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CEO do iFood: 'Mercado de delivery vive entropia impulsionada por subsídios'

O líder em delivery nunca recebeu tantos pedidos como agora, graças aos descontos de concorrentes. A dúvida é o que acontece quando o incentivo acabar, diz Diego Barreto

Isabela Rovaroto
Isabela Rovaroto

Repórter de Negócios

Publicado em 9 de dezembro de 2025 às 10h33.

Última atualização em 9 de dezembro de 2025 às 17h19.

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Diego Barreto, CEO do iFood: “O que fica de pé quando o subsídio sai? Essa é a pergunta que o setor precisa fazer” (iFood/Divulgação)

O iFood nunca recebeu tantos pedidos. Mesmo em meio à guerra do delivery, marcada pela chegada de novos concorrentes, denúncias de espionagem e disputa pelas bags usadas pelos entregadores, a plataforma registrou em novembro o maior volume da sua história.

Foram 180 milhões de pedidos em um único mês, um salto de 58% em relação ao ano anterior e um avanço de 11% sobre o recorde de outubro.

O setor cresce como nunca, ao mesmo tempo em que o líder de mercado questiona a sustentabilidade desse movimento.

Para Diego Barreto, CEO do iFood, a explosão recente do mercado não se explica apenas por inovação, conveniência ou mudanças no comportamento do consumidor. Há um fator externo decisivo: o investimento massivo de novos concorrentes em cupons, isenção de taxas e descontos agressivos, práticas que “inflam” temporariamente a demanda.

“O mercado passa por uma maior entropia. O crescimento de agora é influenciado pelos altos subsídios dos novos players. A dúvida é o que acontece quando esse incentivo acaba”, afirma.

“Quando o subsídio sai, restaurantes ficam com capacidade ociosa e entregadores perdem horas de trabalho. Já vimos isso acontecer no Brasil em 2018 e 2019.

O que explica o bom momento do iFood

Apesar do alerta, Barreto aponta que a operação vive um bom momento puxado por três fatores: inovação, mudança no comportamento do usuário e expansão de novos canais. Ele destaca especialmente o papel do Hits, o braço de refeições de preço mais acessível, e a consolidação do WhatsApp como motor relevante de pedidos.

“O que destrava esse crescimento é inovação. O Hits, por exemplo, abriu inúmeras ocasiões de uso”, diz.

O Hits reúne refeições mais acessíveis e sem taxa de entrega. O produto já soma 30,8 milhões de pedidos, está presente em 77 cidades, envolve 64,5 mil restaurantes e gera um aumento médio de 32% nas vendas dos participantes.

Ele também ressalta o avanço do uso da plataforma fora do app tradicional: “O WhatsApp tem trazido muito restaurante e muito cliente. Muitas vezes, a pessoa nem percebe que está usando o iFood, mas está.”

Segundo Barreto, a expansão combina novos clientes nas regiões periféricas com aumento da frequência nas áreas centrais, reforçando uma maturidade maior do ecossistema.

Recorde puxado por São Paulo, Rio e novos canais

O desempenho de novembro foi impulsionado principalmente pelas grandes capitais. São Paulo atingiu 20 milhões de pedidos no mês, crescimento de 30% em relação ao ano anterior, enquanto o Rio de Janeiro superou 8,8 milhões, com alta de 36%. As duas operações formam a base da expansão nacional.

O iFood também ampliou sua base de usuários: 13 milhões de novos consumidores passaram a usar a plataforma em 2025, chegando a 60 milhões. Do lado da oferta, a empresa registrou recorde de restaurantes e entregadores por seis meses consecutivos, com 500 mil entregadores mensais e quase 450 mil restaurantes ativos.

Além disso, a operação deixou de ser centrada apenas no aplicativo. Hoje, o WhatsApp responde por cerca de 25 milhões de pedidos mensais, e sua participação continua crescendo. “Toda a transação ocorre por trás da interface do WhatsApp”, explica Barreto.

O tamanho do iFood já se reflete na economia brasileira. Segundo estudo da Fipe, o ecossistema da empresa movimentou R$ 140 bilhões em 2024, o equivalente a 0,64% do PIB, além de gerar 1 milhão de postos de trabalho, entre diretos e indiretos. Restaurantes presentes na plataforma cresceram 2,3 vezes mais que a média nacional entre 2023 e 2024.

O braço financeiro, o iFood Pago, vem se consolidando como instrumento de capitalização para pequenos e médios negócios. A empresa já pré-aprovou R$ 8,56 bilhões em crédito e liberou R$ 2,83 bilhões a 67 mil restaurantes. A conta digital superou 205 mil contas ativas, mas Barreto faz questão de reforçar: não se trata de um “banco do iFood”, para evitar confusões regulatórias

Espionagem e o lado cinzento da concorrência

O acirramento da disputa no delivery trouxe efeitos pouco usuais. Desde o início de 2025, o iFood registrou quase mil tentativas de compra de dados internos por empresas estrangeiras que atuam fora do alcance jurídico do Brasil.

“Competimos por muitos anos com intensidade, mas nunca com esse tipo de comportamento”, afirma Barreto. Sem ferramentas legais para agir contra essas empresas, o iFood passou a identificar colaboradores que comercializaram informações e a abrir ações penais. Mandados de busca já foram cumpridos, e alguns casos podem resultar em prisões. “É doloroso, mas necessário.”

Para o próximo ano, o iFood prevê acelerar a expansão do Hits, fortalecer seu braço financeiro e ampliar a oferta de produtos de parcelamento e crédito. Mas, no centro da análise do CEO, permanece um ponto: o setor só será sustentável se o crescimento for real — e não apenas fruto de incentivos temporários.

“O consumidor hoje está sendo conduzido por incentivos que não necessariamente permanecem no longo prazo”, diz Barreto. “O que fica de pé quando o subsídio sai? Essa é a pergunta que o setor precisa fazer.”

Enquanto o mercado tenta responder, o iFood vive um paradoxo: cresce como nunca, mas com cautela. “Os recordes são ótimos, mas o setor precisa de estabilidade no longo prazo. O momento é de inovação acelerada, mas também de atenção aos efeitos colaterais.”

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