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A lição da Microsoft: brigue só com quem não é da empresa

Microsoft se deu mal ao incentivar os funcionários a concorrer entre si e se esquecerem do principal: o mercado

Steve Ballmer, CEO da Microsoft, em apresentação da empresa: funcionários apontam ranking por desempenho como um dos culpados pela falta de inovação (Getty Images)
DR

Da Redação

Publicado em 13 de julho de 2012 às 14h44.

São Paulo – “Década perdida da Microsoft”. Para o escritor americano Kurt Eichenwald, a expressão descreve o caminho trilhado pela gigante de tecnologia. Até os anos 90, o sistema operacional Windows e o pacote Office, ambos desenvolvidos pela empresa, eram quase onipresentes nos computadores familiares e corporativos. O tempo passou e as plataformas avançaram. Hoje, o iPhone gera mais receita para a Apple do que todos os produtos da Microsoft juntos.

Há uma razão específica para a derrocada? Na visão de muitos empregados da empresa, sim. Pelo menos é o que escreveu Eichenwald para a edição de agosto da revista americana Vanity Fair, depois de entrevistar uma série de colaboradores da Microsoft. Em coro, eles apontaram a adoção de um modelo de classificação dos funcionários chamado de "stack ranking" - algo como "ranking do empilhamento" - como um dos responsáveis por minar a criatividade da companhia ao longo dos anos.

Na prática, os gestores da Microsoft são obrigados a classificar seus empregados em diversas categorias, que contam com cotas fixas para os que serão considerados excelentes, regulares ou ruins. "Se você estivesse em um time com 10 pessoas, entraria sabendo que, independente de quão bons todos fossem, dois iriam receber uma ótima avaliação, sete iriam ter uma avaliação medíocre e um ganharia uma avaliação terrível", afirmou um ex-desenvolvedor da companhia. "Isso acaba levando os funcionários a darem foco à competição uns com os outros, ao invés de darem atenção à competição com outras empresas", completou.

Cada um por si

De acordo com a matéria da Vanity Fair, outros empregados sustentaram que o bom relacionamento com a chefia acabava contando, e muito, para a nota recebida no ranking. No fim das contas, o incentivo à inovação também seria deixado em segundo plano na busca por projetos que garantissem retornos financeiros certeiros, já que estes contavam com a aprovação imediata dos gestores.

Mas afinal, vale a pena fazer com que os funcionários concorram entre si para promover o crescimento da empresa? Para Agnelson Correali, especialista em RH e sócio da DCR Consultores, quanto mais dependente for o negócio de características intangíveis, mais arriscada é a estratégia.


Medir a criatividade não é tão simples como calcular o número de vendas realizadas por cada funcionário em uma loja. E as empresas que historicamente contaram com o fator inovação para se desenvolverem, como é o caso da Microsoft, podem errar a mão ao priorizarem, ainda que indiretamente, a apresentação de resultados de curto prazo em detrimento de apostas que só devem render algum fruto lá na frente.

A Apple, por exemplo, acumulou alguns deslizes no currículo antes de acertar em cheio com seus icônicos produtos. O computador Lisa foi lançado 83 com a proposta de combinar um mouse com uma interface gráfica. A ideia era mais do que inovadora, mas o preço de 10.000 dólares fez do produto um verdadeiro fracasso de vendas. Segundo a biografia "Apple Confidential 2.0", a empresa chegou a queimar milhares de unidades do computador em um terreno em Utah, nos Estados Unidos. A mensagem que fica? Sacadas rentáveis podem chegar depois de erros, como provou a popularidade alcançada por gadgets como o iPod, iPhone e iPad. Mas é preciso ter margem para errar.

O meu primeiro

Ao instituir um rígido programa de avaliação dos funcionários, a companhia pode passar o recado contrário. Para Correali, da DCR Consultores, o trabalho coletivo também pode ser prejudicado. "O maior risco do ranking por desempenho é a competição predatória, em que o funcionário pensa em si sem uma visão do negócio, sem enxergar a empresa como um todo e sem considerar a equipe", diz.

O especialista reconhece que as classificações podem sim funcionar – e até motivar o time a trabalhar mais e melhor. Segundo ele, no entanto, mais importante do que comparar o retorno dado por cada um dos funcionários é saber fazer um bom uso desse ranking. “A companhia deve questionar como ela trata essa ferramenta. Isso foi combinado com os colaboradores? O que os primeiros estão fazendo para ajudar os últimos? Os últimos enxergam os primeiros como benchmark a ser seguido?”, sustenta.

A competição, afinal, seria inata aos seres humanos. Mas como a companhia trabalha isso dentro das quatro paredes revelaria mais sobre sua missão, seus valores e, como mostra a Microsoft, sobre sua capacidade de seguir à frente do mercado.

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São Paulo – “Década perdida da Microsoft”. Para o escritor americano Kurt Eichenwald, a expressão descreve o caminho trilhado pela gigante de tecnologia. Até os anos 90, o sistema operacional Windows e o pacote Office, ambos desenvolvidos pela empresa, eram quase onipresentes nos computadores familiares e corporativos. O tempo passou e as plataformas avançaram. Hoje, o iPhone gera mais receita para a Apple do que todos os produtos da Microsoft juntos.

Há uma razão específica para a derrocada? Na visão de muitos empregados da empresa, sim. Pelo menos é o que escreveu Eichenwald para a edição de agosto da revista americana Vanity Fair, depois de entrevistar uma série de colaboradores da Microsoft. Em coro, eles apontaram a adoção de um modelo de classificação dos funcionários chamado de "stack ranking" - algo como "ranking do empilhamento" - como um dos responsáveis por minar a criatividade da companhia ao longo dos anos.

Na prática, os gestores da Microsoft são obrigados a classificar seus empregados em diversas categorias, que contam com cotas fixas para os que serão considerados excelentes, regulares ou ruins. "Se você estivesse em um time com 10 pessoas, entraria sabendo que, independente de quão bons todos fossem, dois iriam receber uma ótima avaliação, sete iriam ter uma avaliação medíocre e um ganharia uma avaliação terrível", afirmou um ex-desenvolvedor da companhia. "Isso acaba levando os funcionários a darem foco à competição uns com os outros, ao invés de darem atenção à competição com outras empresas", completou.

Cada um por si

De acordo com a matéria da Vanity Fair, outros empregados sustentaram que o bom relacionamento com a chefia acabava contando, e muito, para a nota recebida no ranking. No fim das contas, o incentivo à inovação também seria deixado em segundo plano na busca por projetos que garantissem retornos financeiros certeiros, já que estes contavam com a aprovação imediata dos gestores.

Mas afinal, vale a pena fazer com que os funcionários concorram entre si para promover o crescimento da empresa? Para Agnelson Correali, especialista em RH e sócio da DCR Consultores, quanto mais dependente for o negócio de características intangíveis, mais arriscada é a estratégia.


Medir a criatividade não é tão simples como calcular o número de vendas realizadas por cada funcionário em uma loja. E as empresas que historicamente contaram com o fator inovação para se desenvolverem, como é o caso da Microsoft, podem errar a mão ao priorizarem, ainda que indiretamente, a apresentação de resultados de curto prazo em detrimento de apostas que só devem render algum fruto lá na frente.

A Apple, por exemplo, acumulou alguns deslizes no currículo antes de acertar em cheio com seus icônicos produtos. O computador Lisa foi lançado 83 com a proposta de combinar um mouse com uma interface gráfica. A ideia era mais do que inovadora, mas o preço de 10.000 dólares fez do produto um verdadeiro fracasso de vendas. Segundo a biografia "Apple Confidential 2.0", a empresa chegou a queimar milhares de unidades do computador em um terreno em Utah, nos Estados Unidos. A mensagem que fica? Sacadas rentáveis podem chegar depois de erros, como provou a popularidade alcançada por gadgets como o iPod, iPhone e iPad. Mas é preciso ter margem para errar.

O meu primeiro

Ao instituir um rígido programa de avaliação dos funcionários, a companhia pode passar o recado contrário. Para Correali, da DCR Consultores, o trabalho coletivo também pode ser prejudicado. "O maior risco do ranking por desempenho é a competição predatória, em que o funcionário pensa em si sem uma visão do negócio, sem enxergar a empresa como um todo e sem considerar a equipe", diz.

O especialista reconhece que as classificações podem sim funcionar – e até motivar o time a trabalhar mais e melhor. Segundo ele, no entanto, mais importante do que comparar o retorno dado por cada um dos funcionários é saber fazer um bom uso desse ranking. “A companhia deve questionar como ela trata essa ferramenta. Isso foi combinado com os colaboradores? O que os primeiros estão fazendo para ajudar os últimos? Os últimos enxergam os primeiros como benchmark a ser seguido?”, sustenta.

A competição, afinal, seria inata aos seres humanos. Mas como a companhia trabalha isso dentro das quatro paredes revelaria mais sobre sua missão, seus valores e, como mostra a Microsoft, sobre sua capacidade de seguir à frente do mercado.

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