Nelson e Felipe Nascimento, da Cory: avô e neto tocam juntos o dia a dia de um negócio de R$ 300 milhões (Cory Alimentos/Divulgação)
Repórter de Negócios
Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 10h07.
O paulista Felipe Nascimento estava em Singapura, no meio do mestrado, quando recebeu uma visita do avô. Os dois passaram dias juntos, viajando pelo Sudeste Asiático.
Numa tarde, dentro da piscina do hotel, veio o convite que mudaria o rumo da família. “Eu não acho que você vai ser feliz trabalhando para os outros”, disse Nelson Nascimento, fundador da Cory, uma fábrica de guloseimas criada há quase seis décadas no interior paulista.
O neto, então com planos de começar carreira em Nova York, ficou ouvindo.
A decisão saiu naquele mesmo dia: ele voltaria ao Brasil. Não para assumir trono algum — mas para aprender diretamente com quem construiu a empresa. Os dois, juntos, hoje tocam o dia a dia da Cory, uma indústria de guloseimas e biscoitos com fábricas em Ribeirão Preto e Arceburgo, no Sul de Minas.
“Eu teria que ser muito burro para não aproveitar um livro aberto que é o meu avô”, afirma ele. “Alguém que já passou por tudo e mais um pouco nessa história do Brasil.”
Depois de entrar em recuperação judicial no fim dos anos 90 — foi uma das três primeiras empresas brasileiras a adotar o mecanismo — o cenário atual é outro.
A companhia deve fechar 2025 com cerca de 300 milhões de reais em faturamento e 25 mil toneladas produzidas ao ano.
“A gente teve três meses recordes de performance agora em 2025”, diz Felipe.
A nova fase ganhou tração com lançamentos, collabs e uma joint venture na China, que deve acelerar inovação e ampliar o portfólio. A meta para 2026 é crescer entre 15% e 20%.
A história começa antes da Cory existir. Antes mesmo de Nelson imaginar trabalhar com balas ou biscoitos.
Ele era executivo da Arapuã, varejista de eletroeletrônicos que nasceu em Lins, no interior paulista. Quando a empresa decidiu mudar a sede para São Paulo, ele optou por outro caminho.
“Essa não era minha opção de vida”, afirma. Foi quando abriu uma padaria — sem forno. “Eu abri uma padaria sem forno. Como é que você come pão virtual?”, brinca.
A solução veio na base da criatividade: terceirizar a produção com um concorrente. “Durante seis meses ele me forneceu pão para eu vender”, diz. O negócio prosperou, e a padaria virou fábrica de biscoitos.
O nome Cory viria depois, quando surgiu a chance de comprar uma pequena indústria de balas em Ribeirão Preto, em 1974.
“A fábrica de balas Apache fazia 30 toneladas por mês. Hoje, a Cory faz 120 toneladas por dia”, afirma.
A década seguinte marcou o início de uma sequência de sacadas que colocaram a empresa no mapa. A mais emblemática nasceu num bar. Ao notar frases impressas nos porta-copos de chope, a equipe de marketing teve um estalo. “Daí surgiu a ideia de colocar recadinhos nas balas Ice Kiss. Pela primeira vez depois de dois mil anos a bala deixou de ser só prazer sensorial. Virou brincadeira, virou paquera”, diz Nelson.
O impacto foi imediato: a marca liderou o mercado de balas refrescantes.
Nos anos seguintes, veio a entrada em biscoitos recheados — e o lançamento do Hipopó, o “recheado da pesada”. A empresa ainda arriscou ovos de Páscoa com brindes dentro, prática que depois se tornou padrão no setor.
“A gente se atreveu a enfrentar os grandes”, afirma Nelson.
A ousadia rendeu participação relevante, mas também expôs limites de capital de giro e produção.
O maior tropeço veio nos anos 90, antes da criação do Plano Real.
A inflação beirava 90% ao mês, e a companhia enfrentava tabelamento de preços.
Nelson recebeu uma oferta para comprar a rede de lojas GG Presentes, que pertencia ao grupo Arapuã. Ele recusou — depois voltou atrás. “Eu brincava com ele: nem de graça eu quero. Mas três meses depois eu era dono da rede”, conta.
A estabilização de 1994 derrubou boa parte do varejo brasileiro. A GG foi junto. Para tentar salvá-la, Nelson cometeu o erro que quase levou tudo junto.
“Comecei a transferir dinheiro da empresa saudável para tentar salvar a GG. Não só não salvei como compliquei a Cory”, afirma.
A saída, ainda sob a lei antiga, foi pedir concordata, que exigia pagamento de 40% da dívida no primeiro ano e 60% no segundo. “Todo mundo sabia que isso era inviável”, diz Nelson. A empresa usava o mecanismo como forma de ganhar tempo para negociar com fornecedores.
A primeira parcela venceu no dia 31 de janeiro. O executivo responsável pela negociação com os bancos — quase todos internacionais — sofreu um acidente e não pôde concluir o processo. Os advogados pediram uma prorrogação de 60 dias. “Doze dias depois do vencimento, o juiz determinou a falência da Cory”, lembra.
A fábrica ficou quatro meses fechada, com 1.300 funcionários parados. “Perdemos dinheiro, espaço de gôndola, tivemos nossas marcas clonadas”, diz.
A decisão seria revertida depois. Com a nova legislação, a companhia migrou da concordata para a recuperação judicial, tornando-se uma das três primeiras empresas brasileiras a entrar no regime. O plano foi cumprido ao longo de 15 anos, renegociado com credores. “Hoje, estamos praticamente liquidados”, afirma.
A retomada começou pelas bases: reorganização industrial, modernização e foco em categorias onde já havia força regional.
Hoje, a Cory tem cerca de 600 funcionários e duas plantas — uma dedicada a balas e drops em Arceburgo, no interior de Minas, e outra voltada a biscoitos e produtos cobertos em Ribeirão Preto, no interior de São Paulo.
A marca também aproveitou seu peso histórico em mercados específicos, como o Nordeste.
“Ice Kiss para o nordestino é de lá. Eles têm certeza que nasceu no Nordeste”, diz Felipe. Em algumas cidades, a marca chega a 70% ou 75% de participação em sabores específicos. Em Minas, a bala Chita tem um quarto do mercado. No Centro-Oeste e no Norte, os biscoitos são mais fortes.
A gestão dividida entre avô e neto também abriu espaço para novas linhas.
Felipe trouxe a visão de consumo saudável, testes rápidos e aceleração digital.
A empresa lançou o hidratante labial (que virou líder em uma grande rede de drogarias de Minas em quatro meses), reativou o Hipopó e criou a Lowy, marca de doces funcionais com proteína, sem açúcar e sem glúten.
“Não é suplemento, não é barra. É doce. É o que a gente sabe fazer de melhor”, afirma.
A internacionalização também entrou no mapa. A Cory está estruturando uma joint venture na China, voltada à criação e ao desenvolvimento de novas linhas de produtos.
A ideia é usar a indústria chinesa como laboratório de velocidade — algo que a operação brasileira não consegue replicar por limitação de investimentos e escala.
“A velocidade de lançamento e o avanço tecnológico eles têm e a gente não tem. Nem teremos nos próximos 40 ou 50 anos”, diz Felipe.
Essa parceria já influencia o portfólio. Alguns dos oito lançamentos de 2025 vieram desse pipeline desenvolvido na Ásia, especialmente dentro de Ice Kiss, marca que passará por rebranding e ganhará versões sem açúcar.
O curto prazo é onde a empresa concentra sua visão estratégica — não por escolha, mas por necessidade.
“No Brasil, falar em médio prazo é difícil. Tem variáveis políticas que pesam muito”, diz Nelson. Por isso, os planos vão até 2026, com uma meta de crescer entre 15% e 20%.
A expansão para o Sul já começou por Santa Catarina. A China seguirá como fonte de inovação rápida. A marca Ice Kiss passará por rebranding completo e ganhará uma linha sem açúcar. Lowy deve triplicar de tamanho.
“Foi um período de testes de dez meses em apenas duas cidades. Agora vamos escalar”, afirma Felipe.
Além disso, novas collabs serão anunciadas em janeiro de 2026. Uma delas envolve Lowy e produtos inexistentes no Brasil. “Vai ser um barulho bem bacana”, diz.
Há ainda a parceria atual com a Paçoquita na linha de balas e drops.
A estratégia envolve reforço comercial, aumento de distribuição ponderada e entrada em pontos de venda onde a empresa nunca teve presença. “Lowy entrou na rede de supermercados Oba sem ressalvas do comitê. Isso abriu portas para as outras marcas”, diz Felipe.
A sensação geral é de reconstrução com pragmatismo. E com uma dinâmica rara no setor: duas gerações tomando decisões lado a lado.