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Resíduos de bombas atômicas da Guerra Fria põe em risco dois estados nos EUA

Construção de estação de tratamento químico está parada há 11 anos em Hanford, enquanto população sofre com tumores devido à exposição radioativa

Em Hanford Site, no estado de Washington, engenheiros descobriram 54 milhões de galões de iodo altamente radioativos (Young Kwak/Getty Images)

Em Hanford Site, no estado de Washington, engenheiros descobriram 54 milhões de galões de iodo altamente radioativos (Young Kwak/Getty Images)

Agência o Globo
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Publicado em 2 de junho de 2023 às 07h52.

De 1950 a 1990, o Departamento de Energia dos Estados Unidos produziu uma média de quatro bombas nucleares por dia, feitas em fábricas construídas às pressas com poucas salvaguardas ambientais que deixaram para trás um vasto legado de resíduos tóxicos radioativos.

Em nenhum lugar os problemas foram maiores do que em Hanford Site, no estado de Washington, onde engenheiros enviados para limpar a bagunça após a Guerra Fria descobriram 54 milhões de galões de iodo altamente radioativo deixados pela produção de plutônio destinado às ogivas, incluindo a lançada sobre a cidade japonesa de Nagasaki em 1945.

Limpar os tanques subterrâneos que estavam liberando resíduos venenosos em direção ao rio Columbia a apenas 10 km de distância e de alguma forma estabilizá-lo para descarte permanente apresentou um dos problemas químicos mais complexos já encontrados. Os engenheiros pensaram que o haviam resolvido anos atrás com um plano elaborado para bombear o iodo, armazená-lo em vidro e depositá-lo nas profundezas das montanhas do deserto de Nevada.

Mas a construção de uma estação de tratamento químico de cinco andares e 42 mil metros quadrados para a tarefa foi interrompida em 2012 — após um gasto de US$ 4 bilhões — quando foi descoberto que ela estava repleta de problemas de segurança. A superestrutura da usina permaneceu em naftalina por 11 anos, um poderoso símbolo do fracasso da nação em lidar decisivamente com o legado mais mortal da era atômica, quase 80 anos após a Segunda Guerra Mundial.

A limpeza em Hanford vive agora em um ponto de inflexão. O Departamento de Energia está em negociações a portas fechadas com autoridades estaduais e a Agência de Proteção Ambiental dos EUA, tentando reformular o plano. Mas muitos temem que os compromissos mais prováveis, que podem ser anunciados nos próximos meses, coloquem em risco a velocidade e a qualidade da limpeza.

O governo agora parece estar avaliando seriamente a necessidade de deixar milhares de galões de resíduos enterrados para sempre nos tanques subterrâneos rasos de Hanford, de acordo com alguns dos familiarizados com as negociações, e proteger alguns dos resíduos não em vidro impenetrável, mas em um invólucro de argamassa de concreto que quase certamente se deterioraria milhares de anos antes dos materiais tóxicos que ele foi projetado para conter.

— O Departamento de Energia está chegando a uma grande encruzilhada — disse Thomas Grumbly, ex-secretário adjunto do departamento que supervisionou os primeiros dias do projeto durante o governo de Bill Clinton (1993-2001).

Problema urgente

Hanford, com quase 100 quilômetros quadrados de deserto de estepe arbustiva no centro-sul do estado de Washington, é o maior e mais contaminado de todos os locais de produção de armas — poluído demais para ser devolvido ao uso público. Mas o problema é urgente, dado o risco de radionuclídeos contaminarem o rio Columbia, uma fonte de recursos naturais vital para cidades, fazendas, tribos e vida selvagem em dois estados.

A busca por uma solução se arrastou tanto que há pressão para produzir algum resultado para todos os gastos maciços, mesmo que não atendam às expectativas anteriores. Isso pode marcar um recuo dramático das promessas de longa data feitas aos habitantes locais — que sofreram tumores na tireoide, no sistema reprodutivo e no sistema nervoso ligados por pesquisadores à exposição durante a era da produção de plutônio — de que o governo aderiria aos mais altos padrões de limpeza possíveis.

Funcionários do Departamento de Energia dizem que qualquer plano adotado será suficiente para tornar o local seguro para as gerações futuras e que qualquer resíduo deixado para trás não representaria ameaça à saúde humana. Mas Brian Vance, um ex-capitão da Marinha que atua como gerente local do departamento em Hanford, disse que as expectativas originais se depararam com formidáveis obstáculos científicos e financeiros. Segundo ele, os engenheiros estavam tentando encontrar uma solução que fosse segura e possível.

"Se você pensar nas decisões tomadas na década de 1990, o plano era um pouco diferente — afirmou, acrescentando que exigia tecnologia não comprovada que era “fácil de executar na prancheta, mas difícil de fazer à medida que você avança e vê as realidades”.

Grumbly disse que apresentou ao governo Clinton, anos atrás, estimativas orçamentárias de centenas de bilhões de dólares para limpar antigas instalações de armas nucleares em todo o país. Funcionários do Escritório de Administração e Orçamento disseram a ele “para nunca mostrá-los publicamente”, lembrou.

"Eles não priorizaram isso — declarou sobre o governo federal, observando que, mesmo agora, o governo do presidente Joe Biden não havia nomeado um secretário adjunto para supervisionar a limpeza."

Queda de braço

Tal como está, o tratamento dos resíduos do tanque em Hanford carrega um custo oficial de até US$ 528 bilhões. No ritmo atual de gastos, porém, pode levar séculos para se alcançar o orçamento e terminar o projeto. O Congresso enviou cerca de US$ 2,8 bilhões este ano para o local, com cerca de US$ 1,7 bilhão alocados para a limpeza dos tanques, mas houve relativamente pouco progresso real.

Gary Brunson, ex-diretor de engenharia do Departamento de Energia da estação de tratamento de resíduos, disse que a limpeza foi um fracasso. Ele e dois outros gerentes técnicos abriram um processo de denúncia em 2013 contra a empreiteira-chefe, a Bechtel, acusando a empresa de executar um trabalho falho e depois fazer lobby ilegalmente para aumentar o orçamento. O processo foi acompanhado pelo Departamento de Justiça e liquidado em 2016 por US$ 125 milhões.

Quase ninguém discorda que os resíduos de alto nível, mais perigosos, devem ser envoltos em vidro e enterrados em um repositório geologicamente estável, como a montanha Yucca, em Nevada, um local que há décadas está politicamente fora de questão. Mas o que fazer com os resíduos de baixo nível é mais incerto.

O Escritório de Responsabilidade do Governo dos EUA concluiu que rejuntar grande parte deles seria tão ambientalmente seguro quanto colocá-lo em vidro, além de agilizar o trabalho, economizar bilhões de dólares e representar um risco menor de acidente industrial. Mas o gerente de projeto de Hanford do Departamento de Ecologia de Washington, David Bowen, considera isso um risco à segurança local e quer que os resíduos sejam enviados para fora do estado.

Há riscos ainda maiores em lidar com os resíduos de alto nível. Mesmo que a maior parte seja vitrificada, os engenheiros estimam que até 1% da lama radioativa pode ser deixada para trás quando a maior parte do lixo for removida, de acordo com documentos do Departamento de Energia e autoridades estaduais

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