Eleições: na batalha de rejeições, a presença importa
Colunista
Publicado em 17 de novembro de 2023 às 15h09.
Última atualização em 17 de novembro de 2023 às 15h11.
A lembrança dos tempos de escola nos remete a algo comum para qualquer nível, área ou contexto escolar: a chamada de presença. Quem nunca ficou atento (ou desatento) ao professor ou professora chamando seu nome para verificar presença. No segundo turno das eleições presidenciais argentinas a presença (ou não presença) dos eleitores portenhos será o fator principal da decisão do resultado e tal torna a eleição de domingo altamente imprevisível.
Em teoria, Javier Milei deveria ser fortemente favorito. Afinal, sua candidatura representa oposição a um governo amplamente reprovado pela população argentina. Numa comparação de avaliação da gestão de inúmeros líderes globais, Alberto Fernandez tem o pior nível de popularidade presidencial (em torno de 15% de aprovação somente). Para completar, é esmagadora, nas pesquisas de opinião, o percentual (mais de 80%) de argentinos e argentinas afirmando que o país está no rumo errado. Para piorar (ou facilitar para Milei), a economia (ou inflação) é o principal problema do país e o candidato governista, Sergio Massa, é o ministro da economia. Portanto, seria uma eleição com plenos contornos de oposição.
Todavia, não é bem assim. E novamente estamos diante de uma batalha de rejeições. Para metade dos eleitores (aproximadamente 48% nas últimas pesquisas públicas), a vontade era de não votar nem em Massa e nem em Milei. A decisão, nesse contexto, será obviamente pelo menos pior ou menos odiado. A grande parte dos eleitores brasileiros, te parecer familiar?
Para tal, a campanha de Javier Milei contribuiu muito em todas as suas etapas. Antes das primárias, o candidato da chapa LibertadAvanza abusou de ideias controversas e que, para muitos eleitores, flertava com o radicalismo. Exemplos não faltam: acabar com o Banco Central, criar mecanismos de venda de órgãos humanos, dolarizar a economia, liberar a venda de armas, reduzir em 15% do PIB as despesas do governo, cortar relações com China e Brasil considerados pelo candidato como países comunistas e muitas outras. Ao vencer as primárias, houve uma tentativa de moderação de discurso e acenos ao grupo político de Mauricio Macri (Juntos por El Cambio). Essa guinada moderada não se traduziu em votos e Javier Milei pouco avançou no eleitorado entre as primárias (PASO) e o primeiro turno.
Durante o segundo turno, por incrível que possa parecer, campanha de oposição ficou na defensiva diante dos ataques promovidos por Sergio Massa. O ápice desse contrassenso estratégico-eleitoral ocorreu durante o único debate entre os dois. Sergio Massa conseguiu um feito raro e digno de estudo. Passou o debate inteiro na ofensiva sendo ele o representante máximo da economia de um governo com 140% de inflação anual pelos dados oficiais. O debate mostrou o pouco preparo de Javier Milei para um embate dessa magnitude política. Se vencer as eleições, Massa será o primeiro ministro da economia de país democrático a vencer uma eleição com hiperinflação assolando a vida das pessoas.
Sendo assim, com essa batalha de rejeições e pouco (ou nenhum) entusiasmo de ambas as candidaturas, o comparecimento será ponto central do resultado. A liderança de Sergio Massa no primeiro turno foi muito fruto da alta abstenção (quase 25%). As pesquisas apontam que os 25% que não compareceram tem uma visão muito negativa do governo de Massa/Fernandez. Resta saber se vão sair de casa por Milei. Sabendo disso, os incumbentes fizeram dois movimentos: primeiro será feriado na Argentina na segunda-feira, dia 20/11 (e não é pela consciência negra seguramente) e segundo houve um acordo político para não haver segundo turno para eleger o governante da cidade de Buenos Aires. Importante lembrar que, na Argentina, sempre que há outras eleições (governador de província) em conjunto com a presidencial há de 1 a 2 pontos percentuais a mais de presença.
Portanto, a luta é inversa. Se para Javier Milei é preciso tirar os eleitores e eleitoras de casa (principalmente na cidade de Buenos Aires aonde Patricia Bullrich foi extremamente bem votada), para Sergio Massa o melhor é deixar os insatisfeitos fora da votação de domingo. Pelos dados disponíveis, uma abstenção semelhante ao primeiro turno vai favorecer o ministro da economia. Já um comparecimento maior que 80%, semelhante ao segundo turno de 2015 (quando Mauricio Macri venceu Daniel Scioli), é favorável ao oposicionista. A julgar por outras eleições polarizadas pelo mundo, a tendência é um comparecimento maior no segundo turno. Porém, o quanto maior é uma incógnita e traz a imprevisibilidade. Nunca estar presente definirá tanto um futuro de uma nação.