CHINA: País é o maior produtor de energia solar do mundo / Feng Li/Getty Images (Feng Li/Getty Images)
Isabel Seta
Publicado em 7 de abril de 2017 às 14h18.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h40.
Desde a assinatura do Acordo de Paris, em abril de 2016, governos ao redor do mundo vêm intensificando seus esforços para adequar sua matriz energética e reduzir emissões de gases do efeito estufa – responsáveis pelas mudanças climáticas. O carvão mineral, considerado altamente poluente, é responsável por um terço das emissões mundiais e ainda é a fonte energética mais usada para a geração de energia elétrica. Mas a pressão por respostas sustentáveis só faz aumentar: projeções do World Energy Council apontam que até 2060 a demanda por energia elétrica no mundo vai dobrar, e é inviável continuar avançando no uso de matrizes poluentes.
Nesse cenário, surge uma queridinha: a energia solar. Gerada por painéis equipados com células fotovoltaicas, ela se tornou a favorita dentre as fontes renováveis. É limpa, economicamente viável, adequada para qualquer tipo de país e com tendência a ficar cada vez mais barata. Apesar de ela corresponder a apenas 2% da energia global hoje, a Agência Internacional de Energia (IEA) estima que a energia solar passe a responder por cerca de 11% da oferta mundial de energia elétrica até 2050. A Agência Internacional de Energias Renováveis (Irena) é ainda mais otimista e estima que, até 2030, a parcela da energia solar pode chegar a 13%.
O grande motor por trás do avanço da energia solar atualmente é a China. O país, que acaba de inaugurar a maior fazenda solar do planeta, com capacidade para gerar um total de 850 megawatts (o suficiente para garantir o abastecimento de 200.000 residências), é o líder global em investimentos em fontes renováveis. Só em 2015, foram 103 bilhões de dólares destinados ao setor, segundo dados da Bloomberg New Energy Finance (BNEF), e junto com os Estados Unidos, os chineses foram os principais responsáveis pelo aumento de 50% na capacidade solar fotovoltaica instalada no mundo registrado no ano passado.
Anos atrás, a liderança por um mundo menos poluído estava nas mãos da Alemanha e sua ambiciosa política, chamada de “energiewende” (expressão que pode ser traduzida como “virada energética”). O plano alemão promete aumentar para 46% a fatia de energia gerada por fontes renováveis até 2025, reduzir em 40% as emissões de gás carbônico até 2020 e descarbonizar totalmente o país até 2050. Como? Incentivando a instalação de painéis fotovoltaicos em residências e empresas. Hoje, quase metade da capacidade renovável do país é proveniente de painéis instalados pelos próprios cidadãos por meio de cooperativas. Mas os investimentos vem caindo nos últimos anos e, apesar de a Alemanha ainda ter a maior capacidade solar instalada da Europa, o país ficou atrás do Reino Unido no que se refere a novas instalações no ano passado.
Segundo dados da BNEF, o Reino Unido foi o quarto país que mais investiu em energia solar em 2015, atrás apenas de China, EUA e Japão. No mesmo ano, 46% da eletricidade do país foi gerada por fontes de baixa emissão de carbono, como solar, eólica e nuclear, de acordo com o governo britânico.
Já nos Estados Unidos, a indústria da energia solar foi responsável pela criação de um a cada 50 novos empregos gerados no ano passado. Segundo dados da BNEF, o país investiu 44,1 bilhões de dólares em fontes renováveis em 2015, um crescimento de 19% em relação ao ano anterior. No ano passado, o setor britânico bateu recordes com a instalação de 14,8 novos megawatts de capacidade solar fotovoltaica, alcançando 42,2 gigawatts de capacidade total, suficiente para abastecer 8,3 milhões de residências, de acordo com um relatório da Solar Energy Industries Association (Seia).
O domínio chinês
Com o ritmo diminuindo na Alemanha, que estava na vanguarda das instalações solares, e os Estados Unidos ameaçando abandonar o Acordo de Paris, o caminho está cada dia mais aberto para a China se estabelecer como a grande líder dos renováveis e do setor solar fotovoltaico.
“A atitude da China em relação às mudanças climáticas e aos combustíveis fósseis mudou dramaticamente nos últimos anos. Uma década atrás, a China estava construindo uma nova termelétrica a base de carvão mineral por semana e dizendo ao resto do mundo que eles deveriam poder poluir a atmosfera assim como os países industrializados fizeram para desenvolver suas economias”, afirma Amit Ronen, diretor do GW Solar Institute, da Universidade George Washington. “Agora, eles entendem a energia limpa como a maior oportunidade de mercado do século 21”
A China adoraria ter menos competição por parte dos Estados Unidos nesses mercados e, para além dos investimentos internos, o país está focado em sedimentar seu domínio em mercados ao redor do mundo. Segundo um estudo do Institute for Energy Economics and Financial Analysis (Ieefa), a estratégia de globalização dos renováveis fez com que as empresas chinesas realizassem 13 grandes investimentos no exterior em 2016, somando juntos mais 32 bilhões de dólares. As plantas além-mar ficam em países como Austrália, Alemanha, Chile, Indonésia, Egito, Paquistão, Vietnã e até no Brasil. Hoje, cinco das seis maiores fabricantes de painéis solares estão hoje na China, e previsões da Agência Internacional de Energia, apontam que o país vai instalar 36% de toda a capacidade global de energia solar até 2021.
Para Romen, a radical mudança de postura chinesa pode ser explicada por vários elementos políticos e econômicos. “O ar incrivelmente poluído da China, particularmente nas grandes cidades, é um fator chave para a transição para fontes mais limpas de energia. O governo chinês também reconhece que as enchentes e secas causadas pelas mudanças climáticas poderiam desestabilizar o país”, afirma. Além disso, as fontes renováveis são uma commodity preciosa para exportação e para a geração de empregos dentro do país.
O sol brasileiro
No Brasil, o mercado da energia solar, apesar de bastante incipiente (a geração fotovoltaica corresponde a 0,01% da oferta interna de energia elétrica), atraiu o olhar da chinesa BYD Energy, que inaugurou nessa quinta-feira, 6 de abril, sua primeira fábrica de módulos fotovoltaicos no país, em Campinas. O investimento inicial é de 100 milhões de dólares, para uma fábrica vai pretende ter capacidade instalada de 200 megawatts e criar 300 novas vagas de emprego na região.
A BYD Energy junta-se à empresa Canadian Solar, que inaugurou no final do ano passado uma fábrica de painéis solares em Sorocaba, também em São Paulo. A planta, com capacidade de entregar cerca de 380 megawatts por ano em módulos fotovoltaicos, foi criada para atender especialmente a demanda interna da Canadian, que está construindo, em Minas Gerais, uma usina de 191 megawatts-pico de potência. O empreendimento deve ficar pronto no terceiro trimestre deste ano.
Atualmente, o Brasil possui 42 empreendimentos cadastrados como usinas fotovoltaicas pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), mas a grande maioria delas são micro-usinas que geram energia para estabelecimentos específicos. Dentre as principais usinas brasileiras estão a usina de Tauá, no sertão do Ceará, com 4.680 painéis fotovoltaicos e em operação comercial desde 2011; a usina da Tractebel, localizada em Tubarão (SC), que conta com 3 megawatts de potência instalada e é o maior empreendimento do tipo em operação comercial no país; e a usina da Eletrosul, em Florianópolis (SC), que transformou a sede administrativa em um parque de geração fotovoltaica com potência instalada de 1 megawatt.
Novos watts
O Brasil deve alcançar neste ano a marca de 1 gigawatt de potência instalada com a entrega de usinas contratadas por leilões realizados desde 2014. A marca equivale à potência de uma usina nuclear e é o suficiente para abastecer cerca de 400.000 residências brasileiras.
O salto é, sem dúvidas, enorme: ao final de 2016, o país contava com apenas 80 megawatts de potência instalada. Mas ainda falta muito. Esperava-se que os leilões de energia solar garantissem quase 2 gigawatts em operação até agosto deste ano e é provável que não se alcance nem a metade disso, por causa da dificuldade de implementação de projetos já contratados.
A Associação Brasileira de Energia Solar Fotovoltaica (Absolar) recomenda a contratação de 2.000 megawatts por ano para que o Brasil possa atrair fornecedores, gerar empregos e se estabelecer como liderança no setor fotovoltaico. Para isso, é importante que o governo mantenha a regularidade dos leilões “dando um sinal claro para o mercado de que o país continuará investindo em energia solar”, diz Fernando Camargo, diretor de investimentos e infraestrutura da consultoria LCA.
Em dezembro do ano passado, o governo cancelou de última hora um leilão de reserva de energia que contrataria apenas usinas eólicas e solares, e abalou os investidores estrangeiros. Na ocasião, o governo atribuiu a decisão à queda de consumo de eletricidade causada pela crise econômica. “Havia uma expectativa grande de contratação de reserva no ano passado e o cancelamento foi uma surpresa. Tinha muita gente de boarding internacional que já estava aqui no Brasil para o leilão”, diz Camargo.
O fluxo positivo foi interrompido. “Os leilões contratados em 2015 têm entregas para este ano e 2018, mas estamos sem nada para 2019”, afirma Rodrigo Sauaia, presidente da Absolar. Para evitar que 2019 seja um ano completamente perdido para o setor, a associação vem conversando com o governo sobre a realização de novos leilões com prazo de entrega para 2020.
O poder executivo também está mobilizado. Em janeiro, os governadores do Ceará, de Pernambuco e do Piauí, junto a representantes da Bahia e do Rio Grande do Norte, se reuniram com o ministro das Minas e Energia, Fernando Filho, para solicitar a retomada dos leilões de energia solar e eólica ainda este ano. “Nossa expectativa é sensibilizar o ministério para a importância da energia solar fotovoltaica para o desenvolvimento dos estados”, diz Sauaia.
O Plano Decenal de Expansão de Energia prevê a energia solar passando a representar 4% da matriz elétrica até 2024 e gerando cerca de 23 milhões de empregos diretos. Para chegar lá, financiamento é essencial. Em outubro do ano passado, o BNDES aprovou o financiamento de até 80% de projetos de energia solar e cortou o apoio em Taxa de Juros de Longo Prazo para térmicas a carvão e óleo combustível. Mas os entraves à indústria ainda são grandes. Um inversor fotovoltaico chega a ter 70% de seu preço destinado a impostos, e um painel solar chega a ser 30% caro do que um exemplar chinês.
O sol é grátis
O custo de produção da energia solar vem caindo vertiginosamente ao redor do mundo. De acordo com dados da Bloomberg New Energy Finance, pela primeira vez, a energia solar não-subsidiada está começando a superar o carvão e o gás natural em grande escala. “Novos projetos solares em mercados emergentes estão custando menos para construir do que projetos eólicos”, afirma um texto da organização.
Segundo a Agência Internacional de Energia Renovável, os custos para construir uma usina solar estão muito próximos e, às vezes, até mais baixos do que os custos para fontes de geração tradicionais. A previsão da agência é de que, para projetos em larga escala, o custo de sistemas fotovoltaicos caia de 1,8 dólar por watt em 2015 para 0,79 centavos de dólar por watt em 2025, uma redução de 57% em 10 anos. Projetos de usinas termelétricas movidas a carvão ou gás natural custam 3 dólares e 1,3 dólar por watt, respectivamente.
Dentro do setor de energia, o solar fotovoltaico é também o maior gerador de empregos, produzindo entre 25 e 30 empregos diretos por megawatt. No Brasil, só em 2016, a energia solar gerou 17 vezes mais empregos que a média do país. Já nos EUA, a energia solar emprega 43% da força de trabalho de todo o setor de energia, enquanto todos os combustíveis fósseis combinados respondem por apenas 22% , segundo o Departamento de Energia americano.
A indústria solar avança também dentro de casa. Na Austrália, os incentivos oferecidos pelo governo para a instalação de painéis solares entre 2009 e 2012 levou a um boom de casas equipadas com sistemas fotovoltaicos. Hoje, uma a cada cinco casas australianas possui um sistema de microgeração solar e o país tem a maior penetração de painéis fotovoltaicos em residências no mundo.
No Brasil, em janeiro deste ano, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) registrou 7.500 pontos de microgeração – um crescimento de 300% em relação ao final de 2015, quando foi lançado o Programa de Desenvolvimento da Geração Distribuída de Energia Elétrica (ProGD). Até 2030, serão destinados 100 bilhões de reais em investimentos para chegar a 2,7 milhões de unidades produzindo a própria luz até 2030. Segundo estimativas da Aneel, isso significaria 23.500 megawatts de energia limpa (equivalente à metade da geração da hidrelétrica de Itaipu), evitando a emissão de 29 milhões de toneladas de gás carbônico na atmosfera.
“A microgeração já não é nem uma aposta para o Brasil, é uma realidade”, afirma Roberto Zilles, fundador e coordenador do Serviço Técnico de Sistemas Fotovoltaicos do Instituto de Energia e Ambiente da Universidade de São Paulo (IEE-USP). “Qual a diferença entre ter uma usina instalada no sertão e ter milhares de painéis instalados em milhares de telhados? Economia. Em sistemas de geração distribuída muitas vezes é preciso utilizar recursos do BNDES, por exemplo. A microgeração é uma possibilidade de uso racional de energia”, diz Zilles. Seja no Brasil ou na China, nas casas ou nas usinas, o fato é que as janelas estão abertas para o sol entrar.