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Trump vai cumprir o prometido?

Thiago Lavado A pergunta da vez em Washington é qual Donald Trump vai governar – o atirador inconsequente da campanha, ou a fera domesticada do discurso da vitória? O tom mais ameno adotado em sua primeira fala serviu, ao menos, para trazer uma alívio a investidores mundo afora. Trump, como se previa, mexeu com os […]

TRUMP E OBAMA NO SALÃO OVAL: a partir de 20 janeiro, Trump começa a dar as cartas na Casa Branca. Ele poderá cumprir com o que prometeu? / Win McNamee/Getty Images

TRUMP E OBAMA NO SALÃO OVAL: a partir de 20 janeiro, Trump começa a dar as cartas na Casa Branca. Ele poderá cumprir com o que prometeu? / Win McNamee/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 12 de novembro de 2016 às 04h33.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h33.

Thiago Lavado

A pergunta da vez em Washington é qual Donald Trump vai governar – o atirador inconsequente da campanha, ou a fera domesticada do discurso da vitória? O tom mais ameno adotado em sua primeira fala serviu, ao menos, para trazer uma alívio a investidores mundo afora. Trump, como se previa, mexeu com os mercados, mas o cataclisma foi menor, por exemplo, do que no Brexit, a saída britânica da União Europeia. Mas a pergunta continua. O milionário do mercado imobiliário e apresentador de reality show, afinal, é mestre em mudar de opinião – a rede de TV CNN apontou 117 visões diferentes do então candidato sobre 20 temas.

Para piorar a indefinição, muitas das políticas propostas por Trump nunca foram testadas antes, e suas consequências são totalmente imprevisíveis. Segundo a economista Monica de Bolle, pesquisadora do Peterson Institute e colunista de EXAME Hoje, o maior problema para Trump é que nem sua versão moderada nem sua versão de campanha cumprirão as promessas. Sobram analistas afirmando que a administração do empresário será a pior que o país já teve.

 

Um consolo: alcançar tal feito é difícil. Worst. President. Ever., livro recém-publicado pelo jornalista Robert Strauss, relembra a trajetória de James Buchanan, que governou os Estados Unidos de 1857 a 1861. Buchanan, entre outras coisas, pagou mercenários para invadir a Nicarágua e o Paraguai, moveu tropas para controlar uma disputa sobre a morte de um porco no Kansas e coagiu membros da Suprema Corte a votar em seu favor, violando a não-interferência dos poderes — o caso levou a um escândalo nacional e à falência dos estados do norte.

Trump terá de se esforçar para se equiparar a algumas dessas proezas. Suas declarações são improváveis e as propostas, descabidas — desde romper acordos comerciais e banir toda a imigração muçulmana a construir um muro na fronteira com o México (promessas como mandar prender a derrotada Hillary Clinton, por sorte, devem ficar só no folclore eleitoral). 

A seu favor, Trump tem um trunfo. Obama governou os últimos anos com o Congresso contra, e acabou passando muitas medidas como decretos presidenciais — que, por definição, podem ser cancelados pelo presidente. Mas o que ele pode realmente fazer? Quais de suas propostas podem de fato jogar os Estados Unidos no buraco? E quais podem impulsionar a economia como ele tanto promete? EXAME Hoje separou uma lista das propostas do presidente-eleito. Há as boas, as ruins e as outras. O que pode acontecer, o que é improvável e o que é impraticável?

1-Imigrantes e o muro

Uma das maiores promessas de campanha de Trump era que ele, desde o primeiro dia, iria concentrar suas forças em deportar todos os imigrantes ilegais, além construir um muro em toda a fronteira com o México — inclusive prometeu que faria os mexicanos pagar pela construção.

O plano consistia em utilizar um artigo específico do Ato Patriota, de 2001, uma lei aprovada pelo presidente George W. Bush para tentar controlar o terrorismo no país, na sombra do atentado de 11 de setembro. Um dos artigos do Ato permite que os Estados Unidos e as empresas “conheçam seus consumidores”, assim Trump impediria que pessoas ilegais nos Estados Unidos enviassem dinheiro para suas famílias no México por meio de agências de transferência financeira internacional — uma quantia que ele estima chegar aos 24 bilhões de dólares. A medida, segue a proposta, só seria levantada com a construção do tal muro — uma extorsão, no fim das contas. 

Para a cientista política Jeanne Zaino, do Ioana College em Nova York, legalmente Trump pode, sim, deportar imigrantes ilegais, mas politicamente ele encontrará problemas nesta seara. “Eu suspeito que ele nunca irá se engajar propriamente nisso. Haveria batalhas jurídicas, protestos, além de um custo altíssimo”, explica.

A construção do muro é também uma incógnita na visão de cientistas políticos. Bolsas de aposta estimam que as chances do muro sair até 2020 são de 25% (chances maiores, por exemplo, do que ele tinha de se tornar presidente, segundo os maiores institutos do país). E Trump de fato montou um time para cuidar do planejamento do muro. Mas a realidade parece bem longe desse número. Cientistas políticos dizem que alguma espécie de muro terá de sair do papel, caso Trump não queira incorrer em estelionato eleitoral e perder o apoio de sua base, que o apoiou principalmente por este tipo de proposta.

E se o muro de fato for erguido? Segundo Zaino, a barreira não irá funcionar, mas ela com certeza irá aumentar a segurança na fronteira e tentar tornar mais rígida a forma de lidar com quem é pego entrando ilegalmente no país.

2-Infraestrutura e emprego

Trump teve forte apelo em uma região industrial envelhecida ao nordeste dos Estados Unidos, conhecida como Rust Belt, onde ficam estados que foram chaves na sua vitória — Ohio, Pensilvânia, Indiana, Michigan. 

O Rust Belt é composto, majoritariamente, por uma população de trabalhadores industriais sem formação — uma classe que perdeu empregos frente à globalização e viu a renda média encolher nos últimos 20 anos. Quando um candidato apareceu dizendo que viraria as costas para o trabalho mais barato vindo da China e garantiria o emprego dos americanos, os cidadãos do Rust Belt, principalmente aqueles que moram longe dos grandes centros, se agarraram à chance de retorno dos tempos áureos.

Trump, no entanto, enfrenta um problema lógico: ao mesmo tempo em que ele clama pela redução das regulamentações e dos impostos, ele prega o aumento do gasto público ao afirmar um pacote de 1 trilhão de dólares a serem usados em investimentos e deduções fiscais voltadas para aumentar a infraestrutura norte-americana. A saída para o paradoxo aponta para o aumento do endividamento do país.

Segundo o diretor do programa de políticas públicas da Universidade Brown, Eric Patashnik, essa solução pode ser benéfica para os Estados Unidos, principalmente no curto prazo. “Não é a pior das ideias dele. O país está precisando de um crescimento na infraestrutura e o cenário do mercado de trabalho poderia melhorar”, afirma. Trump ainda deve encontrar respaldo para o pacote de investimentos no Congresso, onde o republicano e presidente da Câmara, Paul Ryan, endossa a proposta. Entre os democratas, a proposta também deve ressoar.

Mas Patashnik afirma que o plano teria mais margem para funcionar caso seja realizado logo no primeiro ano, durante a “lua de mel” de Trump, quando ele deve ter maior apoio.

3-Acordos comerciais

Nos Estados Unidos, o Congresso, composto pela Casa dos Representantes (equivalente à câmara) e pelo Senado, é quem tem a palavra final sobre acordos comerciais. Nesse sentido, a maior federação comercial do país, a Câmara de Comércio dos Estados Unidos, não financia candidatos à presidência, mas ao congresso. Nas eleições deste ano, 95% de todos os candidatos apoiados pela entidade se elegeram congressistas.

No Senado, dos dez candidatos apoiados pela Câmara, oito conseguiram uma cadeira, cerca de um terço das vagas em disputa. Bem posicionados no Congresso, empresários americanos devem impedir qualquer atitude alucinada de Trump contra o livre-comércio. “Ele encontrará bastante resistência no congresso caso queira bloquear algum acordo de trocas internacional”, afirma Zaino. Rever o Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte, e barrar o TTP, o tratado transpacífico, estão entre suas prioridades para os primeiros dias no cargo. 

4-Obamacare

Trump já afirmou várias vezes, inclusive em debates, que uma das prioridades de seu governo é repelir o Affordable Care Act, ato governamental que prevê planos de saúde para todos os americanos, conhecido como Obamacare.

O Obamacare, de fato, trouxe um plano de saúde para 20 milhões de americanos. Mas há críticas sobre a lei, aprovada em 2010. A primeira delas é que o Obamacare obriga as pessoas a terem um plano, caso contrário terão que pagar uma taxa sobre a não-cobertura. Quem não tem condições de arcar é subsidiado pelo governo. A ideia é que os mais jovens e saudáveis, que utilizam menos os planos de saúde, joguem os preços da apólice para baixo e uma maior arrecadação dos planos de saúde seja repassada para os consumidores, tornando a saúde dos idosos mais barata.

O programa funciona bem para quem tem um plano de saúde pago por empregadores ou para os muito pobres, que são subsidiados pelo governo. Mas para a classe média, especialmente os eleitores de Trump, que não têm saúde garantida como direito trabalhista, os planos se tornaram muito custosos para o que oferecem e muitas vezes comprometem a renda familiar no pagamento do plano de saúde. Pequenos empresários também reclamam de ter de subitamente custear a saúde de seus funcionários. Dados do próprio governo dos Estados Unidos mostram que o valor médio da apólice deve crescer 25% só no ano que vem.

Para Patashnik, Trump não pode ser muito disruptivo na questão e precisa agir com cautela. “Há muitas pessoas novas com cobertura de saúde e pode haver protestos. Ele e os republicanos devem realizar mudanças que corroam a lei no decorrer do tempo. No final, eles irão clamar vitória pelas mudanças feitas”.

É consenso que ele terá vasto apoio entre os republicanos para repelir a lei, mas as mudanças não devem vir da noite para o dia. O mandato que obriga as pessoas a assinarem os planos de saúde é uma de suas prioridades entre os republicanos e Trump pode agir unilateralmente.

5-Suprema corte

Uma das maiores preocupações, principalmente para a ala progressista dos Estados Unidos, era quem substituiria o juiz da Suprema Corte Antonin Scalia, que morreu em fevereiro, deixando a cadeira vaga — Scalia havia sido nomeado por Ronald Reagan na década 1980 e era um dos juízes conservadores do alto tribunal.

A corte é composta por nove ministros e um novo nome é indicação direta do presidente e precisa ser ratificado no Senado. Atualmente o indicado por Barack Obama para a cadeira de Scalia é Merrick Garland, juiz-chefe da corte de apelações do Distrito de Columbia. Garland é um moderado que já foi apoiado por republicanos em outros momentos, mas está em um banho-maria no Senado, que, há mais de 200 dias, não fez uma audiência para decidir a questão. Os republicanos esperam que Trump retire a indicação em seu governo e indique um nome conservador.

A disputa é uma questão importante no país, que nos últimos anos avançou em pautas progressistas como a legalização da maconha e o casamento entre pessoas do mesmo sexo em âmbito judicial. As outras indicações de Obama, Sonia Sotomayor e Elena Kagan, são parte da ala mais à esquerda na corte, que até a morte de Scalia contava com 5 conservadores e 4 progressistas — razão pela qual os republicanos desejam manter o balanço que pende para o conservadorismo.

A questão se agrava por que dos oito membros restantes, três estão em idade avançada. A progressista Ruth Bader Ginsburg tem 83 anos e o ministro moderado Anthony Kennedy, que tem sido o voto determinante nos julgamentos, está com 80 anos. Outro progressista, ministro Stephen Breyer, está com 78 anos. A vitória de Trump sinaliza que os juízes devem ter que postergar planos de aposentadoria.

Os republicanos atualmente detêm 51 das 100 cadeiras no Senado, o suficiente para passar uma indicação de Trump, que requeriria uma maioria simples, caso todos eles votassem juntos. No entanto, caso os democratas unam-se e atrasem uma nomeação de Trump, uma “super-maioria” de 60 votos no senado é necessária para aprovação. “Os democratas podem até bloquear a primeira indicação, mas não a segunda. O que acontece é que eles terão que escolher suas batalhas”, afirma Patashnik.

6-Meio-ambiente

Segundo Trump já afirmou reiteradamente, o conceito de aquecimento global é uma “tramóia da China para reduzir a competitividade da indústria americana”. O presidente-eleito já se mostrou pouco inclinado a seguir o legado ambiental de Obama, que assinou o acordo de Paris, ratificado no ano passado e que prevê um comprometimento internacional de 55 países para reduzir as emissões de gases do efeito estufa.

Trump disse que “cancelaria” o acordo, o que ele não pode fazer. Nenhum país pode retirar o tratado, mas deixar de cumprir o que havia sido proposto não acarreta em qualquer tipo de sanção.

O empresário também já afirmou que irá retirar uma miríade de regulamentações, incluindo o Plano da Fábrica Limpa de Obama, que prevê multas para empresas que não reduzam suas emissões. O plano pode arrecadar pelo menos 34 bilhões de dólares até 2030 em multas e taxas. Segundo Zaino, essa é uma das propostas do candidato que mais devem enfrentar problemas na sociedade americana, com grandes protestos de grupos ecológicos.

 

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