As lições da empresa que passou pela gripe espanhola e pela covid-19
95% das farmácias das redes Droga Raia e Drogasil estão abertas, mas o atendimento não é só presencial: vendas multicanal foram multiplicadas por três
Karin Salomão
Publicado em 16 de maio de 2020 às 08h00.
Última atualização em 16 de maio de 2020 às 17h00.
Com uma história centenária e tendo enfrentado algumas crises de saúde no Brasil, o grupo RD buscou se preparar para a pandemia do novo coronavírus. "Passamos pela gripe espanhola em 1918, que foi mais intensa e mais trágica, e as lojas ficaram abertas todos os dias na ocasião. Isso nos inspira e dá lições para tomar decisões hoje", diz o presidente do grupo, Marcilio Pousada, em entrevista à EXAME.
A Droga Raia foi fundada em 1905 e a Drogasil, em 1935. Juntas desde 2011, as empresas têm mais de 100 anos de história. Um dos aprendizados do grupo, dono das marcas Droga Raia e Drogasil e líder no mercado farmacêutico, foi a importância de manter o atendimento aos consumidores. Atualmente, 95% das farmácias da rede estão abertas, com exceção das que se localizam dentro de shoppings centers.
O atendimento, no entanto, não precisa ser apenas presencial, uma mudança importante em relação às duas crises anteriores. Com a pandemia do novo coronavírus, as vendas por multicanal foram multiplicadas por três. Em março, o digital chegou a 3,5% das vendas, e o total de downloads dos apps chegou a 2 milhões."O que esperávamos acontecer em dois anos aconteceu em quatro semanas", diz Pousada.
A divisão digital da companhia deu um salto em 2018, quando todas as lojas foram habilitadas para a modalidade de entrega de compras online Compre e Retire. "Fomos para a China, entender como a transformação digital estava sendo feita por lá e como as lojas estavam participando", afirma o presidente. Além da modalidade Compre e Retire, há ainda 300 lojas que fazem entregas no mesmo dia nos bairros em que estão localizadas, em um raio de 300 metros.
Com a pandemia, o Compre e Retire sofreu uma alteração. Alguns dos clientes não se sentiam seguros para entrar nas lojas para pegar os produtos. Por isso, alguns gerentes de loja passaram a entregar na calçada ou por drive-thru.
Uma parte relevante das vendas digitais não é feita pelos canais tradicionalmente usados pelas varejistas, como o site ou aplicativo. Os consumidores preferem conversar com o farmacêutico, seja pelo telefone, seja por whatsapp, para realizar uma compra.
Para o presidente, a conversa entre o consumidor e o farmacêutico costuma ser um ponto central do negócio. "Com a tecnologia, estamos voltando à função da farmácia do passado, que é estar perto da comunidade e do cliente", diz.
Reforço nos estoques
Outro aprendizado vindo de crises anteriores foi a necessidade de fortalecer o estoque de produtos chave. Segundo o presidente, a empresa viu a aproximação da pandemia no fim de janeiro e começou a preparar o estoque com álcool em gel e máscaras. Já na ocasião sabiam que não haveria o suficiente e que o essencial era proteger os funcionários de loja.
Uma preocupação também era o impacto do coronavírus na cadeia de suprimentos que vêm da China, país em que a transmissão do novo coronavírus começou, ou da Índia. A empresa trabalhou com a consultoria McKinsey, principalmente o time alocado na Itália, para entender como melhorar a logística.
A empresa usou aprendizados da crise da gripe H1N1 em 2008 e antecipou e estocou compras em seus 11 centros de distribuição, incluindo dois inaugurados no quarto trimestre do ano passado.
Não foi o suficiente para evitar uma ruptura: no fim de março, álcool em gel e máscaras haviam sumido das prateleiras, sem previsão de abastecimento para o consumidor. O foco era ter o suficiente para manter funcionários seguros durante o atendimento. Hoje, os estoques estão normalizados - em abril, as vendas chegaram a cair, diz o presidente.
Além da procura por máscaras e álcool em gel, a rede também verificou maior procura por remédios antigripais e analgésicos. Itens de perfumaria ou cosméticos, como protetores solares ou tratamentos estéticos para a pele, encolheram em um primeiro momento.
A corrida às farmácias ajudou a rede a ter alta de 25% nas receitas no primeiro trimestre do ano, chegando a 5,2 bilhões de reais no trimestre.
Telemedicina
Uma novidade em relação às crises de saúde anteriores é o desenvolvimento da telemedicina. A função das farmácias, com a pandemia do novo coronavírus, está mudando, diz o presidente do grupo RD. "A saúde e os cuidados mudam com essa crise, mas a função da farmácia também", afirma Pousada.
A RD desenvolveu a solução Saúde em Dia, em parceria com outras empresas da área da saúde, incluindo a plataforma de telemedicina Conexa, o portal Cuidaí, rede de laboratórios DASA, rede de clínicas Doutor Consulta e as startups de saúde mental Vitalk e Vittude. A plataforma oferece serviços como apoio psicológico e telemedicina, assim como informações sobre o coronavírus.
Em relação aos colaboradores, a empresa liberou uma plataforma de telemedicina para que os seus 42.250 funcionários, 8.125 deles farmacêuticos, pudessem se consultar com médicos e especialistas do hospital Albert Einstein. Até agora, já foram realizadas quase 7.000 consultas virtuais.
Abertura de lojas
Atualmente, a rede tem quase 14% de participação de mercado no país - 26% no estado de São Paulo, com 1.058 lojas. No início do ano passado, adquiriu a rede de farmácias Onofre, que era controlada pela americana CVS no Brasil.
A abertura de lojas e o crescimento orgânico serão o foco da companhia. Pousada afirma que deve manter o plano de abertura de 240 lojas no ano - a projeção pode atrasar um pouco por conta da pandemia, mas o número se mantém.
Com atendimento digital, abertura de lojas e expansão de soluções de telemedicina, o grupo RD busca aprendizados no passado, nas crises anteriores de sua história centenária, e no futuro, em países já mais digitalizados como a China.