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Supercontágios: as situações que são o combustível da pandemia

Circunstâncias como lugares fechados, mal ventilados, lotados e onde as pessoas falam, gritam, ou cantam são decisivas para "explosão" de contágios

Aglomerações antes do jogo entre Palmeiras e Corinthians foram vistas na Vila Madalena no último dia 8 de agosto, primeiro fim de semana com bares pós-17h: neste sábado, 15, novas aglomerações (Daniel Teixeira/Agência Estado)
FS

Fabiane Stefano

Publicado em 21 de novembro de 2020 às 09h15.

Cada vez mais especialistas suspeitam de que os eventos que levam a um grande número de contágios - seja nos lugares de culto, cruzeiro, ou reuniões familiares - são um dos principais motores da pandemia da covid-19.

Esse fenômeno é caracterizado pela transmissão do vírus para "10, 20, 50 pessoas e até mais", enquanto, na maioria das vezes, a cadeia de contágio tende a ser interrompida rapidamente, explica Benjamin Althouse, pesquisador do Institute of Disease Modeling, da University of Washington. Não se descarta, inclusive, que 90% dos casos de covid-19 venham de apenas 10% das pessoas infectadas, estima. "É como jogar fósforo em um pedaço de lenha. No primeiro não acontece nada. No segundo também não, mas, de repente, no terceiro, o fogo pega, e tudo arde."

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"Os supercontágios são uma marca registrada dos coronavírus", disse uma autoridade da Organização Mundial da Saúde (OMS), Maria Van Kerkhove, no Twitter, no final de outubro. Nos últimos meses, vários exemplos de supercontágios ocorreram em todo mundo.

A paciente 31

Em fevereiro, uma sul-coreana de 61 anos, identificado como "Paciente 31", esteve por trás de uma onda de infecções dentro da Igreja de Jesus Shincheonji, um movimento religioso considerado por alguns como uma seita.

Ela foi até comparada a Mary Mallon, também conhecida como "Typhoid Mary", uma cozinheira que entrou para a história da medicina no início do século 20 por ser a primeira portadora saudável de febre tifoide nos Estados Unidos e por ter transmitido a doença a dezenas de pessoas.

Com mais de 5.000 casos relacionados, a Igreja de Jesus Shincheonji se tornou o principal vetor de disseminação do coronavírus na Coreia do Sul. Já nos EUA, um congresso anual organizado no final de fevereiro pela empresa farmacêutica norte-americana Biogen é suspeito de causar cerca de 20.000 casos na região de Boston.

Além desses exemplos surpreendentes, um estudo norte-americano publicado em setembro na revista Science concluiu que o "supercontágio predomina" na transmissão do SARS-CoV-2. Os pesquisadores analisaram dados dos primeiros quatro meses da epidemia nos estados indianos de Tamil Nadu e Andra Pradesh. Sua conclusão: 8% dos infectados estavam por trás de 60% dos novos casos, enquanto 71% dos infectados não haviam transmitido o vírus a nenhum de seus contatos.

Desde o início da pandemia, os especialistas se concentraram em um indicador em particular: a taxa de reprodução, chamada R0, que determina o número médio de pessoas infectadas por um indivíduo. Mas isolar esse critério "não é suficiente para obter uma imagem completa" da transmissão, adverte Benjamin Althouse.

Assim, influenza, Ebola e covid-19 têm um R0 entre 2 e 3. Mas as pessoas que sofrem da primeira têm uma tendência uniforme de infecção, enquanto nos outros dois casos a transmissão é mais desigual: alguns não infectam, ou infectam muito pouco, enquanto outros infectam dezenas de pessoas. Mas o que determina esse tipo de supercontágio?

O papel da biologia

Por enquanto, não se sabe qual é o papel dos fatores biológicos, como se certas pessoas fossem supercontagiosas por carregarem uma carga viral maior do que as demais. A ciência determinou, entretanto, as circunstâncias que levam a esse tipo de transmissão: elas ocorrem especialmente em lugares fechados, mal ventilados, lotados e onde as pessoas falam, gritam, ou cantam.

Assim, um estudo publicado recentemente na revista Nature mostrou que restaurantes, academias e bares são os locais com mais contágios nos Estados Unidos. Com base nos dados do celular de 98 milhões de pessoas, os pesquisadores determinaram que mais de 80% dos casos positivos estavam ligados a apenas 10% dos locais examinados.

É por isso que Althouse prefere falar em "supercontágios" em vez de "supercontagiadores", termo que considera "enganoso", já que as circunstâncias superariam as diferenças biológicas entre os indivíduos. "Posso ter um milhão de vezes mais vírus no nariz do que você, mas se estiver isolado, não posso infectar ninguém", explicou o pesquisador. Por isso, máscaras, distanciamento físico e redução do número de pessoas com quem se está em contato são importantes.

Se cada indivíduo limitasse seus contatos a 10, "a transmissão viral seria silenciosamente desligada", disse Felix Wong, pesquisador do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), com base em sua própria modelagem.

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