos como o cruzeiro Emoções, hoje quase um gênero próprio no entretenimento brasileiro. “Quando a gente fretou o primeiro navio, parecia improvável. Hoje todo artista quer ter um.”
Essa combinação de show, turismo e experiência — ainda que sem esse nome — virou marca registrada.
O Complexo Sirena foi pensado como uma extensão natural dessa trajetória.
“O projeto se baseia no tripé de longevidade financeira: imobiliário, entretenimento e turismo”, afirma Dody. A palavra-chave é longevidade — algo raro em um setor acostumado a viver de datas específicas e ingressos vendidos.
A área total chega a cerca de 200 hectares, localizada entre Gramado e o Parque do Caracol, em uma região definida pelo plano diretor como nova centralidade urbana. É espaço suficiente para executar, com calma, um projeto em fases — e ajustar o ritmo conforme o público responde.
A estrela da primeira fase será um resort do Club Med. A rede, tradicionalmente presente em destinos de praia ou neve, decidiu apostar em Gramado com uma operação de 250 quartos distribuídos em 38 hectares. “O Club Med aceitou o desafio de estar fora do mar e da neve, mas dentro de um complexo de entretenimento”, diz Jaime Sirena. O contrato de operação foi fechado por 18 anos.
Além do hotel, essa etapa inicial inclui um centro de casamentos e convenções, 20 casas vendidas individualmente — sem multipropriedade — e uma pista de esqui outdoor, a maior da América Latina.
“Não operamos multipropriedade. São casas únicas, que entram como pull do Club Med”, afirma Jaime. A inauguração está prevista para julho de 2027.
Nas fases seguintes, o projeto cresce em camadas.
Entram atrações de parque, trilhas, orquidário, jardim botânico, áreas comerciais, restaurantes e condomínios. Também está prevista uma área para hospital. “É um grande bairro planejado”, resume Jaime. “A ideia é integrar tudo ao que Gramado já é. Não estamos criando uma nova Rua Coberta.”
O entretenimento, claro, segue no centro.
A DC Set estuda levar para o complexo um dinner show inspirado no Roxy Dinner Show, que opera em um antigo cinema em Copacabana e foi eleito pela Time como um dos melhores do mundo. Em Gramado, o conteúdo deve mudar. “Lá será mais voltado à cultura gaúcha, à imigração italiana, à história da região”, diz Dody. “É outra narrativa.”
Gramado não entrou no radar por acaso. A cidade recebe entre 8 milhões e 10 milhões de turistas por ano e tem uma característica rara no turismo brasileiro: alta permanência média.
“O turista fica vários dias”, diz Jaime. “Mas hoje ele se desloca o tempo todo.”
É exatamente esse comportamento que o Complexo Sirena tenta reorganizar.
A proposta é concentrar experiências em um único endereço, reduzindo deslocamentos e aumentando o tempo de permanência dentro do próprio complexo. “A pessoa vai se hospedar no Club Med e encontrar tudo ali: atrações, restaurantes, shows, lojas”, afirma.
Há também uma aposta clara em eventos. Casamentos já fazem parte do calendário informal da cidade, mas esbarram na limitação de espaços.
O projeto prevê estruturas dedicadas a esse público, além de centros de convenções pensados para atrair eventos corporativos e culturais. “Casamento hoje busca experiência”, diz Dody. “Cenário, natureza, vidro, paisagem.”
O plano é que Gramado entre, aos poucos, no circuito de atrações recorrentes — inclusive musicais. Sirena vê paralelos com o que aconteceu com Porto Alegre no passado. “A cidade passou a receber shows internacionais por estar no caminho de Buenos Aires”, diz. “Gramado está no trânsito do Mercosul.”
Não é pouco risco. O aeroporto mais próximo fica longe, o público ainda é majoritariamente brasileiro e o investimento é pesado.
Mas Sirena parece confortável com isso.
Depois de quase 50 anos lidando com incerteza, ele aposta que, desta vez, o espetáculo mais ambicioso será o que não termina quando as luzes se apagam.
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