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Black Friday: boa para todos?

Importada dos Estados Unidos, Black Friday pegou no Brasil. Mas ela é realmente boa para o e-commerce?

CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DA NETSHOES: companhia conseguiu reduzir prejuízo / Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)

CENTRO DE DISTRIBUIÇÃO DA NETSHOES: companhia conseguiu reduzir prejuízo / Germano Lüders/EXAME (Germano Lüders/Exame)

GK

Gian Kojikovski

Publicado em 22 de novembro de 2016 às 18h40.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h21.

O e-commerce brasileiro vive de modas que nascem para revolucionar o mercado, mas que logo se mostram muito menos promissoras do que prometiam. Foi isso que aconteceu com o frete grátis. Era um esforço financeiro que servia como forma de incentivar novos consumidores a comprar online em uma época em que a penetração de internet crescia rapidamente. Virou uma camisa de força.

Se o lojista passasse a cobrar pela entrega, perderia compradores – e faturamento. O valor de transporte, dependendo do setor, varia entre 2% e 4% da receita das empresas de e-commerce. No varejo, onde as margens de lucratividade são estreitas, essa era a diferença entre a companhia fechar no vermelho ou no azul no final do ano. Foi assim também quando, para serem mais competitivas, algumas lojas passaram a aceitar pagamentos em até 12 vezes. Virou um problemão para o fluxo de caixa.

Como as crises nem sempre servem de lição, os lojistas logo partiram em busca da próxima moda. Eis que chegamos à Black Friday. A data, que acontece novamente próxima sexta-feira 25, é vista como salvadora por muitos lojistas, principalmente num momento de crise como o atual. O setor, que estava acostumado a taxas de crescimento acima dos 20%, cresceu menos que o previsto em 2015, 8%. Importada dos Estados Unidos, onde acontece logo após o Dia de Ação de Graças, a Black Friday não tem ligação cultural com os brasileiros, mas isso pouco importa.

Este ano, a previsão é que somente a data seja responsável 2,1 bilhões de reais de receita para o e-commerce no país, ou quase 5% do faturamento anual, já que 2016 deve fechar com 44,6 bilhões de reais em produtos vendidos online. O número é 30% maior que na Black Friday de 2015, de acordo com dados do E-bit, a maior consultoria de comércio eletrônico do Brasil. “A Black Friday vende 12 vezes a mais do que uma sexta-feira normal”, diz Pedro Guasti, presidente do E-bit. E foi assim que a data se tornou a principal do ano para as vendas online. Em faturamento e crescimento, a data é um sucesso. Mas será que é um sucesso do ponto de vista de negócios também?

Por ser realizada apenas um mês antes do Natal, a Black Friday acaba antecipando as compras de fim de ano. Uma pesquisa do Google, em parceria com o Ibope, apontou que 47% das pessoas que vão comprar na sexta pretendem adquirir presentes natalinos para parentes e amigos agora. “Até 2012, quando a Black Friday ainda estava começando por aqui, as principais datas para o comércio eletrônico eram entre os dias 10 e 12 de dezembro, para dar tempo suficiente para as compras chegarem ao destino”, diz Guasti. “Agora, as pessoas postergam as compras do começo de novembro, principalmente as mais caras, e adiantam as do Natal, para tentar ter algum tipo de desconto”.

O lado positivo é que, ao antecipar as compras do Natal, diminui a pressão de entrega que inevitavelmente acontecia em dezembro. Com o grosso das compras ocorrendo há menos de 15 dias da principal data comemorativa do ano, nada poderia dar errado. Foi emblemático o caso da gigante do e-commerce B2W, que sofreu um apagão de logística em 2010 e deixou milhares de clientes sem seus presentes – alguns chegaram só em fevereiro.

Ao estilo americano

A Black Friday surgiu nos Estados Unidos em 1932. A data é usada pelo varejo, majoritariamente físico, para limpar as prateleiras de produtos e renovar o estoque para o Natal, quando os consumidores voltam para comprar presentes. Assim, o lojista acaba se aproveitando para vender duas vezes, mesmo que em uma delas com margem bem reduzida. Datas assim são comuns no mundo. Na China, o Dia dos Solteiros, comemorado também e novembro, e no Japão, o White Day, em março, são grandes datas de compras criadas pelo marketing.

No Brasil, em 2010, cerca de 50 sites de e-commerce se juntaram para organizar o dia de descontos aqui pela primeira vez. A diferença é que o comércio eletrônico não tem o mesmo problema de espaço que as lojas físicas e, portanto, não precisaria se “livrar” do estoque da mesma forma. Somado a isso, se as compras de Natal são antecipadas, os lojistas deixam de vender duas vezes. “A data veio para o Brasil distorcida. Não faz muito sentido as lojas darem mais desconto em um período em que as pessoas têm mais dinheiro, por causa do décimo terceiro”, diz Guasti.

O grande volume vendido acaba maquiando um pouco a diminuição de margem. Para lidar com o problema, algumas lojas também oferecem outros serviços, como garantia estendida ou instalação do produto, além da venda de publicidade para outros lojistas no caso de marketplaces, que ajudam a diminuir o estrago. “É a combinação que tem que trazer a margem de lucro, não apenas a venda do produto. O Brasil tropicalizou o conceito da Black Friday e vem aprimorando a melhor maneira de vender na data a cada ano”, diz Paulo Silva, presidente do Walmart.com no Brasil.

O lado bom é que, com toda a propaganda que é feita em cima da data, pessoas que nunca haviam comprado online, ou que o fazem muito esporadicamente, acabam cedendo. A estimativa do E-bit é que 5,2 milhões de pessoas que não colocaram a mão na carteira ainda em 2016 para comprar na internet vão fazer isso na sexta-feira, quase o dobro da média de novos consumidores por mês.

Para os lojistas, se participar não chega a ser um grande negócio, ficar de fora pode ser pior. “O orçamento que vai ser gasto nas compras online em novembro e dezembro é mais ou menos o mesmo, então se muita gente vai gastar esse dinheiro na Black Friday, o lojista não tem como escolher ficar de fora”, diz Gastão Mattos, especialista em e-commerce e presidente da empresa de tecnologia para pagamentos online Braspag.

Dessa forma, mesmo que nem sempre seja a melhor escolha, ainda mais para alguns nichos específicos que já têm pouco espaço para cortar preços, não participar não é uma opção. Essa lógica também vale para setores que não vendem produtos, como passagens aéreas, hotéis, cursos educacionais e até cinemas. A máxima que fica é que é melhor vender enquanto as pessoas têm dinheiro do esperar que elas gastem.

De maneira geral, somente pequenas e médias empresas ganham dinheiro com e-commerce no Brasil; as grandes apresentam prejuízos e mais prejuízos. Sempre na promessa de conseguir o maior mercado possível para começar a lucrar quando o comércio eletrônico alcançar uma grande penetração. Mas essa promessa vem pelo menos desde 2006, quando o país tinha menos de 14 milhões de pessoas com acesso à banda larga. Hoje, são 100 milhões. E nada de lucro.

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