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A cerveja que salvou o mosteiro

Elisabetta Povoledo © 2016 New York Times News Service Núrsia, Itália – O reverendo Cassian Folsom estava se preparando para celebrar a missa matinal em um domingo recente quando, de repente, a terra começou a tremer. “Pedras e telhas começaram a cair sobre as nossas cabeças”, relembra. “Foi uma experiência assustadora.” Quando a poeira baixou, ele […]

OS MONGES DE NÚRSIA: 10.000 cervejas fabricadas por mês  / Tara Todras-Whitehill/The New York Times

OS MONGES DE NÚRSIA: 10.000 cervejas fabricadas por mês / Tara Todras-Whitehill/The New York Times

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Da Redação

Publicado em 10 de dezembro de 2016 às 07h44.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h00.

Elisabetta Povoledo

© 2016 New York Times News Service

Núrsia, Itália – O reverendo Cassian Folsom estava se preparando para celebrar a missa matinal em um domingo recente quando, de repente, a terra começou a tremer. “Pedras e telhas começaram a cair sobre as nossas cabeças”, relembra. “Foi uma experiência assustadora.”

Quando a poeira baixou, ele e outros monges – quase todos vindos dos Estados Unidos – descobriram que sua querida Basílica de São Bento, construída séculos atrás em Núrsia nas montanhas do centro da Itália para homenagear o lugar de nascimento do santo, estava em ruínas.

Depois do terremoto de 30 de outubro, uma das poucas coisas que continuou de pé no monastério foi a pequena cervejaria, onde pelos últimos quatro anos os monges fazem a Nursia.

Agora, a cerveja pode ser a salvação – simbolicamente, pelo menos – não apenas do santuário dos monges, mas também de Núrsia. Essa antiga vila murada é hoje uma cidade fantasma de igrejas devastadas e palácios rachados, que ainda luta para se recuperar do terremoto mais forte a chacoalhar a Itália em 36 anos.

“Surpreendentemente, a cervejaria quase não foi danificada”, contou o reverendo Benedict Nivakoff, de Connecticut, em uma manhã fria enquanto andava pelo centro da cidade devastada. “Os fermentadores se soltaram, mas como são altos e pesados, não caíram.”

Os monges estão planejando levar a bebida da cervejaria para um local mais seguro, onde poderá ser engarrafada e rotulada especialmente antes de ser vendida para arrecadar dinheiro para a reconstrução, diz Nivakoff.

Os monges criaram um site para seus esforços de angariação de fundos depois que a basílica e o mosteiro foram abalados pelos terremotos e os abalos posteriores em agosto. “A campanha começou naquela época – agora temos que somar mais alguns zeros”, afirma Nivakoff, o prior emérito do monastério.

Não é a primeira vez que o mosteiro tem que se reerguer. Os monges americanos chegaram no ano 2000, sob um plano de sua ordem, o arcebispo local, moradores e autoridades para povoar o monastério que estava abandonado desde 1810, quando Napoleão proibiu as ordens monásticas aqui.

Liderados por Folsom, agora vivem lá 15 monges. Eles aprenderam a fazer cerveja com os experientes mestres cervejeiros trapistas da Bélgica e começaram a produzir a Nursia em 2012. O nome da cerveja foi escolhido “especificamente para ajudar as pessoas da cidade, ao invés de nomeá-la como São Bento”, conta Nivakoff. “Queríamos que todos identificassem a cerveja com a cidade”, para ajudar a apoiá-la, contou.

O irmão Augustine Wilmeth, que nasceu na Carolina do Sul e serve como mestre cervejeiro, diz que a Nursia era “a única cerveja monástica do mundo feita exclusivamente pelos monges”.

Outras operações de cervejarias monásticas, explica ele, cresceram e se tornaram negócios de milhões de dólares com muitos funcionários. Em Núrsia, os monges fazem tudo sozinhos, produzindo cerca de 10.000 garrafas todos os meses.


 

Tara Todras-Whitehill/The New York Times
FABRICAÇÃO: reverendo aponta um dos poucos danos que o terremoto causou à cervejaria do monastério

 

Os monges, seguindo a tradição de São Bento, que acreditava que eles deveriam viver e se sustentar pelo trabalho braçal, pretendem manter a cervejaria pequena. Dessa maneira, diz Wilmeth, “estará sempre sob nosso controle e servirá de verdade para a vida monástica, não vai nos sobrecarregar nem nos consumir”.

As variedades de cerveja do monastério rapidamente ganharam seguidores entusiasmados em lojas e restaurantes locais, e a cervejaria começou a exportar para os Estados Unidos este ano. Apesar de muitos dos mercados regionais que vendiam a bebida estarem fechados por causa do terremoto, ela ainda está disponível através dos importadores americanos, afirmam os monges.

São Bento, que foi nomeado santo padroeiro da Europa em 1964 pelo Papa Paulo VI, e sua irmã gêmea, Escolástica, que também se tornou santa mais tarde, nasceram em Núrsia por volta de 480, e parte do que algumas pessoas acreditam ser a casa deles ainda pode ser vista sob a basílica.

Bento fundou várias comunidades monásticas, incluindo uma no Monte Cassino, onde morreu em 543. A Regra de São Bento, uma série de ensinamentos para monges, formou os preceitos básicos de milhares de monastérios na Europa.

“Tentamos ajudar as pessoas daqui a ir mais fundo e descobrir uma identidade que vai além do presunto e das trufas”, conta Nivakoff, referindo-se às duas coisas famosas dessa cidade da Úmbria. “Acho que nos últimos 15 anos conseguimos fazer isso.”

“Com essa comunidade de monges americanos, o valor que São Bento tem na Europa assume um significado global. Eles se tornaram um ponto de referência espiritual e cultural primeiro para a cidade, depois para a Úmbria e por fim para a Itália”, diz o prefeito Nicola Alemanno.

A mensagem dos monges também atingiu reconhecimento global em 2015 quando “Benedicta”, um álbum de cânticos tradicionais marianos latinos, passou 19 semanas no primeiro lugar na clássica lista da Billboard. Cantar, explica Folsom, “é nosso alimento espiritual – é daí que vem a energia espiritual”. Ele diz que os monges cantam por cerca de seis horas todos os dias.

“É uma parte fundamental de nossas vidas”, afirma o reverendo Basil Nixen, mestre do coro do monastério. Antes do terremoto, o som suave do canto dos monges era familiar em Núrsia. A cerveja também se tornou importante em suas vidas.

Se os esforços de arrecadação de fundos puderem ajudar tanto o santuário quanto Núrsia a reviver, dizem eles, os monges ficarão felizes em repagar seus beneficiários – mesmo que seja de uma maneira pequena e borbulhante.

“Temos orgulho de ser americanos”, diz o reverendo Martin Bernhand, do Texas, que cuida das provisões do monastério. “O fato de as pessoas experimentarem e comprarem nossa cerveja é uma coisa maravilhosa para nós.”

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