Negócios

Como fica o Grupo Abril após o pedido de recuperação judicial

Marcos Haaland, presidente executivo do Grupo Abril, explica como a empresa utilizará a recuperação judicial para reencontrar o equilíbrio operacional

Marcos Haaland: o pedido de recuperação judicial é de todo o grupo Abril (Divulgação/Abril)

Marcos Haaland: o pedido de recuperação judicial é de todo o grupo Abril (Divulgação/Abril)

DR

Da Redação

Publicado em 15 de agosto de 2018 às 17h00.

Última atualização em 15 de agosto de 2018 às 19h14.

São Paulo — A Abril, um dos maiores grupos de comunicação do Brasil e líder na publicação, produção gráfica e distribuição de revistas e na entrega de encomendas, decidiu entrar com um pedido de recuperação judicial nesta quarta-feira, 15 de agosto. A medida, prevista em lei, serve para que a empresa possa buscar um novo equilíbrio de suas contas. A empresa pretende levar à recuperação judicial dívidas que somam cerca de 1,6 bilhão de reais. Para atacar os problemas que afetam o negócio, a família Civita, controladora do Grupo Abril, contratou recentemente a consultoria internacional Alvarez & Marsal, especializada em reestruturação organizacional.

O executivo Marcos Haaland, sócio da consultoria Alvarez & Marsal, assumiu a presidência executiva do Grupo Abril em 19 de julho. Com larga experiência em casos complexos de reestruturação financeira e operacional, ele atuou em projetos de renegociação de dívidas e melhoria de desempenho de empresas de diversos setores. Na Abril, Haaland e sua equipe já implementaram medidas de redução de despesas, que incluíram a diminuição do quadro de funcionários e a interrupção da publicação de algumas revistas, entre outras iniciativas. “Vamos sair da recuperação judicial, quanto antes, com a empresa novamente saneada e em condições de ter um longo futuro digital”, diz Haaland.

Para explicar o pedido de recuperação judicial (RJ) e o trabalho de reestruturação do Grupo Abril, Haaland concedeu a seguinte entrevista:

AS RAZÕES DA RJ DA ABRIL

EXAME — Como a crise e as mudanças tecnológicas afetaram a área em que a Abril atua?

Marcos Haaland — O modelo de negócio das empresas de comunicação impressa sofreu uma queda expressiva das receitas de publicidade e daquelas provenientes das vendas de assinaturas e de venda em bancas. Alguns números mostram como foi rápida e dramática a mudança de situação. Do total de investimentos em publicidade das grandes empresas em 2010, uma fatia de 8,4% era dirigida para revistas. Essa participação caiu para 3% em 2017. O número de pontos de venda de mídia impressa, como as bancas, diminuiu de 24.000 para 15.000 de 2014 a 2017. A circulação de revistas, no mesmo período, baixou de 444 milhões de exemplares por ano para 217 milhões. E a venda de assinaturas recuou 60%, de 90 milhões para 38 milhões, enquanto a venda de exemplares avulsos se reduziu quase a um terço do que foi: de 173 milhões para 63 milhões.

De quanto foi a perda de receitas da Abril nos últimos anos?

Na Abril Comunicações, a receita total caiu de 1,4 bilhão de reais há quatro anos para 1 bilhão no ano passado, uma queda causada principalmente pela redução da publicidade.

É por isso que a Abril está pedindo recuperação judicial?

Com resultados ruins já há algum tempo, o nível de endividamento da empresa ficou elevado. O patrimônio líquido se tornou negativo, e operacionalmente passou a consumir o caixa. Esse déficit de caixa tem sido coberto com aportes dos acionistas e represamento de pagamentos a fornecedores, uma situação que não é sustentável. Mas, o que é muito importante, tivemos um evento que precipitou a entrada com o pedido da recuperação judicial: de uma forma abrupta, os bancos decidiram restringir o acesso da Abril a capital de giro.

Qual é o valor da dívida do Grupo Abril?

É da ordem de 1,6 bilhão de reais o total das dívidas submetidas à recuperação judicial. É um mecanismo legal que suspende durante um tempo a execução de dívidas e, com isso, dá um fôlego para a empresa buscar meios de se recuperar financeiramente.

Todas as dívidas são incluídas na recuperação judicial?

Não. Há algumas dívidas que não são submetidas à RJ porque têm algum tipo de garantia específica, principalmente a alienação fiduciária. Essas dívidas têm de ser negociadas fora da RJ.

Qual foi o faturamento e qual foi o resultado do grupo Abril em 2017?

O faturamento do grupo ficou perto de 1 bilhão de reais líquidos, com prejuízo acima de 300 milhões.

O Grupo Abril todo entrará em recuperação judicial?

O pedido de RJ é do grupo. Isso envolve todas as empresas operacionais, distribuídas em quatro áreas de negócios: a Abril Comunicações, que mantém as atuais 16 revistas e sites; a Gráfica, a maior da América Latina, que imprime as publicações do grupo e de terceiros; a Dinap – distribuidora de publicações do grupo e de outras empresas, atendendo a mais de 30 editoras; e a Total Express, distribuidora de encomendas que entrega 750 milhões de itens por ano, por meio de 600 rotas semanais aéreas e terrestres, para 2.800 municípios.

O AJUSTE JÁ FEITO E COMO FICA A ABRIL

Qual é o tamanho do ajuste já feito no Grupo Abril?

Foram demitidas cerca de 800 pessoas, somando os cortes de todas as empresas, e foram feitas outras reduções de despesas operacionais, para a busca do equilíbrio da operação.

Mas haverá dinheiro novo na empresa?

Sim, estamos buscando financiar a empresa por meio de mecanismos específicos voltados a negócios em estresse financeiro. Isso pode se dar de várias maneiras, mas basicamente deve ser feito por meio de dívida estruturada com fundos que investem nesse tipo de situação. Temos boas chances de realizar esse financiamento.

A empresa passa a operar no azul após as medidas de reestruturação?

Fizemos os cortes para atingir o ponto de equilíbrio e, obviamente, buscar a recuperação e um superávit operacional. Os cortes envolvem não só a redução de pessoal mas também de despesa. Como isso ocorreu faz pouco tempo, ainda temos de aguardar o fechamento de um mês para comprovar que atingimos o equilíbrio. Mas, o nosso foco é – com essas ações e outras medidas que vão ser tomadas de melhoria de receita, ganho de eficiência e redução de despesas não relacionadas a pessoal – que num curto prazo a Abril atinja um superávit operacional.

A reestruturação então continua? Poderá haver novos cortes?

A reestruturação continua porque a empresa está passando por um momento de readequação e esse não é um fato isolado da Abril. É algo que está ocorrendo no setor de comunicação no Brasil e no mundo. Notícias de readequação desse setor saem com frequência. Então, a reestruturação da Abril continuará até a gente desenhar um novo modelo operacional levando em conta como o mundo digital afeta a empresa. Não temos previsão de novos cortes e sim de um redesenho da companhia para os desafios tecnológicos.

Quantos funcionários o grupo mantém? Quantas revistas?

O grupo mantém cerca de 3.000 funcionários. O portfólio de revistas e sites que continua é composto pelos seguintes títulos: Veja, Veja SP, Exame, Você S/A, Você RH, Quatro Rodas, Placar, Capricho, Claudia, Portal M de Mulher, Bebê.com, Guia do Estudante, Saúde, Superinteressante, Viagem e Turismo e Vip.

Haverá contratações para repor posições que ficaram vagas?

As contratações vão se dar conforme o novo modelo a ser desenhado. O novo modelo vai dizer onde a empresa deve investir. A Abril vai precisar investir em novas áreas, investir mais no digital, e isso provavelmente levará à necessidade de atrair pessoas com perfil talvez diferente do que tem hoje. Mas não no curto prazo. Isso vai acontecer na medida em que o novo modelo for desenhado.

Até quando a Alvarez & Marsal fica na Abril?

A Alvarez & Marsal permanecerá até a garantia do equilíbrio e da sustentabilidade da empresa. Isso geralmente se dá até a aprovação do plano de recuperação na assembleia geral de credores.

Por que o futuro da Abril pode ser diferente do que foram os últimos anos?

Eu não posso julgar o passado, até porque eu não estava aqui. Mas há uma mudança tecnológica que está afetando o setor como um todo, que trouxe uma crise e uma necessidade de pensar como é produzido e distribuído um conteúdo de qualidade. Isso está se passando no Brasil, nos Estados Unidos, na Europa. É problema estrutural de todo o setor de comunicação e precisamos pensar em como nos adaptar aos novos tempos. Alguns que começaram mais cedo a se mover já estão mais adaptados, caso do jornal americano The New York Times. A Abril está buscando essa adequação e um novo modelo para se revigorar. Vamos sair da recuperação judicial, quanto antes, com a empresa novamente saneada e em condições de ter um longo futuro digital.

ENTENDA O PROCESSO LEGAL DA RJ

Como se dá a formalização de um pedido de recuperação judicial?

O pedido de RJ tem uma série de requisitos legais, precisa ser acompanhado de documentos e informações, como os balanços dos três anos anteriores. Isso é carregado num sistema eletrônico da Justiça, que seleciona um juiz de uma das diversas varas especializadas no meio empresarial existentes em São Paulo. O juiz selecionado analisa se o pedido e os documentos anexos cumprem a lei. Em caso positivo, após deferir o pedido, o juiz nomeia um administrador judicial para acompanhar o processo.

Esse administrador judicial passa a comandar a empresa?

O administrador judicial na verdade só supervisiona e fiscaliza o que está acontecendo. A gestão continua com os atuais administradores da companhia. O administrador judicial funciona como os olhos e os braços do juiz. Recebe relatórios mensais de atividade para fiscalizar se não está sendo cometido nenhum delito, se a empresa enfim está cumprindo os passos da lei.

Como o pedido de RJ é levado aos credores?

No momento em que o pedido de recuperação judicial é aceito pelo juiz – o que pode demorar alguns dias ou semanas desde a entrada, acontecem duas coisas: 1) a dívida da empresa é congelada naquela data; 2) a empresa entra num período de proteção judicial de 180 dias, em que não pode ser executada pelos credores que estão sujeitos à RJ.

Existe um prazo para a resposta ao pedido?

Após a aceitação do pedido de RJ pelo juiz, a empresa tem 60 dias para apresentar um plano de pagamento aos credores – o chamado plano de recuperação judicial. Esse prazo corre em paralelo com o de 180 dias de proteção. O plano apresentado pela empresa é avaliado pelos credores e pode haver um processo de ajustes. O resultado é levado a uma assembleia geral de credores. Nessa assembleia, o plano é submetido a uma votação, de cada uma das quatro classes de credores (trabalhista; com garantia real; sem garantia; micro e pequenos empreendedores). É preciso haver 50% dos votos mais 1, em cada uma das quatro classes, para a aprovação do plano. Com o plano aprovado, a empresa então renova suas dívidas. Aí a vida segue e a empresa tem de cumprir o plano.

E para o cumprimento do plano, há prazo?

Do momento em que a assembleia aprova o plano e ele é homologado pelo juiz, o que também pode levar algumas semanas, se nos dois anos seguintes a empresa cumprir integralmente o combinado, a RJ é levantada – ou seja, a empresa sai da recuperação judicial.

Acompanhe tudo sobre:AbrilMídiaRecuperações judiciais

Mais de Negócios

Fortuna de Elon Musk bate recorde após rali da Tesla

Prêmio Sebrae Mulher de Negócios 2024: conheça as vencedoras

Pinduoduo registra crescimento sólido em receita e lucro, mas ações caem

Empresa cresce num mercado bilionário que poupa até 50% o custo com aluguel