JOGADORES DO CORINTHIANS COMEMORAM O TÍTULO: gasto com futebol no primeiro semestre foi pouco mais da metade do Palmeiras (Paulo Whitaker/Reuters)
Carolina Riveira
Publicado em 16 de novembro de 2017 às 18h15.
Dinheiro certamente ajuda, mas não é tudo na vida. Nem no futebol. Uma nova mostra foi dada nesta quarta-feira. Mesmo com um time mais barato e menos badalado que o de alguns adversários, o Corinthians sagrou-se heptacampeão brasileiro com três rodadas de antecedência, ao vencer o Fluminense por 3 a 1.
Com a vitória, o Corinthians tornou-se o clube com mais conquistas nacionais nesta década. O Corinthians foi Campeão Brasileiro em 2011, 2015 e 2017. É também o último brasileiro campeão mundial, em 2012.
É uma regularidade que esconde uma guinada na estratégia esportiva do clube para 2017. Ao contrário das conquistas anteriores, desta vez o Corinthians levou o troféu mesmo sem contratações renomadas. Um dos heróis do título, o atacante Jô, chegou ao time desacreditado, sem jogar desde a metade de 2016. O técnico Fábio Carille, por sua vez, assumiu o time após a saída de Tite, atual técnico da seleção, numa solução caseira e barata.
Os maiores times do Brasil viram suas receitas crescerem 65% desde 2014, mesmo em meio a uma renhida crise econômica. Dos três mais ricos, o Flamengo faturou 510,1 milhões de reais em 2016 (43% a mais que em 2015); o Corinthians faturou 485,4 milhões (63% a mais que em 2015) e o Palmeiras faturou 468,6 milhões (33% a mais que em 2015). Os dados são do consultor esportivo Amir Somoggi.
Grande parte desse aumento foi inflado, graças à renovação dos direitos de transmissão do Brasileiro para os canais fechados entre 2019 e 2024. Os contratos renderam aos 20 clubes de maior receita um montante de 4,9 bilhões em “luvas”, um dinheiro extra pelo fechamento do contrato, o que representou 51% das receitas desses clubes em 2016.
Com melhores estádios (em alguns casos), mais sócios, novos patrocínios e estratégias de marketing mais agressivas, esses times, na teoria, deveriam abrir vantagem em relação aos demais competidores. Mas sucesso no futebol, por sorte, não depende só de dinheiro.
Em crise financeira e altamente endividado, o Corinthians gastou menos este ano. Foram 113 milhões de reais gastos no futebol no primeiro semestre, menos do que a média mensal de 24 milhões de reais em 2016 (o clube não disponibiliza os balanços semestrais do ano passado, o que dificulta uma comparação mais precisa).
Em comparação, seus dois principais concorrentes pisaram no acelerador. O Flamengo gastou 173 milhões entre janeiro e junho, 76% a mais que no mesmo período de 2016. O Palmeiras gastou 210 milhões de reais, 32% a mais que no primeiro semestre de 2016.
Os gastos menores do Corinthians são decorrentes de salários mais baixos, mas principalmente de menos investimento. Flamengo e Palmeiras, juntos, foram responsáveis por 36% das receitas investidas em contratação de atletas no exterior no primeiro semestre, segundo um relatório da CBF. Para formar o time de 2017, o Palmeiras gastou 85 milhões de reais só com contratações. A maior delas foi o atacante colombiano Borja, que custou 33 milhões de reais — a contratação mais cara da história do clube.
Os dois times tinham como objetivo declarado ganhar todos os títulos possíveis. Só nos primeiros nove meses deste ano, o Flamengo gastou 275 milhões de reais com futebol, 65 milhões a mais do que no ano passado inteiro.
“Dinheiro traz mais chance de ser campeão, mas no fim, é uma combinação entre gestão financeira e esportiva. O Corinthians tem a folha menor que a do Palmeiras, mas conseguiu ser mais eficiente na organização do futebol”, diz Pedro Daniel, consultor da rede de contabilidade BDO.
Acabaram pecando pelo excesso, o que mostra que os clubes brasileiros precisam não só de boa administração, mas de uma gestão esportiva mais eficaz. As duas nem sempre andam juntas. Flamengo, Palmeiras e Corinthians estão, aliás, em situações opostas.
O Flamengo faturou 409 milhões de reais no primeiro semestre (84% a mais que em 2016), e o Palmeiras faturou 272 milhões de reais (26% a mais). Os dois fecharam o semestre com lucro: 168 milhões de reais para o Flamengo, e 31 milhões de reais para o Palmeiras.
O Corinthians, por sua vez, teve prejuízo, de 35 milhões de reais no primeiro semestre. Ou seja: o clube pode ter gastado um pouco menos neste ano, mas ainda assim ficou acima de suas capacidades. Em 2014, o clube teve prejuízo de 97 milhões de reais; em 2015, de 37 milhões. No ano passado, conseguiu superávit de 31 milhões, mas graças aos direitos de televisão.
Um dos problemas do Corinthians é encontrar outras fontes de receita, para que o faturamento acompanhe os gastos. Além da TV, o clube também depende excessivamente de venda de atletas, responsáveis por 44% das receitas em 2016. O time também não pode contar com as receitas de bilheteria desde junho de 2014, quando deixou de mandar seus jogos no Pacaembú e passou a usar a Arena Corinthians, seu estádio próprio. De lá para cá, a bilheteria já rendeu mais de 100 milhões de reais, mas nem um centavo entra no caixa, já que o dinheiro vai integralmente para pagar os gastos de manutenção do estádio e o financiamento obtido junto ao BNDES para construí-lo. O Corinthians também não conseguiu, até agora, vender os naming rights do estádio — como fez o Palmeiras, que ganhou 300 milhões de reais para que a seguradora Allianz desse seu nome ao Allianz Parque. “O faturamento não vem sendo suficiente para o clube fechar no azul”, diz Somoggi.
Enquanto isso, para Palmeiras e Flamengo, o título não veio em 2017, mas eles devem manter a folha de pagamento alta e tentar de novo no ano que vem. Ao menos os balanços financeiros saudáveis lhes dão essa condição. E o Corinthians?
Para segurar o time campeão, o clube precisará conceder aumentos e renovar contratos. Como voltará à Libertadores, deve trazer reforços. O clube ainda elege uma nova diretoria em fevereiro, o que pode levar a mudanças de estratégia. Mas sem as luvas que entraram em 2016, o caixa para gastar será menor. O risco é voltar a gastar alto em reforços e jogar pela janela as boas lições esportivas de 2017.