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Refugiados sírios tentam voltar para casa, mas ONU alerta para retorno em larga escala

Segundo a Organização Internacional para as Migrações, 250 mil pessoas retornaram aos seus lares na semana passada, 100 mil vindo do exterior

Moradores de Sueida, um feudo da minoria drusa no sul da Síria, comemoram a queda de Bashar al Assad em 13 de dezembro de 2024 (AFP)

Moradores de Sueida, um feudo da minoria drusa no sul da Síria, comemoram a queda de Bashar al Assad em 13 de dezembro de 2024 (AFP)

Agência o Globo
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Publicado em 23 de dezembro de 2024 às 08h01.

Última atualização em 23 de dezembro de 2024 às 09h17.

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Ao longo de 13 anos de guerra civil, a crise migratória na Síria foi analisada pela ótica da fuga. Imagens como a do menino Alan Kurdi, de 3 anos, encontrado morto na areia de uma praia enquanto fugia do conflito, tornaram-se símbolo do que a ONU considera a maior onda de deslocamento forçado do mundo. Mas a recente queda do regime de Bashar al-Assad subverteu essa lógica. Após grupos rebeldes liderados pelo Hayet Tahrir al-Sham (HTS) tomarem a capital, Damasco, em 8 de dezembro, pondo fim a mais de 50 anos de ditadura, milhares de sírios sentiram que era hora de voltar para casa. Segundo a Organização Internacional para as Migrações (OIM), 250 mil pessoas retornaram aos seus lares na semana passada, 100 mil vindo do exterior.

Embora expressivo, o número de retornantes ainda é tímido se comparado ao que saiu desde 2011, quando a Primavera Árabe inspirou os primeiros protestos antigoverno. Antes da guerra, a população síria era de 21 milhões. De lá para cá, 6,2 milhões buscaram refúgio no exterior, a maioria (4,9 milhões) para países vizinhos como Turquia, Líbano e Jordânia. Há, ainda, 7,4 milhões de deslocados internos.

De acordo com a ONU, o fim do regime Assad pode incentivar o retorno de um milhão de refugiados entre janeiro e junho de 2025. Mas após mais de uma década de guerra civil, organismos internacionais afirmam que o país é incapaz de receber mais pessoas.

"Estima-se que 90% da população necessite de ajuda humanitária na Síria. Há várias questões complexas no retorno a um país com esse nível de devastação. Casas podem ter sido destruídas ou ocupadas por outras pessoas", pontua Maria Beatriz Nogueira, chefe da agência da ONU para refugiados (Acnur) em São Paulo. — Por isso, solicitamos a todos os países que abrigam refugiados sírios que continuem a lhes dar proteção.

O apelo foi ecoado esta semana pela diretora-geral da OIM, Amy Pope, no momento em que países europeus como a Alemanha, que abriga o terceiro maior número de refugiados sírios do mundo, anunciaram a suspensão de pedidos de asilo. Segundo Pope, “enviar pessoas de volta só vai desestabilizar ainda mais o país”.

"As pessoas têm o direito de voltar para casa, mas não estamos aconselhando um retorno em grande escala. O sistema não pode suportar esse fluxo", alertou Pope em entrevista à AFP.

Para Nanar Hawach, analista do Crisis Group especialista em Síria, é preciso reverter o colapso econômico e estrutural para receber os refugiados:

"A infraestrutura da Síria está dizimada. Um terço das escolas está totalmente destruído. O setor de saúde está desmoronando. A eletricidade é cortada de 20 a 22 horas por dia", elenca. "Não é possível abrir o país sem aliviar as sanções. É muito importante que a economia síria não entre em colapso neste momento".

Quem é Bashar al-Assad, líder sírio que fugiu de Damasco

Refúgio no Brasil

Historicamente, a imigração desempenha um papel importante na reconstrução de países que passaram por conflitos. Muitos refugiados sírios têm manifestado o desejo de contribuir. É o caso de Adel Bakkour, um dos mais de 3 mil refugiados sírios no Brasil. Morador do Rio de Janeiro, ele deixou o país em 2012, com 19 anos, depois de ver o destino de colegas que, assim como ele, se organizaram nos movimentos antigoverno.

"Logo no início das manifestações, eu me engajei com o pessoal que planejava os protestos. Mas a repressão em Aleppo foi piorando com o tempo. As pessoas do próprio bairro denunciavam", conta. "Quando deixei a Síria, só tinha sobrado eu e outro cara desse grupo, o restante estava morto ou tinha sido preso e sumiu. Fiquei diante de poucas opções: ou entrava para a luta armada, ou ficava quieto".

No Brasil, Bakkour conta ter passado por dificuldades no início, chegando a morar em uma barraca no campus da UFRJ, onde estudava Química. De lá para cá, migrou para a faculdade de Relações Internacionais, trabalhou como professor de árabe e atuou como coordenador do Centro de Referência e Atendimento para Imigrantes da Prefeitura. Quando assistiu à queda do regime que ele mesmo lutou para derrubar, sabia que sua experiência poderia ajudar.

"A Síria sofreu com uma ditadura por 52 anos. Não existem direitos civis, assistência social, qualquer ajuda é bem-vinda. Eu posso levar a minha experiência com políticas públicas. Mas se for para voltar, prefiro ir com um projeto para ajudar as pessoas", pontua, acrescentando que entende quem está retornando agora. "Antes, se a sua casa fosse tomada pelos rebeldes ou bombardeada e você fosse obrigado a migrar, o regime proibia que você voltasse, mesmo que fosse para reconstruí-la. Quem fizesse isso, era tachado de terrorista. Muitas das pessoas que estão voltando agora estão com a casa no chão, mas podem dormir na rua à noite e construir sua casa de dia".

Mas, se por um lado a mudança de regime mobiliza milhares de sírios a voltarem, por outro, cerca de 1,1 milhão de pessoas fugiram durante a ofensiva dos rebeldes — que em apenas duas semanas tomaram grandes centros como Aleppo, Hama e Homs. Islâmico sunita, segmento que corresponde à 70% da população, o HTS já teve laços com a Al-Qaeda no passado e é considerado uma organização terrorista por diversos países. Sua ascensão tem preocupado minorias religiosas na Síria, sobretudo os alauitas, da qual o clã Assad faz parte, que temem um revanchismo.

Fantasma do EI

Na avaliação de Hawach, o futuro da Síria será decidido pela forma como o HTS lidará com essas minorias. Embora o grupo venha tentando passar uma imagem pacifista, essa tônica não tem predominado entre facções aliadas, como o Exército Livre da Síria, organização pró-Turquia que luta contra os curdos no país.

"As facções aliadas do HTS não são tão disciplinadas. Embora tenha enviado mensagens de que quer proteger as minorias, o grupo não está conseguindo fazer isso", destaca. "Fora dos centros urbanos, as minorias estão sendo ameaçadas e perseguidas. Há saques e execuções diárias. Mesmo felizes por se livrarem de Assad, essas minorias podem deixar de apoiar o HTS".

Outro desafio será estabilizar as fronteiras, cujas tensões podem levar a uma nova onda de deslocamentos. Nesta semana, o primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, aprovou a expansão de assentamentos nas Colinas de Golã, território anexado em 1967, mas reconhecido internacionalmente como parte da Síria. Desde que o HTS chegou a Damasco, Israel intensificou os bombardeios ao país, destruindo cerca de 80% da capacidade militar do antigo exército de Assad.

"Após a queda do regime, Israel se encarregou de criar uma zona tampão na Síria, expulsando moradores de pelo menos dois vilarejos", explica Hawach.

A situação mais alarmante, porém, é na fronteira com a Turquia. Uma das principais agendas do presidente turco, Recep Tayyip Erdoğan, é contra os curdos — a maior minoria étnica da Síria, que corresponde a 10% da população. Com a queda de Assad, Erdogan iniciou uma operação para criar uma zona de segurança no nordeste do país, controlado pelas Forças Democráticas da Síria (FDS), grupo curdo inimigo da Turquia.

"Hoje, as forças curdas estão na posição mais fraca desde a sua existência. Por outro lado, grupos rebeldes apoiados pela Turquia estão avançando em direção ao norte para empurrá-las para longe", diz o analista do Crisis Group. "Caso haja uma incursão ali, veremos centenas de milhares de pessoas deixando suas casas e outras assumirão suas terras".

Soma-se a isso o fantasma do Estado Islâmico (EI), que após operações que contaram com o apoio de países como EUA e Rússia, além dos próprios curdos, pode ressurgir.

"O EI se espalhou pelo centro da Síria e por todo o deserto até o Iraque, no leste. Então há o risco de possíveis ataques do grupo levarem a outra onda de deslocamento".

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