Negócios

As disputas que levaram a uma oferta de US$ 130 bilhões

Fragilizada por uma briga atroz com a Apple, a fabricante de chips Qualcomm recebe uma oferta de 130 bilhões de dólares da rival Broadcom

QUALCOMM: até pouco tempo dominante em smartphones, a companhia viu a concorrência crescer, e os processos judiciais explodirem  / Mike Blake/ Reuters (Mike Blake/Reuters/Reuters)

QUALCOMM: até pouco tempo dominante em smartphones, a companhia viu a concorrência crescer, e os processos judiciais explodirem / Mike Blake/ Reuters (Mike Blake/Reuters/Reuters)

DR

Da Redação

Publicado em 7 de novembro de 2017 às 12h42.

Última atualização em 7 de novembro de 2017 às 12h54.

Brigar com a Apple não parece ser um bom negócio. É algo como desafiar o sujeito mais parrudo da escola para uma briga de rua. Com um detalhe a mais: uma penca de outros desafetos prontos para lhe dar uns tabefes a cada vez que você tropeçar.

Esta é a situação da fabricante de chips americana Qualcomm. Em meio a uma briga de vários assaltos com a Apple, veio um poderoso tabefe da rival Broadcom, também americana.

Um tabefe com uma barra de ouro, pode-se dizer. A Broadcom anunciou nesta segunda-feira uma oferta de 130 bilhões de dólares – incluindo a compra da dívida de 25 bilhões de dólares da empresa – pela Qualcomm. Se for concretizado, será o maior negócio do setor de tecnologia, com um valor bem acima da compra da EMC pela Dell, em 2015, por 67 bilhões de dólares.

A oferta, uma mistura de dinheiro e ações da nova empresa, representa um acréscimo de 28% no preço das ações da Qualcomm no início do mês. A direção da Qualcomm achou pouco.

Segundo a revista Bloomberg, a proposta foi encarada como uma tentativa de comprar a empresa numa pechincha. A resposta oficial foi que a Qualcomm vai “considerar a proposta de modo a definir o curso de ação que atenda aos melhores interesses de seus acionistas”.

Na comparação com outros negócios, a oferta está relativamente barata, mesmo. Trata-se de 21,2 vezes o Ebitda (lucro antes de impostos, juros, depreciações e amortizações). A média na indústria é de um múltiplo um pouco maior: 22,5.

É pouco provável que ela seja aceita nestes termos. E, caso seja, o negócio ainda pode ser derrubado pelas autoridades reguladoras: ambas as companhias estão entre as dez maiores fabricantes de chips, numa indústria que está se consolidando rapidamente. Juntas, elas dominariam amplamente a cadeia de chips de modem, responsáveis pelas comunicações dos celulares (tanto via rede como via Wi-Fi).

Por outro lado, a união faz sentido – pelo mesmo motivo que atrairia os olhares dos reguladores. A Broadcom é especializada nos chips que permitem a transmissão de dados via Wi-Fi e Bluetooth; mas lhe falta o chip que permite a conexão com as antenas de telefonia, o principal produto da Qualcomm (que deve se tornar ainda mais lucrativo com o avanço das redes 4G e 5G pelo mundo).

“Essa transação complementar vai posicionar a companhia combinada como uma líder de comunicações global, com um impressionante portfolio de tecnologias e produtos”, afirmou Hock Tan, presidente e executivo-chefe da Broadcom.

A própria Qualcomm está envolvida em outro processo de compra: ofereceu 39 bilhões de dólares pela NXP. A Broadcom diz que sua oferta permanece mesmo se este negócio não se concretizar.

O modelo bilionário da Qualcomm

Aconteça o que acontecer, a proposta da Broadcom é evidência de outra coisa: a fragilidade da Qualcomm. Se não for comprada (pela Broadcom ou por outra empresa), ela ainda corre o risco de ser desmembrada.

Longe vão os tempos em que a Qualcomm era uma estrela do mercado financeiro. Ela estava no lugar certo, na hora certa. Com um chip menos potente que os da Intel, porém com menor consumo de energia, graças a uma arquitetura revolucionária, a Qualcomm surfou na popularização dos smartphones (que exigem gasto menor de bateria). Com isso, ela mais do que triplicou sua receita, na última década.

Nos últimos cinco anos, porém, seu valor de mercado ficou estagnado, enquanto o restante da indústria de tecnologia disparava. Parte disso é o ciclo natural dos negócios. Invente um produto muito atraente e, não tardará muito, chegarão os concorrentes. E a sua vida não será mais tão fácil.

É aí que entra a Apple.

Até 2015, a pioneira do mundo dos smartphones e principal força deste mercado considerava que os modems da Qualcomm eram os únicos bons o suficiente para o iPhone. Por isso, aceitava os preços que a empresa queria – e seu modo de cobrança, digamos, peculiar.

Mas então a Apple começou a se voltar para o modem da Intel, que passou a ser usado em algumas versões do iPhone 7. E ela se sentiu segura o bastante para dar uma chacoalhada na Qualcomm. “O que nos levou a enfrentar a Qualcomm agora, em vez de cinco anos atrás, é simples”, disse à Bloomberg o conselheiro geral da Apple, Bruce Sewell. “É a existência de uma segunda fonte.”

O chip da Intel ainda é inferior ao da Qualcomm em termos de velocidade de transmissão de dados. Mas a Apple achou que já era o bastante para desafiar o modelo de cobrança da Qualcomm. Esse modelo se apoia no poder do modem da Qualcomm.

Até 1999, as transmissões de dados dos celulares eram feitas dividindo o tempo que cada aparelho usava a rede. Os usuários não percebiam essas pausas de menos de um milissegundo, mas cada aparelho se revezava com outros para enviar dados à rede.

Então a Qualcomm veio com uma inovação arrasadora: o CDMA, uma tecnologia que permitia dividir o espaço (os códigos de dados) no mesmo espectro. Era uma tecnologia cinco vezes mais eficiente. Enquanto as redes eram lentas, isso não fez muita diferença, mas com o avanço do 3G a Qualcomm passou a dominar o mercado de chips de modem (que “traduzem” os dados em ondas de rádio para ser transmitidos).

A Qualcomm teve um papel preponderante na difusão dos smartphones. E soube cobrar por isso.

Em vez de apenas produzir os chips e vendê-los, a Qualcomm impôs um modelo de licenciamento. Ela produz o chip e permite que outras fabricantes o produzam. Mas o pulo do gato está na cobrança seguinte. Não importa quem produza o chip, a Qualcomm cobra um percentual do valor do celular pelo que considera “a alma da comunicação”.

Esse percentual – conhecido com a “taxa Qualcomm” – chega a 5% do valor do celular. Não à toa, a receita de licenciamento da Qualcomm saltou de 2,8 bilhões de dólares, em 2007, para 7,7 bilhões, no ano passado. Com uma margem de lucro de extraordinários 85%.

A inimizade da Apple

Até pouco tempo atrás, a política da Apple era usar sua musculatura para negociar. Estima-se que ela pagasse um terço da taxa Qualcomm para seus iPhones, algo como 10 dólares por celular. Parte do acordo era uma promessa de que a Apple não questionaria as patentes da Qualcomm. Mas nada a impedia de testemunhar em investigações que outras empresas trouxessem contra a Qualcomm.

E aí entra a Samsung.

Rival aguerrida da Apple, a Samsung é também fornecedora de vários componentes do iPhone – a típica relação frenemy (friend e enemy, amiga e inimiga) do mundo da tecnologia.

A Qualcomm acusa a Apple de ter incentivado a Samsung a pressionar as autoridades sul-coreanas a investigar as práticas supostamente abusivas da fabricante de chips. O caso é mais controverso dado que o líder da Samsung, Jay Y. Lee, foi condenado por dar propinas à ex-presidente, Park Geun-hye.

A agência reguladora coreana multou a Qualcomm em 850 milhões de dólares no final do ano passado e, três semanas depois, as autoridades de comércio americana levaram adiante a mesma queixa contra a Qualcomm (táticas anticompetição).

Poucos dias depois, a Apple entrou com um processo contra a Qualcomm, exigindo redução de preços e uma indenização de 1 bilhão de dólares. Em poucas semanas, a Qualcomm, perdeu 25% de seu valor de mercado – uma redução de 25 bilhões de dólares.

De lá para cá, a situação só degringolou. O sistema de cobrança da Qualcomm é investigado na China, Taiwan, Coreia do Sul, Japão, União Europeia e Estados Unidos.

Em agosto do ano passado, a Qualcomm retaliou contra a Apple, deixando de repassar à empresa os descontos pela compra de chips (na prática, aumentando os preços dos royalties).

A Apple trucou. Em janeiro, processou a Qualcomm por montar um “esquema de extorsão” e cortou seus pagamentos de direitos autorais para a Qualcomm, um montante de 2 bilhões de dólares por ano.

Em julho, a Qualcomm acusou a Apple de infringir seis de suas patentes e pediu o banimento de iPhones com chips da Intel. Também pediu ao governo chinês que proíba a venda de iPhones no país.

E no primeiro dia de novembro, entrou com novo processo contra a Apple, acusando-a de passar informações de sua licença de chip de modem para a rival Intel. Segundo a ação, a Apple pediu informações à Qualcomm e incluiu um engenheiro da Intel na lista de emais da conversa.

É possível que essas escaramuças acabem sendo resolvidas por acordos extra-judiciais. Muitas vezes, o uso de advogados é uma estratégia de negociação. Porém, o confronto chegou a um nível tal que dificulta um acordo. Se o negócio da Broadcom for adiante, a troca de comando na Qualcomm pode suavizar a disputa com a Apple. Os investidores ficaram animados: as combalidas ações da Qualcomm chegaram a subir 16% na segunda-feira.

Acompanhe tudo sobre:ChipsEmpresasExame HojeFusões e AquisiçõesQualcomm

Mais de Negócios

GDM busca talentos em universidades e expande negócios para além da soja

Esta empresa está procurando uma startup para dar R$ 2 milhões – e de quebra, gravar um documentário

Forbes inaugura clube privado em Madri como parte de expansão global

Valuation em expansão: Grupo Acelerador vale R$ 729 milhões após venda de fatia